Pandemia não foi ‘cisne negro’, pois poderia ter sido prevista, diz Nassim Taleb

Facilidade de viajar e reunir pessoas tornou ambiente fértil para disseminação em larga escala, algo que as pessoas falharam em perceber, segundo escritor

Por Sérgio Tauhata e Rafael Gregorio, Valor — São Paulo

17/07/2020 

Ao contrário do que pode sugerir o senso comum, a pandemia não deve ser considerada um evento “cisne negro”, ou seja, algo inesperado, imprevisível e de impactos extremos. Quem contesta essa definição relacionada à covid-19 é o próprio criador do conceito, o matemático e analista de riscos Nassim Nicholas Taleb. 

Autor de obras como “A Lógica do Cisne Negro”, “Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos” e “Arriscando a própria Pele: Assimetrias Ocultas no Cotidiano”, ele falou durante a Expert XP, evento promovido pela plataforma de investimentos de mesmo nome.

Para o especialista em riscos e finanças comportamentais, a história é repleta de casos de pandemias e quarentenas. O autor citou o período do Império Otomano, no século 19, quando viajantes do Oriente Médio eram confinados em locais conhecidos como “Lazzarettos” e permaneciam em quarentena antes de entrar nos portos do Mediterrâneo. “Sabemos há anos sobre pandemias, temos até filmes sobre isso”, ponderou. Conforme Taleb, “depende do ponto de vista do observador; algo que você espera – ou poderia esperar – não pode ser um evento cisne negro”.

O especialista exemplificou a questão com uma metáfora curiosa: “o cisne negro do peru é diferente daquele do açougueiro”. Segundo Taleb, “para o animal, o açougueiro o ama, mas, de repente, corta sua cabeça”. Entretanto, do ponto de vista do açougueiro, aquele é um evento comum.

Apesar de ser historicamente documentado, existe um fator na atualidade que “as pessoas falharam em perceber” em relação à pandemia de covid-19, disse Taleb: a facilidade de viajar e reunir pessoas, que tornou o ambiente “fértil como nunca foi” para uma pandemia em larga escala. “Por exemplo, uma conferência em São Paulo pode reunir 30 mil pessoas do mundo todo e, em alguns dias, tudo o que aprenderam ali estará espalhado por todo o planeta.”

Na visão do autor, existem muitas ideias e percepções de probabilidade enviesadas no mercado financeiro. Usando o conceito visitado na obra “Antifrágil”, citou negócios côncavos, ou seja, com possibilidades ilimitadas de perdas, e convexos, que funcionam ao contrário, com perdas limitadas, mas possibilidade de ganhos ilimitados. No mundo dos investimentos, afirmou, “[a missão é] procurar opções que sejam convexas por natureza”.

Concentração x diversificação

Matemático de formação, Taleb descreveu a demanda por especialização necessária para o sucesso, e não só no mercado financeiro. Para isso, usou como ilustração o mercado financeiro dos EUA.

Há entre 10 mil e 18 mil companhias listadas em bolsas nos EUA, mas cerca de apenas 200 (0,2%) concentram metade da capitalização total do mercado – proporção que, em certos pregões, pode chegar a só 40 empresas, conforme a flutuação dos preços dos ativos. 

“O mundo das finanças nem é tão concentrado quanto outros setores, como o de biofarma, mas ainda assim requer muita disciplina”, comentou, para emendar em outro exemplo célebre em seus livros, o da indústria de livros. 

“Há 1 milhão de romances à procura de um editor. Não qualquer um, mas um grande, que revise e divulgue bem a obra. Entre essas grandes editoras, há um volume total de apostas de até 30 mil livros. Mas apenas 5 a 25 deles vão gerar mais da metade do faturamento. Por que gigantes como Penguin e Random House atravessaram um oceano para se unirem [nota : a primeira é originalmente inglesa, e a segunda, americana]? Porque para viver nesse mercado, você precisa ter ao menos 20% de tudo o que é publicado. Caso contrário, não terá geração estável de receita. Isso se aplica às finanças. Se você quer comprar ações, precisa ter um portfólio vasto, porque em um horizonte de longo prazo, é só uma pequena porção delas que vai gerar dinheiro”.

Volatilidade nem sempre é ruim

Outra ideia equivocada, segundo o autor, é a do papel negativo da volatilidade na análise de riscos. Em um exemplo tirado de uma de suas obras, Taleb conta a história de dois irmãos gêmeos que trabalharam desde os 20 anos e agora estão com 55 anos. Um deles se tornou taxista e outro conseguiu um emprego com um salário estável em uma grande empresa. “O motorista tem bons e maus meses, saiu do táxi e foi para o Uber, e cada mês ruim o obriga a se ajustar rapidamente. Nessa época de covid-19, agora faz mais dinheiro com entrega de delivery.”

São pólos opostos, considerou. “Se perguntar a um analista sobre o risco, ele diria que o taxista tem mais volatilidade e, portanto, é mais arriscado, enquanto o irmão que trabalha na empresa com salário regular tem menos risco”, afirmou. Porém, na pandemia, o irmão que tem o salário foi demitido. “Agora, qual a possibilidade de essa pessoa, aos 55 anos, voltar a fazer a mesma coisa? Trabalhou para a mesma empresa por 35 anos e, com isso, matou sua habilidade de se adaptar a qualquer circunstância, ou seja, não tem volatilidade, mas também não tem adaptação”, resume.

Conforme Taleb, o mesmo conceito pode ser aplicado às empresas. “O melhor indicador de uma futura falência de uma empresa é ter uma receita estável”, afirmou, citando análises de dados de fundos de investimentos entre 2008 e 2009. “Quem tinha os mais altos índices de sharp teve a pior performance [quando a crise eclodiu], porque, de repente, tiveram um grande revés e não souberam reagir”.

Acolher o fracasso do empreendedor

Questionado pelo entrevistador Alberto Bernal, chefe de mercados emergentes e estrategista global da XP, sobre se o empreendedorismo pode ser ensinado, ou se há algo que governos possam fazer para estimular suas populações, Taleb respondeu que sim, em partes. Em sua visão, a inquietude e outras características para empreender são inatas: “Para pessoas como eu, por exemplo, é fisicamente impossível ter chefes. Posso até ter sócios, mas não chefes. É algo que descobri cedo”, disse.

“Por outro lado”, ressalvou, “há elementos das culturas dos países que são ruins e que podem ser trabalhados. Por exemplo: sabe qual o país onde acontecem mais falências? Os EUA. E sabe onde mais acontecem falências lá? Em Silicon Valley”, disse, citando a região na Califórnia famosa por concentrar as maiores empresas de tecnologia da atualidade, como Google, Facebook, Twitter e Apple.

