‘Social commerce’: influenciadores faturam alto e abrem nova era no varejo on-line

Avanços na tecnologia permitem que seguidores efetuem compras diretamente em lojas e perfis de blogueiros nas redes sociais

Por João Sorima Neto – O Globo – 28/05/2023 

O influenciador Sausampaio tem quase 6 milhões de seguidores, principalmente no TikTok e no YouTube, onde mostra produtos com cupons

O influenciador Sausampaio tem quase 6 milhões de seguidores, principalmente no TikTok e no YouTube, onde mostra produtos com cupons Edilson Dantas

Um mês depois do nascimento de sua filha, Lua, os ex-BBBs Viih Tube e Eliezer — que se tornaram influenciadores digitais com milhões de seguidores após o reality —, aproveitaram o último Dia das Mães para lançar uma marca de brinquedos e acessórios infantis. O casal apresentou itens como chocalhos, mordedores e “naninhas” em seus perfis nas redes sociais, principalmente o Instagram, que somam mais de 32 milhões de seguidores. Em 24 horas, foram cerca de 30 mil pedidos e um faturamento de ao menos R$ 2 milhões em um só dia.

Acredite, a cifra não surpreende no mundo do marketing digital. Influencers estão evoluindo de meros garotos-propaganda para vendedores diretos de produtos, muitas vezes com suas marcas próprias, e faturando alto com avanços na tecnologia que permitem que seus seguidores efetuem compras diretamente em suas lojas personalizadas e perfis nas redes sociais. É o chamado social commerce.

Trata-se de um filão que cresce rápido na esteira do carisma das celebridades da internet, abrindo uma nova era no comércio eletrônico. Nesse ecossistema, há espaço tanto para os superinfluencers quanto para os nanoinfluenciadores, gente comum que não fala para milhões, mas é capaz de convencer muita gente em nichos de mercado pela internet. Grandes plataformas de e-commerce estão em busca desse tipo de vendedor digital.

Na China, as vendas em transmissões ao vivo de influenciadores nas redes sociais já representam 25% do comércio eletrônico do país. Um relatório do banco Goldman Sachs estima que a chamada economia da influência deverá dobrar de tamanho até 2027. Os recursos movimentados passarão dos atuais US$ 250 bilhões para US$ 480 bilhões, globalmente, em quatro anos.

O Brasil, cuja população é uma das mais aderentes às redes sociais, é uma das principais frentes dessa expansão, mas ainda não há dados precisos sobre quanto o social commerce já movimenta por aqui. Mas uma live feita em abril pela influenciadora Virginia Fonseca mostrou a força dessa tendência no país. Depois de uma transmissão de 13 horas nas redes sociais, ela vendeu nada menos de R$ 22 milhões em produtos de sua marca de beleza e fez questão de exibir um recibo do total de vendas nas redes. O número parece fora da realidade, mas especialistas no ramo dizem que não.

No Brasil, influenciadores encontram grande mercado para produtos recomendados — Foto: Infografia

— O potencial do Brasil é enorme, e o país poderá movimentar algo como R$ 75 bilhões com essas vendas por ano até 2028, especialmente quando os consumidores puderem fechar a compra na própria plataforma, como acontece na China — estima In Hsieh, da Chinnovation, uma aceleradora de negócios digitais entre Brasil e China, lembrando que, no país asiático, há até cursos para formar influencers com foco em vendas, conhecidos pela sigla KOL, do inglês key opinion leader (“líder de opinião-chave”).

No Brasil, as vendas dos influencers ainda não podem ser fechadas diretamente em seus perfis nas principais redes, mas isso já é possível em EUA, Reino Unido, China e alguns países do Sudeste Asiático. Essa evolução poderá aumentar ainda mais os negócios por aqui, onde os influenciadores operam links para lojas virtuais patrocinadas e cupons.

O influenciador Sausampaio — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Uma das vantagens do social commerce é a possibilidade de interação entre influenciador e cliente em chats, uma diferença em relação ao modelo de vendas na TV, no qual o apresentador só mostra itens, não conversa. Hsieh diz que, para converter vendas, as lives têm de oferecer entretenimento, conteúdo (instruções de uso e qualidades do produto) e algum benefício, como desconto ou frete grátis:

— Os consumidores confiam nas redes e no influenciador, principalmente se ele se posiciona como um curador e não representante das marcas.

Pequenos importam

Micro e nanoinfluenciadores acabam escalando essa tendência. É o caso de Gisele Fernandes, a Gisa, influenciadora da papelaria on-line Cícero, do Rio. Ela também é vendedora da grife Farm, e faz renda extra no social commerce. Começou a postar fotos e vídeos na pandemia pelo Instagram (onde hoje tem quase 13 mil seguidores), e o interesse pelas cadernetas e agendas surgiu. Quando um consumidor é “influenciado” por seus posts, coloca o código de identificação dela ao fechar uma compra pelo link do e-commerce que ela indica, que dá vantagens como frete grátis ou descontos. Na outra ponta, Gisa recebe comissões.

— Procuro explicar cada produto e faço postagens constantes. Num mês bom, consigo tirar até R$ 3,5 mil — conta.

Gisa vende itens de papelaria nas redes: nichos atraem marcas — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Um levantamento da Meta (dona de Facebook e Instagram) mostra que o Brasil tem cerca de 20 milhões de pessoas que produzem algum tipo de conteúdo digital. As redes mais focadas no social commerce são as chinesas, que já oferecem ferramentas de vendas por aqui e buscam dados sobre os hábitos dos brasileiros.

