Facilidade de viajar e reunir pessoas tornou ambiente fértil para disseminação em larga escala, algo que as pessoas falharam em perceber, segundo escritor
Por Sérgio Tauhata e Rafael Gregorio, Valor — São Paulo
17/07/2020
Ao contrário do que pode sugerir o senso comum, a pandemia não deve ser considerada um evento “cisne negro”, ou seja, algo inesperado, imprevisível e de impactos extremos. Quem contesta essa definição relacionada à covid-19 é o próprio criador do conceito, o matemático e analista de riscos Nassim Nicholas Taleb.
Autor de obras como “A Lógica do Cisne Negro”, “Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos” e “Arriscando a própria Pele: Assimetrias Ocultas no Cotidiano”, ele falou durante a Expert XP, evento promovido pela plataforma de investimentos de mesmo nome.
Para o especialista em riscos e finanças comportamentais, a história é repleta de casos de pandemias e quarentenas. O autor citou o período do Império Otomano, no século 19, quando viajantes do Oriente Médio eram confinados em locais conhecidos como “Lazzarettos” e permaneciam em quarentena antes de entrar nos portos do Mediterrâneo. “Sabemos há anos sobre pandemias, temos até filmes sobre isso”, ponderou. Conforme Taleb, “depende do ponto de vista do observador; algo que você espera – ou poderia esperar – não pode ser um evento cisne negro”.
O especialista exemplificou a questão com uma metáfora curiosa: “o cisne negro do peru é diferente daquele do açougueiro”. Segundo Taleb, “para o animal, o açougueiro o ama, mas, de repente, corta sua cabeça”. Entretanto, do ponto de vista do açougueiro, aquele é um evento comum.
Apesar de ser historicamente documentado, existe um fator na atualidade que “as pessoas falharam em perceber” em relação à pandemia de covid-19, disse Taleb: a facilidade de viajar e reunir pessoas, que tornou o ambiente “fértil como nunca foi” para uma pandemia em larga escala. “Por exemplo, uma conferência em São Paulo pode reunir 30 mil pessoas do mundo todo e, em alguns dias, tudo o que aprenderam ali estará espalhado por todo o planeta.”
Na visão do autor, existem muitas ideias e percepções de probabilidade enviesadas no mercado financeiro. Usando o conceito visitado na obra “Antifrágil”, citou negócios côncavos, ou seja, com possibilidades ilimitadas de perdas, e convexos, que funcionam ao contrário, com perdas limitadas, mas possibilidade de ganhos ilimitados. No mundo dos investimentos, afirmou, “[a missão é] procurar opções que sejam convexas por natureza”.
Concentração x diversificação
Matemático de formação, Taleb descreveu a demanda por especialização necessária para o sucesso, e não só no mercado financeiro. Para isso, usou como ilustração o mercado financeiro dos EUA.
Há entre 10 mil e 18 mil companhias listadas em bolsas nos EUA, mas cerca de apenas 200 (0,2%) concentram metade da capitalização total do mercado – proporção que, em certos pregões, pode chegar a só 40 empresas, conforme a flutuação dos preços dos ativos.
“O mundo das finanças nem é tão concentrado quanto outros setores, como o de biofarma, mas ainda assim requer muita disciplina”, comentou, para emendar em outro exemplo célebre em seus livros, o da indústria de livros.
“Há 1 milhão de romances à procura de um editor. Não qualquer um, mas um grande, que revise e divulgue bem a obra. Entre essas grandes editoras, há um volume total de apostas de até 30 mil livros. Mas apenas 5 a 25 deles vão gerar mais da metade do faturamento. Por que gigantes como Penguin e Random House atravessaram um oceano para se unirem [nota : a primeira é originalmente inglesa, e a segunda, americana]? Porque para viver nesse mercado, você precisa ter ao menos 20% de tudo o que é publicado. Caso contrário, não terá geração estável de receita. Isso se aplica às finanças. Se você quer comprar ações, precisa ter um portfólio vasto, porque em um horizonte de longo prazo, é só uma pequena porção delas que vai gerar dinheiro”.
Volatilidade nem sempre é ruim
Outra ideia equivocada, segundo o autor, é a do papel negativo da volatilidade na análise de riscos. Em um exemplo tirado de uma de suas obras, Taleb conta a história de dois irmãos gêmeos que trabalharam desde os 20 anos e agora estão com 55 anos. Um deles se tornou taxista e outro conseguiu um emprego com um salário estável em uma grande empresa. “O motorista tem bons e maus meses, saiu do táxi e foi para o Uber, e cada mês ruim o obriga a se ajustar rapidamente. Nessa época de covid-19, agora faz mais dinheiro com entrega de delivery.”
São pólos opostos, considerou. “Se perguntar a um analista sobre o risco, ele diria que o taxista tem mais volatilidade e, portanto, é mais arriscado, enquanto o irmão que trabalha na empresa com salário regular tem menos risco”, afirmou. Porém, na pandemia, o irmão que tem o salário foi demitido. “Agora, qual a possibilidade de essa pessoa, aos 55 anos, voltar a fazer a mesma coisa? Trabalhou para a mesma empresa por 35 anos e, com isso, matou sua habilidade de se adaptar a qualquer circunstância, ou seja, não tem volatilidade, mas também não tem adaptação”, resume.
Conforme Taleb, o mesmo conceito pode ser aplicado às empresas. “O melhor indicador de uma futura falência de uma empresa é ter uma receita estável”, afirmou, citando análises de dados de fundos de investimentos entre 2008 e 2009. “Quem tinha os mais altos índices de sharp teve a pior performance [quando a crise eclodiu], porque, de repente, tiveram um grande revés e não souberam reagir”.
Acolher o fracasso do empreendedor
Questionado pelo entrevistador Alberto Bernal, chefe de mercados emergentes e estrategista global da XP, sobre se o empreendedorismo pode ser ensinado, ou se há algo que governos possam fazer para estimular suas populações, Taleb respondeu que sim, em partes. Em sua visão, a inquietude e outras características para empreender são inatas: “Para pessoas como eu, por exemplo, é fisicamente impossível ter chefes. Posso até ter sócios, mas não chefes. É algo que descobri cedo”, disse.
“Por outro lado”, ressalvou, “há elementos das culturas dos países que são ruins e que podem ser trabalhados. Por exemplo: sabe qual o país onde acontecem mais falências? Os EUA. E sabe onde mais acontecem falências lá? Em Silicon Valley”, disse, citando a região na Califórnia famosa por concentrar as maiores empresas de tecnologia da atualidade, como Google, Facebook, Twitter e Apple.
“Quando ouço as pessoas dizerem que falir é ruim”, comentou Taleb, “costumo dar risada e responder: será mesmo? A ideia do fracasso deveria ser revista. Não deveria haver nada errado em começar uma empresa e dar errado. Afinal, só uma em dez dão certo. Então, essa é uma coisa que governos podem fazer: encorajar as pessoas a abrirem negócios, e disponibilizar uma rede de proteção para quando elas falharem.”
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