“Quando ouço as pessoas dizerem que falir é ruim”, comentou Taleb, “costumo dar risada e responder: será mesmo? A ideia do fracasso deveria ser revista. Não deveria haver nada errado em começar uma empresa e dar errado. Afinal, só uma em dez dão certo. Então, essa é uma coisa que governos podem fazer: encorajar as pessoas a abrirem negócios, e disponibilizar uma rede de proteção para quando elas falharem.”

https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/07/17/pandemia-nao-foi-cisne-negro-pois-poderia-ter-sido-prevista-diz-nassim-taleb.ghtml

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A ciência tem que desfilar em carro aberto

por Evandro Milet( artigo publicado no Gazeta online em 18/07/2020)

Após a comprovação da Teoria da Relatividade Geral em 1919(por um eclipse em Sobral no Ceará), Einstein foi, pela primeira vez aos Estados Unidos em 1921, em um evento singular na história da ciência, e extraordinário para todas as áreas: uma grande marcha de dois meses de duração pelo leste e meio-oeste dos Estados Unidos, que fazia lembrar o frenesi e a adulação da imprensa seguindo o turnê de uma estrela do rock, com direito a desfile em carro aberto pelas ruas de Nova York. 

A descrição da viagem, na biografia de Albert Einstein escrita por Walter Isaacson, mostra o prestígio e a importância dada à ciência e aos cientistas cem anos atrás nos Estados Unidos. 

E não é fácil entender a Teoria da Relatividade. Na estreia de Luzes da Cidade, em Hollywood, em 1931, onde chegaram juntos, Charles Chaplin observou para Einstein, de forma memorável(e precisa): “Eles me aplaudem porque me entendem, e o aplaudem porque ninguém o entende”.

Quase 200 anos antes, em 1727, sir Isaac Newton era sepultado na Abadia de Westminster em um funeral digno de um rei. Alexander Pope, um dos maiores poetas britânicos da história, escreveu os dizeres para o seu túmulo (apesar do que não foi permitido colocá-lo na Abadia de Westminster): “A natureza e as leis da natureza estavam imersas em trevas; Deus disse “Haja Newton” e tudo se iluminou”. 

Por muitos considerado o maior cientista que já viveu, Newton formou-se em 1664 e ganhou uma bolsa de pós-graduação para continuar na Universidade. Mas sua estadia em Cambridge foi interrompida pela grande praga de Londres que matou quase 100.000 pessoas e que o obrigou a ficar em casa. Confinado por 18 meses desenvolveu ideias de matemática e ótica, e começou a trabalhar na Lei da Gravitação Universal. Em 1667 concluiu a formulação do Cálculo Diferencial e Integral, um de seus mais importantes trabalhos(entre muitos outros fundamentais na matemática, na física e na astronomia). 

Esperamos que esse surto de criatividade acometa também muita gente confinada nesse período de pandemia que vivemos. E que a ciência seja valorizada. Talvez a ciência nunca tenha estado tão em evidência como agora, onde todo o mundo acompanha ansioso notícias diárias dos cientistas sobre vírus e vacinas enquanto, de outro lado, os obscurantistas acompanham os pajés da política com seus remédios milagrosos e seu negacionismo na saúde e no meio ambiente. 

É fundamental que o Brasil avance no ensino das disciplinas do STEM(sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) para que não fiquemos, em pleno século 21, replicando charlatães na internet e com desfiles em carro aberto e funerais concorridos só para políticos populistas, astros de rock(ou de funk) e jogadores de futebol – tudo bem, alguns até merecidos. 

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A nova economia do trabalho em casa segundo pesquisa de Stanford

O economista de Stanford, Nicholas Bloom, discute os impactos sociais de uma nova “economia do trabalho em casa” e os desafios colocados pela transição maciça para o trabalho remoto generalizado.

POR MAY WONG – 29 DE JUNHO DE 2020 (tradução Evandro Milet)

A nova “economia do trabalho em casa”, que provavelmente continuará muito além da pandemia de coronavírus que a gerou, apresenta novos desafios – de uma bomba-relógio pela desigualdade à erosão dos centros das cidades – segundo Nicholas Bloom, economista de Stanford.

Os resultados de várias pesquisas nacionais que Bloom vem realizando durante o lockdown relacionado ao COVID fornecem um instantâneo da nova realidade emergente. 

Bloom, professor de economia William D. Eberle na Escola de Humanidades e Ciências de Stanford e membro sênior do Standard Institute for Economic Policy Research(SIEPR), concentra-se na economia do trabalho, práticas de gestão e incerteza. Desde o início da crise do coronavírus, seu estudo de 2014 sobre trabalho em casa e pesquisas em andamento com outros colegas de empresas privadas tem sido muito procurado, enquanto os formuladores de políticas e outros se esforçam para entender melhor a dinâmica de mudança da força de trabalho e suas implicações econômicas.

Aqui, Bloom discute os impactos sociais do trabalho em casa e o que sua pesquisa mais recente revela. E em um trabalho de Política do SIEPR relacionado, ele expande suas descobertas e oferece aos formuladores de políticas e líderes de negócios sugestões para tornar o trabalho remoto uma parte permanente do cenário de trabalho. 

Vivemos em uma economia da informação e uma economia de bico(gig economy). Agora você identificou uma nova “economia do trabalho em casa”. Por que isso?

Vemos incríveis 42% da força de trabalho dos EUA trabalhando agora em casa em tempo integral. Cerca de outros 33% não estão trabalhando – uma prova do impacto selvagem da recessão. E os 26% restantes – principalmente trabalhadores de serviços essenciais – estão trabalhando em instalações normais. Então, em números absolutos, os EUA são uma economia que trabalha em casa. Quase o dobro de funcionários que trabalha em escritórios trabalha em casa. 

O mais impressionante é que, se considerarmos a contribuição para o produto interno bruto dos EUA com base em seus ganhos, esse grupo ampliado de funcionários que trabalham em casa agora representa mais de dois terços da atividade econômica dos EUA. 

Quão vital foi a rápida mudança para trabalhar em casa durante a crise do COVID?

Sem essa mudança histórica para trabalhar em casa, o lockdown nunca poderia ter durado. A economia entraria em colapso, forçando-nos a voltar ao trabalho, aumentando as taxas de infecção. Trabalhar em casa não é apenas economicamente essencial, é uma arma crítica em nossa luta contra o COVID-19 – e futuras pandemias. 

Por que você acha que trabalhar remotamente está se transformando em uma realidade mais permanente?

O estigma associado ao trabalho em casa antes do COVID-19 desapareceu. E trabalhar remotamente agora é extremamente comum, embora sob condições muito desafiadoras, como escrevi anteriormente. E várias empresas estão desenvolvendo planos para mais opções de trabalho em casa além da pandemia. Uma recente pesquisa separada de empresas da Pesquisa de Incerteza Empresarial que administro com o Federal Reserve de Atlanta e a Universidade de Chicago indicou que a parcela de dias úteis passados em casa deve aumentar quatro vezes em relação aos níveis anteriores ao COVID, de 5% para 20 porcento. Das dezenas de empresas com as quais conversei, o plano típico é que os funcionários trabalhem em casa um a três dias por semana e venham no escritório o resto do tempo. 