O Kwai diz que oferece o serviço de live commerce no Brasil desde 2021 e que vê a modalidade como a mais nova tendência global. Cerca de 85% dos usuários do TikTok no Brasil dizem confiar no que veem nos vídeos da rede, segundo pesquisa citada por Daniela Okuma, diretora-geral de Negócios da plataforma no país:

— O elemento de autenticidade gera engajamento e acaba desencadeando a compra.

Marca própria

Pesquisa da Accenture com dez mil internautas no mundo aponta que 59% estão mais propensos a comprar de marcas menores nas redes. A consultoria prevê que o social commerce movimentará US$ 1,2 trilhão por ano até 2025.

Nos EUA, a Amazon lançou, no fim de 2022, um aplicativo batizado de “Inspire” com recursos iguais aos do TikTok, como recursos para vídeos curtos e fotos personalizadas que podem ser usadas em lives de vendas, mas ainda não há data para a chegada ao Brasil. O Google lançou, no início do mês, a aba “Perspectives”. Quando um usuário faz uma pesquisa sobre temas como compras, viagens ou dicas de como fazer algo, o buscador oferece entre as respostas links com vídeos de influencers testando produtos no YouTube.

A Mynd, que agencia mais de 400 influencers no Brasil, abriu recentemente uma unidade só para cuidar do licenciamento de marcas de seus contratados. Entre eles está Mari Maria, que começou gravando tutoriais de maquiagem no YouTube e logo chegou a outras plataformas. Com o interesse pelos itens que mostrava, ela decidiu criar um pincel de maquiagem com sua própria marca. Atualmente, tem uma linha inteira de cosméticos, a Mari Maria Makeup, é embaixadora da marca de produtos para cabelo Hair Care OX e ainda apresenta de sabão em pó a biscoito.

Mari Maria, fenômeno entre os perfis voltados para beleza nas redes, vende sua própria marca de cosméticos — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

— Atualmente, minhas redes sociais somam mais de 30 milhões de seguidores. E temos também o Instagram da marca Mari Maria, com mais de 2 milhões de interessados — diz a influencer, que tem equipe para edição de vídeos e vê a venda nas redes crescendo. — Nossos pedidos mensais triplicaram no último ano.

Saulo Sampaio, ou Sausampaio, como se identifica nas redes, trabalhava com marketing para empresas de tecnologia em 2020, quando começou a postar no TikTok. Ele já recebia muitos vídeos pelo WhatsApp e resolveu se dedicar a conteúdo para redes. Hoje, tem quase 6 milhões de seguidores, principalmente no TikTok e no YouTube, onde faz de 12 a 25 vídeos por mês.

Com faturamento mensal de R$ 75 mil, tem cinco funcionários. Seu foco agora é crescer no Instagram, onde tem “apenas” 200 mil. Ele tem sido tão procurado por marcas para vendas com cupons e lives, de banco a fabricante de biscoito, que já pensa em vender produtos com sua própria marca em áreas como alimentos e bebidas, seus principais focos, mas também roupas e óculos.

— Vejo esse segmento se profissionalizar e muitos criadores buscando produtos próprios, mas que façam sentido para seu público — observa.

Suporte técnico

No suporte tecnológico às parcerias entre marcas e influenciadores, pequenas empresas brasileiras começam a crescer. É o caso da 4Show, que surgiu para ajudar a indústria de calçados do Rio Grande do Sul em meio ao fechamento do comércio no início da pandemia, em 2020. Os fabricantes movimentaram R$ 20 milhões nas primeiras lives, e Rogério Correa, fundador e dono de uma empresa de softwares, viu no ramo uma oportunidade. Investiu R$ 2,5 milhões na 4Show, que dá suporte e consultoria a empresas interessadas em lives com influencers.

— Ainda vejo por aqui muitas empresas querendo superprodução, mas, nesse segmento, as lives são simples e podem ser feitas por pequenos influenciadores, que não têm milhões de seguidores — diz.

A Moneri, outra plataforma de gestão de social commerce, surgiu operando cashback. A pandemia a levou ao varejo nas redes. Em dois anos, já transacionou R$ 50 milhões em vendas promovidas por mais de 50 mil influenciadores e cem varejistas cadastrados. Para alguns deles, a Moneri representa em torno de 30% de suas vendas digitais.

— É um caminho irreversível, inclusive para os varejistas. Queremos crescer até cinco vezes em 2023, escalando o mercado — diz Paulo Stohler, CEO da Moneri, observando que influência vende de itens de beleza a imóveis na planta.

Para Raphael Avellar, fundador da plataforma BrandLovrs, que já levantou R$ 10 milhões em investimentos, o social commerce está mudando o relacionamento entre marcas e consumidores e como as pessoas podem ganhar dinheiro:

— Todos vão monetizar influência na internet. O que foi para poucos na última década será democratizado.

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/05/social-commerce-influenciadores-faturam-alto-e-abrem-nova-era-no-varejo-on-line.ghtml

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Entenda como a computação quântica pode destruir a internet

Próxima geração de computadores abrirá um mundo de possibilidades, o que inclui riscos para a segurança online

Sam Learner/John Thornhill/Irene de la Torre – Folha/Financial Times 26/5/2023 

É o chamado Dia Q —o dia em que um computador quântico robusto, como este, será capaz de decifrar o método criptográfico mais comum utilizado para proteger os nossos dados digitais.

O Dia Q terá implicações enormes para todas as empresas de internet, bancos e governos —bem como para a nossa privacidade pessoal.

E sabemos que isso um dia vai acontecer. A única questão é descobrir quando.

Instalação interativa Quantum Garden (2018), de Robin Baumgarten, que simula uma partícula quântica quando você toca em qualquer uma das 228 nascentes da obra – Divulgação

Por enquanto, os computadores quânticos, que exploram a fantasmagórica física das partículas subatômicas, continuam a ser instáveis demais para realizar operações sofisticadas por muito tempo. O computador Osprey da IBM, supostamente o computador quântico mais potente desenvolvido até hoje, tem apenas 433 qubits (ou bits quânticos), quando a maioria dos cientistas da computação considera que 1 milhão de qubits seriam necessários para concretizar o potencial da tecnologia. Talvez ainda estejamos a uma década de distância disso.

Mas em 1994 o matemático americano Peter Shor escreveu um algoritmo que, teoricamente, poderia ser executado em um computador quântico potente para decifrar o protocolo criptográfico RSA, o mais utilizado para proteger transações online. O algoritmo RSA explora o fato de que, embora seja muito fácil multiplicar dois números primos grandes, ninguém descobriu até agora uma forma eficiente de um computador clássico efetuar o cálculo inverso. Shor mostrou de que maneira um computador quântico poderia fazê-lo com relativa facilidade. Um artigo de pesquisa recente publicado na China explorou a possibilidade de uma abordagem híbrida entre a computação clássica e a quântica capaz de adiantar a chegada do Dia Q.

Empolgadas com as possibilidades de construir o primeiro computador quântico robusto e aterrorizadas com a perspectiva de ficarem em segundo lugar, as principais potências mundiais agora estão envolvidas em uma corrida para desenvolver a tecnologia.

Os computadores quânticos não só podem ser utilizados para decifrar os métodos de criptografia existentes, como também poderão ser usados para proteger as comunicações em um mundo quântico —e governos, empresas e o setor de capital para empreendimentos vêm investindo fortemente com o objetivo de comercializar a tecnologia.

Mas como é que a computação quântica funciona, na verdade?

Para compreender a resposta, primeiro é necessário compreender o funcionamento de um computador clássico.

A unidade básica da computação clássica é um bit, que pode estar em um de dois estados binários: desligado ou ligado, frequentemente descritos como 0 ou 1.


Uma sequência de oito bits é conhecida como um “byte”, que pode armazenar muito mais dados do que um bit.


Embora cada bit individual contenha apenas dois valores, um byte completo contém 256 combinações únicas.


São combinações suficientes para codificar todos os caracteres do alfabeto latino, utilizando um sistema chamado ASCII.


Uma codificação mais moderna, chamada “Unicode”, utiliza grupos de até quatro bytes —o suficiente para cobrir tudo, de emojis a caracteres do idioma tâmil e de muitos outros idiomas baseados em caracteres, com apenas uma fracção das suas mais de 1 milhão de combinações utilizáveis.


Mas basta um bit ⬤ não confiável para alterar completamente o valor de uma letra, senha ou cálculo.

Para que os complexos sistemas de computação construídos com base nesses bits funcionem, a confiabilidade tem prioridade sobre todo o resto.


Também podemos utilizar bits para resolver problemas tangíveis.

Por exemplo, imagine um labirinto em que o objetivo é chegar ao centro ⬤ usando o caminho mais curto possível.


Usando um computador clássico, cada interseção ao longo do caminho se torna uma decisão binária correspondente a um bit, com 1 e 0 a representar viradas em direções opostas.


Dessa forma, podemos pensar em cada combinação de bits como um conjunto de direções para cruzar o labirinto.

Inverta um bit para mudar a direção.


Alguns desses caminhos vão se sobrepor e outros podem conduzir a becos sem saída, mas ao trabalharmos em cada combinação de viradas temos a capacidade de por fim encontrar o caminho mais curto até o centro.


No entanto, há uma característica fundamental de um problema como esse: para termos certeza quanto a uma resposta, é preciso analisar cada combinação possível de viradas, e só podemos verificar uma delas de cada vez (lembre-se de que os oito bits têm 256 combinações).


E embora encontrar o caminho por um labirinto simples possa não levar muito tempo nos computadores modernos, imagine se o nosso labirinto fosse muito maior, com cada virada duplicando o número de combinações.


E já que quase sempre será mais simples acrescentar viradas adicionais a um labirinto, ou dígitos a um número, do que construir um computador mais potente, se quisermos conceber um problema para desacelerar ou “travar” um computador, isso normalmente será possível.


Esse é o tipo de quebra-cabeça que as máquinas quânticas poderiam resolver de uma forma radicalmente mais eficaz.

Em relação aos computadores clássicos, são excelentes para problemas em que é difícil encontrar todas as respostas potenciais (todos os 256 percursos e as viradas do labirinto), mas é fácil verificar se estão corretos (comparando os comprimentos de todos esses percursos).


Em um computador quântico, nossos bits são substituídos por bits quânticos, ou qubits. Estes existem naquilo que chamamos de um estado quântico, no qual, até serem medidos, podem ser considerados simultaneamente como “ligados” e “desligados”.


Se os nossos bits fossem moedas, pense nos qubits como aquelas mesmas moedas, mas no ar, depois de lançadas em um cara ou coroa. Em determinado momento, elas cairão com um dos lados para cima, mas enquanto estão no ar têm alguma probabilidade de ser uma ou outra coisa. Na computação quântica, esse estado em que “a moeda está no ar” é conhecido como “sobreposição”.


Enquanto cada qubit se encontra neste estado, o computador quântico pode ser considerado como percorrendo cada percurso do labirinto simultaneamente, em vez de um caminho de cada vez.