Que problemas mais complicados você está vendo?

Nem todo mundo pode trabalhar em casa. Apenas 51% dos participantes da pesquisa – principalmente gerentes, profissionais e trabalhadores financeiros que podem realizar seus trabalhos em computadores – relataram poder trabalhar em casa a uma taxa de eficiência de 80% ou mais. A metade restante (quase) não pode trabalhar remotamente. Eles trabalham nos serviços em varejo, saúde, transporte e atividades de escritório, e precisam ver clientes ou trabalhar com produtos ou equipamentos.

Muitos americanos também não têm as instalações ou a capacidade suficiente da Internet para trabalhar efetivamente em casa. Mais da metade dos pesquisados que agora trabalham em casa o fazem em quartos compartilhados ou em seus quartos. E apenas 65% dos americanos relataram ter capacidade de internet suficientemente rápida para suportar videochamadas razoáveis para trabalhar. Os 35% restantes têm internet tão ruim em casa – ou nenhuma internet – que impede o teletrabalho eficaz. 

E como todos esses fatos negativos se somam?

Tomados em conjunto, isso está gerando uma bomba-relógio pela desigualdade. Nossos resultados mostram que funcionários mais instruídos e com maior salário têm muito mais probabilidade de trabalhar em casa – então eles continuam a ser pagos, desenvolvem suas habilidades e avançam em suas carreiras. Ao mesmo tempo, aqueles que não conseguem trabalhar em casa – devido à natureza de seus empregos ou à falta de espaço adequado ou de conexões à Internet – estão sendo deixados para trás. Eles enfrentam perspectivas sombrias se suas habilidades e experiência de trabalho se desgastarem durante um prolongado período de fechamento. 

Que outros impactos devemos observar nessa transição para um trabalho mais remoto?

O crescimento dos centros das cidades vai parar. Durante a pandemia, a grande maioria dos funcionários que passaram para o teletrabalho trabalhava anteriormente em escritórios nas cidades. Estimo que a perda de sua presença física reduziu em mais da metade o gasto diário total em restaurantes, bares e lojas do centro da cidade. 

Esse aumento no trabalho em casa chegou em grande parte para ficar, e vejo um declínio de longo prazo nos centros das cidades. As maiores cidades dos EUA tiveram um crescimento incrível desde a década de 1980, quando americanos mais jovens e instruídos afluiram em massa para centros revitalizados. Mas parece que essa tendência será revertida em 2020 – com uma fuga de atividade econômica para fora dos centros das cidades. 

Para onde irá a força de trabalho?

A vantagem é que isso será um boom para subúrbios e áreas rurais. Dada a necessidade de distanciamento social, as empresas com quem converso normalmente pensam em reduzir pela metade a densidade de escritórios, o que levaria a um aumento na demanda geral por espaço para escritórios. Mas, em vez de construir mais arranha-céus de escritórios – que tem sido o tema dominante nos últimos 40 anos – prevejo que o COVID-19 mudará dramaticamente a tendência para parques industriais com prédios baixos. 

Arranha-céus nas cidades enfrentam dois grandes desafios pós-COVID. Primeiro, o transporte coletivo – o metrô, trens e ônibus. Como você pode imaginar vários milhões de trabalhadores dentro e fora das principais cidades como Nova York, Londres ou Tóquio todos os dias com distanciamento social? 

Segundo, elevadores. Normalmente, antes do COVID, era possível espremer as pessoas para dentro de um elevador, com cada pessoa ocupando menos de meio metro quadrado de espaço. Mas se aplicamos um metro e meio de distanciamento social, precisamos de mais de 30 metros quadrados de espaço, reduzindo a capacidade dos elevadores em mais de 90%, impossibilitando que os funcionários cheguem a suas mesas nas horas de pico. 

E se o distanciamento social não for mais necessário?

Ninguém sabe ao certo, mas se uma vacina COVID-19 aparecer, minha previsão é que a sociedade tenha se acostumado ao distanciamento social. E, dadas outras pandemias recentes como SARS, Ebola, MERS e gripe aviária, ou as anteriores pandemias de influenza de 1957-58 e 1968, empresas e funcionários vão temer a necessidade potencial de retornar ao distanciamento social. Portanto, prevejo que muitas empresas relutem em retornar rapidamente a escritórios densos. 

Meus resultados mais recentes de pesquisa parecem confirmar isso: os funcionários relataram uma queda de 25% na demanda para trabalhar em escritórios altos em 2021, presumivelmente após o COVID. 

Se eu fosse uma empresa agora planejando o futuro do meu escritório, estaria olhando para as regiões fora do centro e arredores.

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Algoritmos confusos pedem a ajuda de humanos

O colunista Claudio Garcia analisa como o avanço da inteligência artificial depende ainda mais de profissionais qualificados

16/07/2020 por Cláudio Garcia no Valor Econômico

O recente anúncio de Elon Musk que a Tesla deverá, ainda esse ano, ter carros com nível 5 de automação – que podem ser completamente autônomos em qualquer situação – veio no momento em que pouco se tem ouvido sobre avanços na área de inteligência artificial (IA). Por trás desse quase silêncio, existe o fato que nunca se teve tanto trabalho humano no no setor. Mas em vez de novas aplicações e fantásticos avanços, o foco tem sido em retreinar os algoritmos que ficaram confusos com a rápida mudança de comportamento provocada pela covid-19.

A IA precisa de uma grande quantidade de dados, que usualmente são rotulados manualmente para treinar os algoritmos. São anos de investimento, de pessoas dedicadas a compreender um contexto para se aplicar a tecnologia, incluindo todas as variáveis e condições possíveis que possam fazer sentido para se replicar uma dinâmica.

De certa forma, as condições para desenvolvimento de algoritmos para carros autônomos não mudam por causa do vírus. As ruas não ficaram menores, os obstáculos não se deformaram e os sensores não ficaram doentes. Mas não se pode falar o mesmo dos sistemas que são desenvolvidos para interpretar e influenciar o comportamento de humanos.

Sistemas que utilizam IA para marketing, planejamento de produção, armazenamento, fraude, recomendação de conteúdo ou análise de sentimento de clientes foram treinados para uma normalidade que em poucas semanas desapareceu. Não adianta o algoritmo tentar ganhar o cliente com preço promocional para um produto que só pode ser entregue em três meses, quando ele quer pagar mais, mas tê-lo amanhã.

Mesmo no combate à covid-19, a contribuição de IA tem sido menor do que era esperado. A ONU e a OMS, em março, lançaram um relatório sobre o uso de IA em tomografias para identificar deformações causadas pelo vírus. Os resultados ficaram aquém do prometido. A maioria das ações mais precisas na covid-19 vieram de técnicas de estatística e pesquisas médicas tradicionais.

Sem dúvida a IA tem progredido, não só na automação de veículos, como no campo da medicina que viu avanços no combate a vários tipos de câncer. Mas temos que estar alertas ao ‘hype’ por trás da realidade. Sistemas de IA ainda estão distantes de serem eficientes perante o inusitado.