Assim que os qubits são medidos, teremos estabelecido um percurso, mas a probabilidade de que seja o correto não é maior do que a de um percurso escolhido ao acaso.


No entanto, enquanto o computador está no estado quântico, os qubits podem ser dispostos de forma a maximizar a possibilidade de encontrar a resposta correta. A matemática que embasa essas disposições é conhecida como “algoritmos quânticos” e é a magia complicada que está no cerne da computação quântica.


A tarefa normalmente demorada de encontrar todos os percursos possíveis deixa de sê-lo, em uma máquina quântica —e, tendo em conta todos os percursos, verificar qual é o mais curto é relativamente fácil, com o algoritmo certo.


Depois de termos empurrado a máquina na direção da resposta correta, podemos agora obter o caminho mais rápido para o centro do labirinto quando por fim medirmos o estado da máquina.




Pelo menos, é assim que deveria funcionar

Na realidade, há uma série de questões que separam os computadores quânticos atuais das futuras versões que poderão resolver de forma confiável os problemas com que os computadores clássicos têm dificuldades.

O maior desafio é manter os qubits em uma posição estável por tempo suficiente para que possam ser utilizados. Os qubits são constituídos por partículas subatômicas notoriamente frágeis em estados quânticos delicados que podem ser facilmente perturbados.

Qualquer interação com o ambiente circundante —pequenas quantidades de calor, sinais eletrônicos, campos magnéticos e até raios cósmicos— pode afetar o estado dos qubits.

Timothy Spiller, diretor do Centro de Comunicações Quânticas no Conselho de Pesquisa de Engenharia e Ciências Físicas, explica que esse “ruído externo” oculta o que se passa na máquina quântica e torna extremamente difícil medir a resposta correta. “Se tivermos um sinal e o ruído se tornar comparável a ele, simplesmente perdemos o sinal. Ele termina por submergir no ruído de fundo. E isso se aplica ao caso quântico… perde-se o refinamento”.

É necessária alguma interação com o ambiente, já que precisamos medir os qubits para obter uma resposta. Mas esse envolvimento externo cria problemas de confiabilidade. É por isso que a maior parte dos protótipos de computadores quânticos funciona em uma câmara criogênica, pouco acima do zero absoluto de temperatura. Resfriada a menos 273 graus Celsius, a câmara é mais fria do que o espaço sideral.

Esta perda de coerência quântica, conhecida como “decoerência”, tem sido comparada à dificuldade de controlar uma longa fila de gatinhos distraídos e impedi-los de se dispersar em todas as direções.


E lembre-se, basta um pequeno problema de confiabilidade para alterar totalmente o valor de um byte completo ou introduzir erros em um sistema.


O ruído do ambiente circundante limita severamente o tempo que os computadores quânticos podem permanecer em estado quântico. E esse período —frequentemente medido em microssegundos— pode não ser suficientemente longo para executar um algoritmo quântico.


É por isso que essas máquinas barulhentas e extremamente sofisticadas —do tamanho de um barril de petróleo— são necessárias para alojar apenas algumas centenas de qubits.


Apesar de o processador em si ser apenas uma pequena parte da máquina.


A grande maioria da máquina é dedicada a manter os qubits tão isolados quanto possível, para manter um estado quântico durante o maior tempo possível e minimizar os erros.

Mesmo as tecnologias quânticas rudimentares de que dispomos atualmente podem ajudar as empresas a otimizar suas operações logísticas ou permitir que médicos monitorem a atividade cerebral de crianças doentes, como acontece no porto de Los Angeles e em um hospital de Toronto, respectivamente.

Mas um mundo totalmente novo de possibilidades vai se abrir se os pesquisadores conseguirem desenvolver computadores quânticos robustos e livres de erros.

A corrida ao desenvolvimento desta tecnologia é motivada tanto pela perspectiva de ganhos comerciais quanto pela rivalidade geopolítica entre as grandes potências. Diversas das maiores empresas de tecnologia do planeta, entre as quais Google, IBM, Microsoft e Honeywell, vêm investindo fortemente na computação quântica, e o mesmo vale para um pequeno exército de startups.

Apesar da recessão geral do setor tecnológico, os investidores despejaram um montante recorde de US$ 2,35 bilhões em empresas iniciantes de computação quântica, no ano passado, de acordo com dados compilados pela consultoria de gestão McKinsey. Grande parte da atenção dos investidores se concentrou na computação, comunicações e sensoriamento quântico.

Muitos governos consideram a tecnologia quântica um imperativo estratégico e estão aumentando seus gastos com pesquisa e desenvolvimento. No ano passado, os Estados Unidos destinaram US$ 1,8 bilhão adicional a isso e a União Europeia prometeu novas verbas em valor de US$ 1,2 bilhão. Em março, o Reino Unido lançou um programa de dez anos para investir 2,5 bilhões de libras. Mas esses esforços são ofuscados pela China, que anunciou investimentos totais de US$ 15,3 bilhões até o momento.

A primeira empresa que conseguir desenvolver um computador quântico confiável poderá gerar bilhões de receitas. A McKinsey estima que as quatro indústrias mais afetadas pelo desenvolvimento da computação quântica —automobilística, química, serviços financeiros e ciências biológicas— poderão ganhar US$ 1,3 trilhão em valor até 2035.

A tecnologia quântica poderá nos ajudar a inventar novos materiais e medicamentos, a desenvolver estratégias de negociação financeira mais inteligentes e a criar novos métodos de comunicação seguros. “A perspectiva da computação quântica abre áreas tecnológicas totalmente novas”, afirma David Cowan, sócio da Bessemer Venture Partners, uma empresa de capital para empreendimentos sediada em São Francisco. “Podemos desbloquear soluções que, no passado, nem sequer poderíamos sonhar em conseguir”.

Além de serem atraídos pelas possibilidades econômicas, os governos estão preocupados com as implicações de segurança do desenvolvimento dos computadores quânticos. Hoje, o método mais comum utilizado para proteger todos os nossos dados digitais se baseia no algoritmo RSA, que é vulnerável a ser decifrado por uma máquina quântica.

O método de criptografia RSA se baseia na imensa dificuldade de fatorizar o produto de dois números primos grandes.


Imagine que lhe sejam dados dois baldes de tinta, um com um tom de ⬤ vermelho e o outro com um tom de ⬤ azul.


Se alguém perguntasse qual a tonalidade exata de ⬤ púrpura que as tintas produziriam quando misturadas uniformemente, talvez não fosse muito difícil descobrir a resposta.


Mas e se começássemos pelo púrpura e nos pedissem para descobrir os tons exatos de vermelho e azul que foram utilizados para criá-lo? Muito mais difícil.

Esse tipo de problema é conhecido como uma “função alçapão” —fácil de calcular em uma direção, mas muito difícil de calcular no sentido inverso.


Agora imagine que, em vez de cores de tinta, estivéssemos trabalhando com números primos muito grandes —muito maiores, e causadores de dores de cabeça muito mais fortes, do que os usados aqui. É fácil multiplicar dois números…


….mas descobrir os números originais com base apenas no resultado da multiplicação é muito difícil de fazer, mesmo para computadores poderosos. Essa complicada operação reversa é conhecida como fatorização de números primos e embasa um sistema de criptografia, chamado RSA, usado amplamente na internet.

Em 1991, a RSA Laboratories, uma empresa de segurança cujos fundadores criaram esse método criptográfico amplamente utilizado, ofereceu recompensas em dinheiro a quem conseguisse fatorizar eficientemente números semiprimos muito grandes, o que significa números que têm exatamente dois fatores primos.

O menor deles era mais ou menos assim.

Este número ⬤, chamado RSA-100 pelos seus cem dígitos decimais, foi fatorado em poucos dias em 1991.

Outros, com até 250 dígitos, foram calculados nos anos seguintes, mas mais de metade dos números propostos para o desafio nunca foram resolvidos.

Tal como o nosso labirinto, esse é um problema que se torna mais difícil para os ⬤ computadores tradicionais à medida que o número de viradas (ou dígitos, neste caso) aumenta.

Mas, também como acontece em nosso labirinto, com o algoritmo quântico correto pouco importa se adicionarmos mais viradas ou mais dígitos. E quanto ao problema da fatorização de números primos, é aí que entra o algoritmo de ⬤ Shor.


Shor afirma que os computadores quânticos “de brinquedo” que temos hoje não são suficientemente confiáveis para executar o seu algoritmo. Serão necessários vários avanços conceituais e um enorme esforço de engenharia antes de podermos ampliar a escala dos computadores quânticos até o milhão de qubits necessários.

Qual é o melhor palpite dele sobre quando isso poderia acontecer? “Eu calcularia que dentro de 20 e 40 anos”, diz. Mas o matemático não exclui a possibilidade de os desafios de física se revelarem difíceis demais e de nunca conseguirmos construir computadores quânticos viáveis. Shor, que trabalhou como professor de matemática no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) durante 20 anos, também publicou poesia sobre computação quântica.

“Os melhores computadores quânticos atuais, produzidos em países como a China e pelo Google, são capazes de realizar cerca de cem operações antes de falharem”, explica Steve Brierley, fundador e presidente-executivo da Riverlane —uma empresa que desenvolve sistemas operacionais para computadores quânticos. “Para implementar o algoritmo de Shor, seria necessário algo como 1 trilhão de operações quânticas antes de falhar.”

Os processadores quânticos vêm crescendo em ritmo exponencial, mas ainda estão longe da escala necessária para executar o algoritmo de Shor.

Mas os pesquisadores estão empregando todo tipo de técnicas engenhosas para superar esses desafios. “As descobertas científicas nem sempre acontecem em um tempo previsível. Mas estamos pensando em anos, e não décadas, para esse nível de inovação”, diz Julie Love, líder de produto para a computação quântica na Microsoft.

Há diversos anos o governo dos EUA está preparando planos para um mundo quântico e vem organizando concursos para encontrar os protocolos de comunicação mais seguros para o futuro e evitar a ameaça do Dia Q. O Instituto Nacional de Normas e Tecnologia dos Estados Unidos está aprovando novos sistemas de criptografia —baseados em outros problemas que não a fatorização— seguros tanto para os computadores quânticos quanto para os clássicos. “É realmente uma corrida entre os computadores quânticos e a solução —que envolve deixar de usar o RSA”, diz Brierley.

Mas sejam quais forem os novos protocolos de segurança enfim aprovados, serão necessários anos para que os governos, os bancos e as empresas de internet os implementem. É por isso que muitos especialistas em segurança defendem que todas as empresas que tenham dados sensíveis precisam se preparar já para o Dia Q.

No entanto, os obstáculos ao desenvolvimento de computadores quânticos de 1 milhão de qubits continuam a ser assustadores, e alguns investidores do setor privado preveem um “inverno quântico”, à medida que perdem a fé na rapidez com que uma vantagem quântica possa ser obtida.