Dados traduzem o que aconteceu no passado e, baseado neles, tentam prever o que pode, não o que irá ocorrer no futuro. Além disso, a IA modifica nossos comportamentos (vide o impacto das rede sociais nas conversas políticas). E, nossos novos comportamentos geram a necessidade dos algoritmos se atualizarem (eliminar o discurso de ódio). Só que esses não se atualizam sozinhos. Não à toa, empresas que dependem de IA, possuem uma dependência enorme de um grande número de cientistas de dados para interpretar anomalias e retreinar algoritmos quando o contexto muda. Muitas que investiram pesado em IA estão, neste momento, lamentando a falta de profissionais para manter esses sistemas. Mais delicada é a imprevisibilidade da influência da IA em nós. É quase impossível prever como comportamentos se ajustam quando influenciados.

No fim, grandes possibilidades tecnológicas caminham em realidades bem humanas, seja quando precisamos desenvolver pessoas para uma relação convoluta com algoritmos ou quando precisamos lidar com as consequências imprevisíveis dessa relação. Esse é o paradoxo que empresas tem muita dificuldade de compreender e gerenciar. A parte tecnológica é observável, testável, mas ilusoriamente previsível, já que dependem, de um não tão preciso ser humano.

*Cláudio Garcia vive em Nova York onde atua como empreendedor, conselheiro de empresas e pesquisador sobre pessoas e organizações.

https://valor.globo.com/carreira/coluna/algoritmos-confusos-pedem-a-ajuda-de-humanos.ghtml

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Soft Power – a força internacional que o Brasil poderia desenvolver

Por Evandro Milet

O professor de Harvard Joseph Nye propôs o termo soft power (ou poder brando), em um livro de 2004, para designar a forma como uma nação impõe sua influência no resto do mundo por meios diferentes da coerção, do dinheiro e da supremacia militar — o chamado hard power. Poder é a capacidade de influenciar os outros para que façam o que você quer. Há três maneiras de fazer isso: ameaçá-los com porretes, recompensá-los com cenouras ou atraí-los para que queiram o mesmo que você. Essa terceira opção é o soft power e necessita que o estado influenciado tenha alguma admiração pelo estado influenciador.

De acordo com Nye, há três fontes básicas de soft power: cultura, valores políticos e política externa, vista como legítima e com autoridade moral. Segundo Nye, a cultura dos Estados Unidos permite que sua capacidade de influência seja maior que a força militar, diferente do que ocorreu com os impérios Romano e Soviético. É fácil perceber a influência de Hollywood, Disney, Netflix, Spotify, Harvard, Stanford, Google, Apple, Microsoft, Amazon e dezenas de outras siglas. Milhares de estudantes estrangeiros vão estudar nos Estados Unidos e disseminam os valores da cultura americana nos seus países.

O Brasil não terá durante muitos anos capacidade de influência econômica no mundo e muito menos poder militar. Mas poderia ter alguma influência pela cultura, onde despontam a música e as novelas de TV e até pelo futebol. A cena do então ministro da cultura Gilberto Gil colocando todo mundo para cantar e dançar na Assembleia da ONU em 2003, acompanhado no atabaque pelo então secretário geral Kofi Annan, é simbólica dessa posição. A novela Avenida Brasil da TV Globo foi vendida para 130 países com enorme sucesso em muitos deles, provocando até mudanças de hábitos. Assim como é conhecida a fama da novela Escrava Isaura pelo mundo, onde foi vista por mais de 450 milhões de pessoas, incluindo enorme sucesso na China. O carnaval, o samba e a bossa nova marcaram também o nome do Brasil no exterior, numa visão simpática.

Também conta a lenda futebolística, contestada por pesquisadores, que o time galático do Santos, em 1969, parou a chamada guerra de Biafra, na Nigéria, para disputar uma partida contra o time local. Verdade ou lenda, se foi apenas uma forma do governo local de demonstrar domínio da situação, o fato é que o futebol brasileiro, e particularmente Pelé, tinham a capacidade de abrir portas e de levar positivamente o nome do país em um aspecto específico de influência.

Porém, atualmente, o maior ativo de soft power do Brasil poderia ser o meio ambiente. A nossa matriz energética é constituída de 43% de energia renovável, enquanto o mundo usa apenas 14%. Temos 12% das florestas do mundo, e a Amazônia é um ativo inestimável por concentrar a maior diversidade do planeta. Existe um entendimento que o Brasil poderia ser um grande líder de soft power nesse tema, que cresce na opinião pública mundial, se despertar o respeito e a admiração de outros países. 

Se acabar com o negacionismo e os delírios conspiratórios,  e a ameaça de sair do Acordo de Paris, poderia criar essa autoridade moral, se efetivamente atuar para resolver os problemas existentes. É claro que a geopolítica e os interesses comerciais definem muita coisa, mas uma política séria e reconhecida de meio ambiente seria um trunfo no apoio às demandas de entrada na OCDE, no Conselho de Segurança da ONU e para acordos de comércio, que estão cada vez mais exigentes no tema sustentabilidade ambiental. 

Poderíamos transformar o limão em uma limonada, propondo um grande acordo de cooperação internacional com recursos para rastreamento de madeira ilegal, manejo sustentável e aproveitamento da biodiversidade nas indústrias de alimentos, farmacêutica e de cosméticos. Mas soft power exige firmeza, inteligência, menos barulho e mais diplomacia.

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Sensações afloradas na quarentena – banco de dados sobre a vida em isolamento

Foram 13 semanas do levantamento desenvolvido e criado pela empresa de estratégia criativa Wonderboom em parceria com os escritórios de pesquisa Huma e Maré

Lívia Breves 14/07/2020 – O GLOBO

No dia 18 de março, quando muitos começavam o isolamento para se proteger da Covid-19, a primeira leva de perguntas da pesquisa “Emoções em quarentena” foi disparada pela empresa de estratégia criativa Wonderboom em parceria com os escritórios de pesquisa Huma e Maré. O questionário começou abordando a adaptação à nova rotina, que havia sido bruscamente alterada quando escolas fecharam, empresas introduziram o home office, espaços de lazer cancelaram suas agendas e restaurantes passaram a funcionar exclusivamente com delivery. Foram 13 semanas de levantamento, que usou o método survey on-line, um questionário disparado via internet (o principal canal foi o WhatsApp) com perguntas fechadas e abertas.

“Não fizemos esse estudo com objetivo comercial. A ideia é mostrar para as pessoas que elas não estão sozinhas, com sentimentos estranhos. Há um lugar-comum, apesar das particularidades de cada história”, diz a pesquisadora Camila Coelho, fundadora da Wonderboom. “As pessoas estavam se questionado muito. ‘Será que só eu estou assim?’ era uma pergunta frequente. Comprovamos que há novos sentimentos majoritários, comuns a todos, e que não eram fortes antes da quarentena”, completa. O projeto acontece em um momento desconhecido até mesmo para os pesquisadores. “Vamos nos entendendo junto com os entrevistados. Vivemos a própria pesquisa, somos pesquisadores e pesquisados”, brinca Camila.