Mesmo que o investimento do setor privado caia, a escalada da rivalidade geopolítica entre os Estados Unidos e a China dará um impulso adicional ao desenvolvimento do primeiro computador quântico robusto do planeta. Nem Washington nem Pequim querem ficar em segundo lugar nessa corrida.

Tradução de Paulo Migliacci

https://www1.folha.uol.com.br/tec/2023/05/entenda-como-a-computacao-quantica-pode-destruir-a-internet.shtml

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Por que o carro custa tão caro no Brasil?

A tentativa do governo de trazer de volta o ‘carro popular’ reacende um velho debate: Por que o carro custa tão caro no Brasil? Afinal, quem é o vilão?

Por Daniel Cristóvão, Valor 27/05/2023


A tentativa do governo de trazer de volta o “carro popular” com os incentivos fiscais prometidos na última quinta-feira (25) para carros de até R$ 120 mil reacende um velho debate: Por que o carro custa tão caro no Brasil? Afinal, quem é o vilão?

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Veja o preço do seguro dos carros mais vendidos

Um levantamento realizado pela consultoria automotiva Jato Dynamics mostra que o preço médio dos carros médios vendidos no Brasil em abril de 2023 foi de R$ 140,3 mil, mais que o dobro de 2017, seis anos atrás, quando o tíquete médio dos automóveis comercializados foi de R$ 70,8 mil.

No mesmo estudo, a Jato Dynamics revela que o brasileiro que ganha um salário mínimo – que hoje é de R$ 1.320 – precisa trabalhar 4 anos e 5 meses (53 meses sem gastar um centavo do salário) para comprar o carro mais barato vendido por aqui, o Renault Kiwd ou o Fiat Mobi – que custam a partir de R$ 68.990.

Em 2017, por exemplo, o carro mais barato no Brasil era o Chery QQ, que custava R$ 26.690 ou 28 salários mínimos da época (R$ 954) contra os 53 necessários de hoje. E aqui temos a primeira razão: a perda do poder de compra.

Impostos e ‘custo Brasil’

Se perguntar para qualquer brasileiro que sonha em comprar um carro zero qual a principal razão de um carro ser tão caro ele deverá responder: a carga tributária!

E não está errado. Os impostos representam de 30% a 50% do valor de um carro novo. Se o veículo for importado, pior. Neste caso, o valor dos tributos pode ultrapassar os 60% do valor final. Tanto que o governo anunciou que pretende fazer uma desoneração (que ainda não é oficial) para baixar o preço dos carros produzidos no país que custam até R$ 120 mil.

Ainda não é oficial pois carece da avaliação do Ministério da Economia – falta calcular quanto o governo vai perder de arrecadação com as medidas e definir o prazo para a renúncia fiscal valer – e da edição de uma Medida Provisória que regulamente estes descontos nos tributos e que deve ser publicada até o começo de junho.

Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics do Brasil bota na conta do carro caro por aqui também o chamado “custo Brasil”, que vai além dos impostos. Além dos tributos, a infraestrutura e a logística, por exemplo. “O custo para produzir um carro aqui é maior em relação a outros mercados“.

“O Brasil é um país de dimensões continentais e o transporte de mercadorias é feito majoritariamente por estradas e o custo deste transporte (frete) ajuda a encarecer o produto. Combustíveis caros, estradas ruins… e tem ainda os encargos trabalhistas que não existem em outros países, por exemplo.”

Como base de comparação vamos usar três carros vendidos no México e no Brasil, o Renault Kwid, o Volkswagen Nivus e o Toyota Corola Cross. Nos três casos, a diferença de preços do carro no Brasil e no México é grande. No Brasil, os três modelos custam entre 27% e 59% a mais do que no México. Veja o quadro abaixo.

Comparação de preços entre carros vendidos no Brasil e no México

VeículoPreço no BrasilPreço no México (pesos mexicanos)Preço no México (em reais*)Diferença (em reais)% mais caro no Brasil
Renault Kwid68.990,00230.100,0046.130,7122.859,2950%
Volkswagen Nivus127.390,00499.990,00100.238,5727.151,4327%
Toyota Corolla Cross159.890,00500.900,00100.421,0159.468,9959%
*câmbio de: 4,988

Fonte: Jato Dynamics

No México é cobrado um imposto único, o IVA, cuja alíquota é de 16%. No Brasil, os impostos que estão na conta de um carro zero são: IPI, ICMS e PIS/Cofins.

E depois que compra o veículo, o dono ainda precisa arcar com o IPVA, que é anual e pode variar de 2% a 4% do valor do veículo dependendo do Estado.

Inflação oficial + crise de semicondutores = Inflação do automóvel

A segunda é a velha conhecida inflação. De 2017 para cá, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) – inflação oficial do País medida pelo IBGEacumula alta de 39,25% (de janeiro de 2017 a abril de 2023). Mas essa é a inflação geral, que procura medir uma cesta de compras do brasileiro. A “inflação dos carros” foi muito maior.

Como a base de comparação é o ano de 2017, vamos usar o preço do Renault Kwid que naquele ano custava R$ 29.990. Hoje, o carro mais barato do país ao lado do Fiat Mobi, o Kwid custa R$ 68.990 na sua versão Zen. Um aumento de 137% no valor, contra os 39,25% de inflação no mesmo período.

Se fosse corrigido somente pela inflação oficial, o preço do carro de entrada da Renault deveria ser de R$ 41.579 e não os quase R$ 70 mil que custa atualmente. Ou seja, há uma diferença considerável entre o valor corrigido pela inflação e o valor cobrado atualmente: R$ 27.410.