Por semana, foram cerca de 800 pessoas abrindo os detalhes do dia a dia durante a pandemia e virando estatística. Nas três primeiras, o estudo se debruçou sobre os sentimentos gerais. Em seguida, focou em tópicos como alimentação, libido, autocuidado, solidariedade, sono e consumo on-line. “Os principais sentimentos declarados até a quinta semana do levantamento foram ansiedade e preocupação. A partir da sexta semana, apareceram cansaço e tédio. Um fator interessante é que quanto menor o salário, maior são tais sensações”, destaca ela, reforçando como a desigualdade social ficou escancarada durante a pandemia até mesmo na intimidade.

Assim como o humor ficou desajustado, a libido também está sofrendo. Metade da mostra afirmou que não está conseguindo manter relações sexuais e sentiu o desejo diminuir. Houve, no entanto, o crescimento da turma apelidada de beginner, que iniciou práticas novas no período. Muitos começaram a cozinhar, meditar, fazer sexo virtual e mandar nudes por causa do isolamento.

A diretora de TV Natalia Warth, de 36 anos, nunca tinha sido muito de cozinhar. Mas em função do cuidado com a alimentação da filha Maria Rosa, de 3 anos, precisou se jogar nas panelas para criar menus para a pequena. Acabou virando um hobby divertido. Ela seleciona os ingredientes, define as receitas, prepara tudo cuidadosamente, monta uma série de marmitinhas coloridas e ainda fotografa para impressionar os amigos. “Virou um lugar de afeto muito grande. Tenho curtido. As aulas de pilates, as quais sempre faltava, também viraram outro grande prazer que levo a sério. É uma horinha que me sinto pertencendo a algum lugar do lado de fora de casa. Pratico na sala, com a Rosa brincando junto, trocando ideia com os outros alunos e ainda cuidando de qualquer dor nas costas que apareça”, conta Natália.

Outra tendência do momento é a onda in natura: houve diminuição ou parada completa de depilação e ainda do uso de desodorante, maquiagem, perfume e até protetor solar por uma fatia considerável de pessoas que jamais tinha deixado tais rituais de lado. Porém, que fique claro, apesar dessa corrente estar em alta, a maior parte das pessoas afirmou não ficar desarrumada em casa. Pijamas, só para dormir. A maioria dos entrevistados declarou que está tentando manter uma rotina dividida e com roupas diferentes para cada momento do dia. 

O psicólogo Diego Ferreira, de 29 anos, respondeu semanalmente ao questionário e, junto com as etapas da pesquisa, ele percebeu a importância que é se preparar para trabalhar como se fosse sair de casa. “Tem me ajudado me arrumar para o trabalho e me desarrumar quando termina. Isso cria divisões no dia. Além disso, ajuda a manter a minha autoestima e até o meu relacionamento, já que estar bem cria desejo e sedução. Faço look, passo perfume, tudo”, conta ele, que mora junto com o namorado e um gato. “Não estar sozinho também tem sido bom. Sempre trabalhei com muita gente ao redor, adoro circular, andar no sol. Preciso dos encontros, e estou sentindo cada vez mais falta disso. Confesso que tenho um melhor amigo que mora no mesmo prédio e, volta de meia, nos visitamos.”

Um dos dados do mapeamento é exatamente sobre conseguir ficar no mesmo endereço. Cerca de 70% dos participantes garantem que permaneceram na própria casa, sem furos. Mas 24% admitem que já passaram um tempo em outra residência. E a menor parte, 6%, conta que precisou até mesmo mudar de casa, por questões financeiras, de convivência ou de espaço.

O sono também foi bastante afetado durante a pandemia. Mais da metade dos entrevistados não consegue dormir e 12% da mostra está recorrendo aos remédios. A analista de RH Emilly Bezerra, de 26 anos, conta que está com dificuldades para pegar no sono. Antes, caía na cama e só acordava com o despertador. Agora, insônia e sonhos inusitados abalam sua noite. “Estou até me sentindo estável emocionalmente, mas meus sonhos estão bem diferentes e, por vezes, não durmo a noite toda. Isso tem me deixado quebrada durante o dia, com dor de cabeça e rendimento abalado. Os sonhos estão bem doidos. Já sonhei que a Jeniffer Lopez me adotava, por exemplo. Responder a pesquisa funciona como autoanálise”, conta ela.

O levantamento mais recente foi sobre a reabertura. E o resultado foi alarmante: 67% acreditam que o país está “nada preparado” para isso. Caos, loucura, medo, desespero, despreparo e morte são palavras citadas. “Sobre os hábitos adquiridos na quarentena, 80% dos entrevistados acreditam que levarão para frente, principalmente, os de limpeza e de cozinhar. E o que mais querem fazer quando a pandemia passar é encontrar os amigos”, revela Camila.

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Cidades modernas: conceitos, tendências e reflexos da pandemia

por Evandro Milet

Quatro conceitos, vindos de áreas de conhecimento diferentes, mas complementares, tentam batizar a visão moderna de cidades: 

a)  Cidades sustentáveis, oriundo da área de meio ambiente, o conceito inclui temas como água, resíduos sólidos, lixões, energia, saneamento e poluição ambiental, visual e sonora. E também saúde, educação, pobreza, favelização, mobilidade, base econômica e emprego; 

b) Cidades criativas, conceito oriundo da área de cultura, inclui atividades  artísticas, indústrias culturais, turismo, ciência, tecnologia, universidades, software, design, moda, engenharia e arquitetura, entre outros. Esse conjunto produz uma efervescência cultural que  atrai e retém talentos, promove diversidade social, gera empregos, aumenta o potencial criativo de empresas e instituições, atrai jovens e turistas e contribui para a economia da cidade e qualidade de vida; 

c) Cidades inteligentes – o conceito aborda a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação(TICs) na gestão das cidades, incluindo transporte público, controle de tráfego, monitoramento ambiental, serviços de saúde, educação, segurança, defesa civil e serviços públicos em geral. Como aproveitar o fato de que a maioria dos cidadãos tem um smartphone podendo falar, reclamar, fiscalizar, postar nas redes sociais, propagar idéias em alta velocidade e com alcance enorme?  Cidades inteligentes exigem uma infraestrutura digital, à semelhança das redes de água, luz, telefones e saneamento. Toda a gama de novas tecnologias como Inteligência artificial, Internet das Coisas, 5G, redes sociais e seus desdobramentos têm ampla possibilidade de utilização na gestão de cidades; 

d) Cidades humanas – Jane Jacobs, urbanista e ativista social, defendeu um novo conceito de cidades em seu livro seminal “Morte e Vida de Grandes Cidades” (1961). Propôs a ideia de cidades integradas, densas e vivas contra a tendência da época de segregar funções como suposta visão modernista. Defendeu a alta concentração de pessoas, valorização de esquinas e percursos, edifícios variados e de diferentes idades e menos viadutos e obras monumentais. Cidades adensadas gastam menos energia, as pessoas andam mais a pé ou bicicleta, a caminhabilidade é incentivada, justificam o rateio por muitos dos custos de soluções em transportes e infraestrutura e há mais opções culturais. As novidades da economia compartilhada e veículos autônomos prometem também uma revolução na mobilidade urbana.

Cidades criativas, sustentáveis e inteligentes contribuem para uma cidade mais humana e fortalecem o conceito de Work, Live and Play(Trabalhar, viver e se divertir) onde se pode ter uma vida saudável, com todas as atividades no mesmo ambiente.

A pandemia do coronavírus tem provocado novas discussões sobre a aglomeração das cidades e seu impacto na propagação de doenças. Fica mais evidente o problema das sub-habitações e a falta de saneamento como fator propagador de pandemias. Há também certo movimento de pessoas procurando viver fora desses grandes centros, ainda mais considerando a propagação do home-office como uma nova realidade, onde o trabalho fica independente até da cidade onde se reside. Qual será o balanço dessas tendências?

Com essas ideias e discussões sobre vários ângulos, o Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis lançou o livro O futuro é das CHICS(Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis) onde tive o prazer de escrever um trecho. Uma cópia do livro será colocada gratuitamente no grupo.

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Tendências de consumo na China pós-pandemia que podem pegar pelo mundo

Por Ligia Tuon

Publicado em: 07/07/2020  na Revista Exame

Faz mais de dois meses que os chineses começaram a retomar suas atividades cotidianas após o fim da quarentena imposta contra o coronavírus.

E pela experiência da China, o período de confinamento despertou novas exigências nos consumidores e reforçar alguns hábitos — um movimento que pode ser semelhante em outros países nos próximos meses.

É o que mostra pesquisa da consultoria Inovasia, que analisou o hábito dos consumidores chineses de 8 de abril, dois meses após o fim da quarentena no país até 15 de junho. Entre os hábitos do “novo normal” estão pequenas comodidades diárias e a maior preocupação com a saúde e com a origem dos produtos e serviços.

Quando foi dada a largada das compras com a reabertura, mais de 60% das pessoas disseram que saíram para comer com amigos, 55% foram ao salão de beleza e 52% foram comprar itens para fazer exercício em casa. O sentimento de querer comprar alguma coisa, como prêmio pelo “tempo sofrido” em casa, foi citado por muitos deles.

Vale ressaltar que no período avaliado pela pesquisa, shopping centers e lojas de rua já funcionavam normalmente em mais de 98% das cidades da China, e escolas infantis e de ensino médio abertas em em 42% dos municípios estudados. Serviços como metrô, ônibus e trens também já operaram em todo o país, assim como os voos domésticos.

No mundo, só a China vive esse momento, já que muitos países começaram a afrouxar suas medidas mais recentemente e outros tantos ainda não controlaram a doença, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos.

Veja dez 10 tendências de consumo na China pós pandemia que podem pegar pelo mundo, segundo a Inovasia.

1 – Mais lives, é claro…

As já populares lives ficaram ainda mais atrativas no mundo todo por motivos óbvios durante os meses de confinamento. Depois da reabertura, porém, esse interesse não recuou entre os chineses – nem entre o público e muito menos entre as marcas, que venderam como nunca no “comércio ao vivo”.

O segmento deverá movimentar US$ 135 bilhões em 2020 na China ante US$ 63 bilhões em 2019, segundo dado do instituto iiMedia Research trazido pelo estudo da Inovasia.

Para as três principais plataformas de transmissão ao vivo de e-commerce da China – o Taobao Live, do grupo Alibaba, o Tik Tok Douyin, da ByteDance e o Kuaishou, do grupo Kwai -, o setor deve crescer 10 vezes nos próximos 24 meses, levando a participação das vendas por livestreaming de 1% para 9% de 2019 para 2020.

Outro exemplo trazido pelo estudo é a rede de supermercados HeMa, que decidiu manter as transmissões diárias que começou a fazer durante a pandemia porque a audiência não caiu depois da reabertura. Além disso, as lives feitas com cozinheiros famosos que faziam pratos com ingredientes escolhidos, ao vivo, nas gôndolas do mercado, elevou as vendas da companhia em 12%.

É uma realidade que foi apressada pela pandemia e da qual as empresas não tem como fugir. Mais de 90% dos entrevistados pela pesquisa afirmaram pretender elevar seu investimento em influenciadores digitais. E 80% disseram que elevarão os gastos em sua infraestrutura de e-commerce.

2 – Pediu, chegou

Com uma das mais elevadas taxas de penetração do comércio online do mundo, a China já era reconhecida pelo hábito da população de fazer compras pela internet. Neste ano estima-se que 56 milhões de pessoas que não faziam parte desse grupo passaram a fazer. E com as maiores exigências: que o produto seja entregue em até uma hora.

Esses novos clientes, chamados na pesquisa de “late adopter” (aqueles que aderem a uma tendência tardiamente em comparação com o resto da população) é, em geral, formado por homens acima de 50 anos, com pouca intimidade com smartphones ou temor de sofrer golpes online, segundo dados da consultoria chinesa ChoZan.

Esse movimento levou a 78,8% a parcela da população que faz compras online regularmente (ao menos um pedido por trimestre) em março. Em dezembro do ano passado, esse número era 74,8%, de acordo com dados do Statista citados no estudo.

Essas pessoas gostaram da comodidade e não pretendem voltar às filas dos hipermercados, mesmo em um cenário de normalidade, destaca a Inovasia.

“O mesmo raciocínio de “late adopters” pode ser aplicado para “sellers” e “varejistas” como restaurantes e lojas tradicionais que, por questões culturais ou geracionais, não sentiam a necessidade de oferecerem seus produtos digitalmente. A pandemia, no entanto, forçou ambos os agentes a mudar de postura”, diz a consultoria.

Os setores mais beneficiados pelo ingresso de novos consumidores digitais foi o de farmácias e supermercados, serviços considerados essenciais e que estiveram operando mesmo durante a quarentena.

3- Sem encostar, por favor

Opções “contactless”,  que não envolvem contato físico, como pagamentos remotos e entregas sem encontro presencial, serão uma grande vantagem competitiva para empresas daqui para frente, conclui o estudo, devido ao interesse da população que permaneceu após o confinamento.

Esse movimento impulsionou, por exemplo, a demanda por eletrônicos, como óculos de realidade virtuais, que aumentam a imersão de participantes em reuniões de trabalho, e por aparelhos de academia, pelo interesse em se exercitar em casa.

Especialistas ouvidos pela Inovasia afirmam que são muitas marcas de produtos de beleza e maquiagem no país já trabalham para acelerar a transformação de seus produtos, inserindo itens que facilitem o não-contato e a proteção à saúde.