O estudo da Jato comprova que o preço de venda dos veículos no Brasil cresceu muito acima da inflação oficial. O valor médio de um carro zero era de R$ 70,8 mil em 2017 e pulou para R$ 140,3 mil em abril de 2023 – 98% a mais contra uma inflação de 39%. Por quê?

Pós-pandemia

Para explicar esta diferença de inflação oficial e do automóvel, Kalume Neto, da Jato Dynamics, lembra que o maior aumento aconteceu no pós-pandemia, quando os fabricantes tiveram de lidar com paralisações devido ao lockdown provocado pela covid-19 e pela falta de peças, principalmente de semicondutores.

“A pandemia causou uma crise na cadeia de suprimentos da indústria automotiva e o aumento nos preços dos carros foi global. Com a crise dos semicondutores, em especial, os fabricantes se viram obrigados a escolher onde colocar os poucos chips que tinham disponíveis. Com 20 carros para montar e só 10 chips disponíveis, por exemplo, colocaram nos carros mais caros. Com isso, os carros de entrada saíram de cena e a indústria apostou em veículos com maior margem de lucro, como os SUVs.”

Kalume Neto soma ainda a desvalorização do real no período – que impacta no preço final do veículo (suprimentos e logística) – para explicar o aumento de preços no Brasil nos últimos anos. Outro fator apontado por ele é cultural. “No Brasil, carro é sinônimo de status, independentemente da classe social. Se tem demanda no valor que está sendo praticado, o preço não vai baixar.”

O salário mínimo, por sua vez, segue acompanhando a inflação, pelo menos de 2017 pra cá. Hoje é de 1.320 e, se acompanhasse o mesmo acumulado do IPCA desde janeiro de 2017 – que usamos para corrigir o valor do carro – ele deveria ser de R$ 1.328,41.

Carros zero mais baratos do Brasil em 2017

  1. Chery QQ Smile – R$ 26.690
  2. Renault Kwid Life – R$ 29.990
  3. Fiat Mobi Easy – R$ 34.210

Carros zero mais baratos do Brasil em 2023

  1. Renault Kwid Zen e Fiat Mobi Like – R$ 68.990
  2. Citroën C3 Live – R$ 72.990
  3. Fiat Argo – R$ 78.590

Carros com mais itens e consumidor mais exigente

Mesmo sendo os mais baratos do Brasil, Fiat Mobi e Renault Kwid não são os mais vendidos.

Em abril de 2023, segundo dados da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), os dois estão em 8º e 11º lugares, respectivamente na lista dos mais emplacados no mês.

No top 3 estão: o Onix (R$ 84,390*), da GM, com 7.376 unidades emplacadas no mês passado; o Hyundai HB20 (R$ 82.890*), com 7.143 unidades, e o Polo (R$ 81.490*), da Volkswagen, com 6.063 veículos vendidos. (*preços sugeridos e divulgados nos sites dos fabricantes).

Esta exigência maior por mais conforto e itens de série também pode explicar o valor cada vez maior dos carros mais vendidos no País.

“O produto (carro) foi reposicionado, aumentando o valor e diminuindo custo. A legislação brasileira obrigou mais itens de segurança obrigatórios, com todos os carros saindo de fábrica com airbag e freios ABS de série, e isso impactou no preço“, diz Kalume.

O diretor da Jato acrescentou ainda outras exigências, como motores melhores, mais econômicos e mais ecológicos. “A indústria teve de mudar com as exigências de eficiência energética, tecnologia e conforto. E tudo isso gera custo”, explicou Kalume, lembrando que outras exigências, como o controle de estabilidade ainda estão por vir e devem encarecer os carros ainda mais.

10 carros mais vendidos no Brasil em abril de 2023* e o preço de partida deles

  1. Onix (GM) – R$ 84,390
  2. HB20 (Hyundai) – R$ 82.890
  3. Polo (VW) – R$ 81.490
  4. Argo (Fiat) – R$ 78.590
  5. Onix Plus (GM) – R$ 96.390
  6. Compass (Jeep) – R$ 171.754
  7. HRV (Honda) – R$ 148.900
  8. Mobi (Fiat) – R$ 68.990
  9. Creta (Hyundai) – R$ 110.990
  10. T Cross (VW) – R$ 116.550
    Fonte: Fenabrave

*Não incluímos nesta tabela os veículos comerciais leves. Incluindo esta categoria, o carro mais vendido no Brasil em abril de 2023 é o Fiat Strada, que supera o Onix em mais de 675 unidades emplacadas

Brasileiros compram menos carros

Os brasileiros estão comprando menos carros, revela este estudo da Jato. Segundo a empresa, em 2022 foram vendidos mais carros para pessoas jurídicas do que para pessoas físicas. Este foi o primeiro ano em que os CNPJs superaram os CPFs na compra de carros no país. No ano passado 52,9% das vendas foram para pessoas jurídicas.

Em 2018, as vendas para pessoas físicas representavam 64,4% do total, e hoje respondem por 47,1% do total de carros vendidos. Bom, dizer que estão computadas como pessoas jurídicas no estudo da Jato os CNPJs, as vendas diretas para locadoras, as vendas para pessoas com deficiência e os frotistas, entre outras.

https://valorinveste.globo.com/objetivo/gastar-bem/noticia/2023/05/27/por-que-o-carro-custa-tao-caro-no-brasil.ghtml

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Para onde vai o agronegócio brasileiro?

O setor reinventa a forma de produzir por meio da agricultura de baixo carbono e tecnologias de ponta. Quais serão os líderes do futuro rumo à agenda ESG?