Outro setor que viu crescer sua procura mesmo após a reabertura do mercado foi o de educação a distância. Para 72% dos estudantes que fizeram, pela primeira vez, um curso via educação à distância durante a epidemia, a experiência foi descrita como “ótima” ou “boa”. Segundo análise do serviço de ensino chinês de idiomas VIP KIDS, mais da metade dos novos assinantes captados pela plataforma durante a pandemia optaram por continuar com as aulas online, mesmo após a reabertura dos cursos presenciais.

4 – Saudáveis e fitness

Os alimentos frescos foram o item mais demandado durante a pandemia e seguiram com maior relevância na alimentação dos chineses ante os congelados. A demanda por esses produtos dobrou em maio, ante abril do ano passado. Além disso, os consumidores estão mais exigentes na escolha dos alimentos.  A pesquisa mostra que 80% dos entrevistados disseram que prestam mais atenção à alimentação saudável e tomam cuidados maiores ao ler rótulos e descrições das embalagens.

A pesquisa cita uma análise da Nielsen que mostra que a compra de ingredientes para cozinhar em casa está muito mais rigorosa que no pré-pandemia. No estudo, 80% dos entrevistados disseram que prestam mais atenção à alimentação saudável e tomam cuidados maiores ao ler rótulos e descrições das embalagens.

Além da alimentação mais saudável e consciente, a prática de exercícios é outra prioridade dos chineses atualmente, mostra a Inovasia. Mas a maioria tem procurado fazer isso em casa e não nas academias.

Dados do e-commerce Pingduoduo, o terceiro maior da China, indicam que as vendas de produtos “fitness” em maio, já após o fim da quarentena, foram 35% maiores que no mesmo mês de 2019.

5 – Carros, sim, mas pequenos e elétricos

As vendas de automóveis, que caiu 89% na China durante a pandemia, foram retomadas com força após a quarentena e devem chegar ao mesmo patamar do pré crise em julho, diz a Inovasia.

O estudo remete o movimento, entre outras coisas, ao desejo de uma classe média ascendente no país de evitar o transporte público, onde o risco de transmissão de doenças aumenta.

Os modelos que ganham mais atenção entre os consumidores atualmente são os Low Speed Vehicles (veículos de baixa velocidade), que se movem a, no máximo, 40 km/h e são totalmente elétricos. A autonomia destes pequenos carros

varia entre 40 km e 90 km e seu tempo de carregamento gira entre duas e três horas. Para especialistas, é o carro do futuro.

6 – Xô, faxe news

A disseminação em massa de notícias falsas também é um problema na China, onde mais de 850 milhões de cidadãos usam, diariamente, serviços como WeChat e Alipay, e chegaram a prejudicar os esforços de combate à crise sanitária.

Isso fez aumentar a importância de fontes seguras de informação entre os chineses.

O estudo destaca o importante papel dos jovens junto às gerações mais velhas, no esclarecimento de notícias falsas sobre a covid-19 e na introdução de serviços digitais a essas gerações durante o confinamento.

7 – Preferência pelo comércio local

Durante os meses de confinamento, houve uma migração importante de consumidores de grandes supermercados e shoppings centers para pequenos comércios locais. O costume de manteve com a normalização do movimento.

Dados reunidos pela iiMedia Research mostram que 50,6% dos consumidores chineses mudaram a sua referência para artigos nacionais em detrimento de produtos importados após a pandemia no país.

Indicam ainda que mais de um terço dos chineses (38,6%) passaram a consumir marcas locais, de acordo com números de varejo das quatro maiores cidades do país, pela preferência a itens produzidos e vendidos por pequenos comerciantes. Antes, apenas 19% preferiam o comércio local, diz a pesquisa

8 – Nada de dinheiro em espécie

Não é difícil imaginar que que as empresas financeiras que oferecem formas de pagamentos sem contato vão encontrar um cenário mais amigável entre os potenciais consumidores no mundo pós pandemia, não é mesmo?

A China já ia nesse sentido antes da pandemia, sendo considerada por especialista como a primeira sociedade “sem dinheiro em espécie” do mundo, com 850 milhões de usuários ativos de mobile payment no país, segundo dados do banco central chinês.

Com a crise, a China decidiu dar um novo passo e anunciou a criação da primeira criptomoeda soberana, o Renminbi digital. A moeda digital com lastro na moeda oficial do país está em fase de testes em zonas rurais e para o pagamento de funcionários públicos. Sua utilização é possível por aproximação de celulares, mesmo que estes não estejam conectados à internet.

9 – Eles já não são os mesmos

Resistentes e conservadores, os “late adopters” foram praticamente obrigados a fazer compras pela internet durante o confinamento. Após o fim das restrições de circulação, no entanto, 85% deles passaram a considerar como adequadas ou muito boas suas experiências digitais e 73% dizem que vão continuar usando. Os motivos variam entre segurança pelo distanciamento, economia e comodidade.

A inovasia destaca que só a população de idosos da China é maior do que todos os habitantes do Brasil. São mais de 250 milhões de pessoas acima de 60 anos que, nas cidades, ganham US$ 5,8 mil por ano, em média, uma grande oportunidade para os canais online.

10 – Tudo certo, mas nada prometido

Por fim, a Inovasia mostra que, apesar de o consumo na China ter voltado rapidamente após o período de quarentena, impulsionado por meses de demanda reprimida, o futuro ainda é incerto. Sobretudo no que diz respeito à manutenção do emprego e da renda da população.

Num primeiro momento, a disposição para gastar foi grande. Um exemplo citado pela consultoria foi a reabertura, em abril, da loja Hermès, na cidade de Guangdong, que vendeu US$ 2,4 milhões em um dia, o melhor resultado da sua história.

Por outro lado, há uma parcela considerável da população que foi atingida mais duramente pela desaceleração econômica que fechou vagas e empresas, aumentando o grau de incerteza. Um exemplo são os financiamentos de imóveis, que registraram 60% de desistência durante a pandemia, diz o estudo.

O novo comportamento do consumidor já reflete maior cautela com a administração de sua renda, diz também a McKinsey em estudo citado pela Eurasia. A consultoria indica que, depois da pandemia, cerca de 41% dos entrevistados na China planejam aumentar suas fontes de renda através da gestão de riqueza, investimentos e compra de produtos financeiros. Além disso, cerca de 27% indicaram que vão comprar seguro de saúde para si e para sua família.

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Platão e a caverna-office: estamos em um filme?

por Evandro Milet – publicado em 11/7/2020 em A Gazeta

Em o mito da caverna, Platão narra diálogo onde Sócrates diz para Glauco imaginar prisioneiros acorrentados, desde a infância, em uma caverna, de costas para a entrada. Uma fogueira atrás projeta, na parede em frente a eles, as imagens de pessoas e coisas que passam do lado de fora. Com muito tempo ali, a realidade para eles são aquelas imagens e não mais o que acontece de verdade atrás deles. Quando um deles se liberta, tem dificuldade de entender o que se passa.

Nós vivemos hoje confinados na nossa caverna-office. Se a pandemia durar muito tempo, não lembraremos mais como são os colegas de trabalho, clientes, amigos e familiares. Todos se transformaram em imagens e sons do Zoom nas telas dos computadores do home-office, nas lives e nas reuniões virtuais da família e dos amigos. A realidade agora é digital e de vez em quando alguém fica com a imagem borrada ou com a voz deturpada pelas redes precárias que usamos, quando não desaparecem simplesmente com conexões perdidas, como se Platão tivesse apagado a fogueira.

Quando finalmente sairmos, poderemos ter a sensação de ter participado de um filme como Matrix ou Show de Truman onde a realidade foi comandada por Bill Gates, Sergey/Page ou o chinês do Zoom.

Mas essa realidade paralela não acontece só agora na caverna-office. O mundo das redes sociais criou universos paralelos ou bolhas daquelas projetadas para permitir vida em Marte. Cada grupo vive sua ideologia e sente em relação aos das outras bolhas um ódio platônico(para não trocar de filósofo), que pode chegar às vias de fato, se houver manifestações presenciais no mesmo local e hora.

As realidades distorcidas pela fogueira ideológica projetam sombras na forma de fake news, teorias conspiratórias, textos com autores improváveis, estatísticas tortas e discursos de ódio replicados sem o mínimo cuidado de verificar autenticidade.

O fato é que essa caverna-office obrigatória, com seu potencial de desestabilizar emocionalmente qualquer um, amplia a oportunidade de se dedicar às discussões das redes com mais rancor ideológico, entre cloroquinas e ivermectinas, isolamentos verticais ou horizontais, protocolos e aberturas, TVs contra ou a favor e globalismos e queimadas.

Nessa hora ficamos mais parecidos com nossos antepassados trogloditas em suas cavernas, muito antes de Platão.

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Como o Zoom no home-office altera a Lei de Parkinson

Preguiçosos e stakhanovites

Como o home-office afetou uma lei clássica sobre o trabalho

The Economist – 11 de julho de 2020

Nas leis do trabalho, uma que foi proposta por C. Northcote Parkinson, historiador naval, foi admiravelmente sucinta: “O trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para sua conclusão”. Seu artigo, publicado pela primeira vez no The Economist em 1955, resistiu ao teste do tempo, no sentido de que as pessoas ainda se referem à “lei de Parkinson”. Mas a experiência da vida profissional durante a pandemia sugere que poderíamos propor três corolários para o teorema.

No início de seu artigo, Parkinson citou o caso de uma senhora idosa que precisava de um dia para enviar um cartão postal para sua sobrinha. O processo envolveu o tempo gasto na busca de óculos, cartão postal e guarda-chuva, além de compor a mensagem. Os detalhes podem ser datados, mas a idéia ainda é poderosa – diante de uma tarefa, as pessoas procrastinam.

Quando se trata de trabalho de escritório, os incentivos para demorar são bastante claros. Concluída uma tarefa rapidamente, o funcionário receberá outra. Essa segunda tarefa pode ser ainda mais desagradável que a primeira. Os trabalhadores podem acabar como um hamster em uma esteira, presos em um ciclo interminável de esforço desnecessário.

Os funcionários de escritório sabem, no entanto, que o trabalho em si não é a única coisa. É importante ser visto trabalhando. Isso leva ao “presenteísmo” – ficar em sua mesa por tempo suficiente para impressionar o chefe (e até aparecer quando estiver doente). Na era pré-internet, isso envolveria uma reformulação interminável de memorandos, longas ligações telefônicas ou uma observação minuciosa dos documentos. Graças ao trabalho pioneiro de Tim Berners-Lee, o presenteísmo agora exige menos esforço: muitas horas podem ser desperdiçadas na rede mundial de computadores.

Ao trabalhar em casa, o chefe está fora da visão, mas não da mente. De um modo geral, o resultado é dividir os trabalhadores em dois grupos. O primeiro grupo, dos preguiçosos, passam o home-office trabalhando com o nível mínimo de esforço com o qual podem se safar. Eles não precisam enrolar cada tarefa; eles fazem o que é necessário e passam o resto do dia livre, enviando o trabalho imediatamente antes do prazo. Para esse grupo, a lei de Parkinson pode ser alterada da seguinte maneira: “Para os despreocupados, quando não observados, o trabalho diminui para preencher o tempo necessário”.

O segundo grupo adota a abordagem oposta. Consumidos pela culpa, pela ansiedade em relação à segurança ou ambição no trabalho, eles trabalham ainda mais do que antes. Estando em casa, eles não encontram uma demarcação clara entre tempo de trabalho e lazer. Este grupo é o Stakhanovites (nome de um mineiro heroicamente produtivo na União Soviética). Eles exigem sua própria emenda: “Para os trabalhadores ansiosos em casa, o trabalho se expande para preencher todas as horas acordados”.

Mas Parkinson estava elaborando um argumento muito mais amplo do que a tendência das pessoas a serem relaxadas. A maior parte do seu artigo estava preocupado com o crescimento da burocracia no governo. Ele alertou que a contratação de mais funcionários públicos não levou necessariamente a um trabalho mais eficaz.

Essa tendência resultou de dois fatores. Primeiro, as autoridades querem multiplicar subordinados, não rivais. Segundo, os funcionários tendem a trabalhar um para o outro. Qualquer funcionário que se sentir sobrecarregado solicitará dois subordinados (pedir apenas um criaria um rival). O funcionário sênior passará muito tempo verificando o trabalho de seus subordinados.

Como esse processo se aplica no home office? Como sua equipe, os gerentes também querem parecer úteis. No escritório, eles podem parecer ocupados andando e conversando com suas equipes. Em casa, isso é mais difícil; uma ligação é mais intrusiva do que uma conversa casual. A resposta é organizar mais reuniões do Zoom.

A revista ouviu de vários contatos nas últimas semanas que eles passam o dia pulando de uma reunião do Zoom para outra. Assim, como Parkinson sugeriu, os gerentes estão fazendo mais trabalho um para o outro. Daí a terceira emenda à lei: “No home-office, o Zoom se expande para preencher todo o tempo disponível do gerente”.

Na medida em que essas reuniões forem opcionais, isso cria outra divisão entre preguiçosos e stakhanovites. O primeiro grupo evitará essas reuniões e o segundo se inscreverá em todas elas. Além disso, antes do home-office, os funcionários podiam ganhar pontos comparecendo a essas reuniões, desde que atraíssem a atenção do chefe. A mera participação é insuficiente para uma reunião do Zoom; é preciso ser visto e ouvido. Por sua vez, isso prolonga as reuniões do Zoom, gastando ainda mais o tempo dos gerentes e seus subordinados stakhanovites (muitos preguiçosos ainda precisam aprender a usar o botão “levantar a mão”). É uma versão digital do trabalho burocrático descrito por Parkinson 65 anos atrás.

https://www.economist.com/business/2020/07/11/slackers-and-stakhanovites

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