Futuro do agronegócio: da consolidação de terras às agtechs, os métodos de cultivo devem ir além da monocultura (SLC/Divulgação)

Mariana Grilli – Exame –  25 de maio de 2023 

A roça do passado avançou com as gerações­. Assim como o escritor aposentou a máquina de escrever, o produtor rural guardou a enxada. Os saltos de produtividade do agronegócio brasileiro nos últimos 50 anos colocaram americanos e europeus para trás. O país é hoje player relevante nos movimentos geopolíticos, seja pelas exportações, seja pela transparência sobre a origem da matéria-prima. O Hemisfério Norte nunca dependeu tanto do clima tropical para fazer chegar alimento, fibras e energia numa época de guerra e insegurança alimentar. A soja segue sendo o carro-chefe brasileiro, inegável. Mas há uma cesta cheia de produtos à disposição: algodão, café, proteína animal, suco de laranja, melão e até atemoia. Graças à ciência da agricultura tropical, desenvolvida nacionalmente, surgiram tecnologias como plantio direto, agricultura de precisão, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) — no Brasil e em países da África onde a Embrapa atua.

Fomentar a pesquisa, portanto, é investir no futuro do agronegócio. Fundações, cooperativas, multinacionais e cientistas se unem na missão de desenvolver uma agricultura de baixo carbono com alta produtividade. É preciso — ainda — mais. Universidades públicas precisam atualizar as grades curriculares para abarcar práticas como sensoriamento remoto, drones e gestão de dados em nuvem. Enquanto isso, surge um movimento de instituições de ensino privadas mirando o novo mercado de trabalho, efervescido com a digitalização do agro. Engenheiros de dados, especialistas em big data, analytics, blockchain e até pilotos de drone. Estima-se que, até 2025, haverá mais de 178.000 vagas de emprego ligadas ao agronegócio. Um mercado em ebulição, mas que exige um profissional que não fará mais do mesmo e conseguirá performar em uma agricultura da “era ESG”.

A boa notícia é que o Brasil já tem mecanismos como o PPCDAm, plano oficial para combater o desmatamento na Amazônia, e os dados gerados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No âmbito da conectividade — um gargalo crucial —, o Ministério da Agricultura e Pecuária garante que recursos para a internet rural serão liberados ainda no primeiro semestre. Conectar os rincões significa educação nas escolas rurais. Outro mecanismo já amplamente discutido é a aplicação integral da Lei do Código Florestal — lei entre as mais robustas e mundialmente reconhecidas do ponto de vista ambiental.

Recuperação de pastagens e sequestro de carbono

O agronegócio tem a faca e o queijo na mão, mas antes é preciso focar algumas questões. O próximo capítulo será construído com recuperação de pastagens degradadas, sequestro de carbono e protagonismo na agenda de redução dos gases de efeito estufa. Nesse processo, é possível profissionalizar a cadeia do cacau e outras culturas da Amazônia, como castanha e cumaru, investindo em bioeconomia da floresta. Projetos de agrofloresta e agricultura regenerativa atraem multinacionais e já garantem renda a comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Há muito a ser desenvolvido.

A revolução passará pela presença de jovens e mulheres no campo. Sucessores familiares iniciam uma jornada de retorno ao campo, depois de ver abrir uma leva de oportunidades ao alcance de um toque. As mulheres, que sempre estiveram nos bastidores de sítios e fazendas, passam a integrar as discussões, de igual para igual. O faturamento bruto do agronegócio brasileiro deve crescer 5% em 2023, segundo as últimas estimativas, para 1,25 trilhão de reais. Manter o ritmo demandará novas revoluções. O mundo acompanha de perto o que acontece por aqui. Nas próximas páginas, exemplos de inovações para o Brasil se manter protagonista.

Mariana Grilli

Repórter de AgroGraduada em Jornalismo com especialização em Agronegócios pela FGV. Trabalhou como repórter na Rádio Jovem Pan e na Revista Globo Rural. É vencedora do 2° Prêmio GTPS de Jornalismo e do Prêmio Rede ILPF de Jornalismo.

https://exame.com/revista-exame/para-onde-vai-o-agronegocio-brasileiro/

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Inovadores não surgem apenas em startups

O colunista Claudio Garcia escreve sobre a diferença entre intraempreendedores e empreendedores, e indica que os primeiros são responsáveis por mais de 70% das inovações

Por Claudio Garcia – Valor – 25/05/2023 

Existem pequenas invenções que têm um efeito desproporcional para o mundo apesar de sua simplicidade.

O cinto de segurança de três pontos, por exemplo, reduziu em 45% o risco de mortes em acidentes de trânsito, ou seja, centenas de milhares de vidas salvas desde sua adoção apenas no Brasil. Interessante é que poucos sabem quem foi o criador dessa simples ideia, assim como não sabem quem foi o inventor do GPS, do stent (usado na medicina principalmente para desbloquear artérias), ou ainda do teste de DNA e da fibra-ótica. E mais interessantes ainda é que essas inovações, que mudaram de forma significativa uma parte da nossa realidade, aconteceram dentro de organizações. Não por meio de empreendedores.

Aliás, mais de 70% das mais relevantes inovações que mudaram nossas vidas vêm de organizações, criadas por heróis ocultos, pessoas que não pertencem ao nosso imaginário como empreendedores como Bill Gates, Elon Musk, Steve Jobs e Jeff Bezos, entre muitos outros similares a quem creditamos todas as mais interessantes invenções e negócios.

Nada contra empreendedores. Ao contrário, eles são uma parte essencial de uma nação próspera.Mas, 10 anos de excesso de liquidez de capital privilegiaram uma explosão de startups – e muita manipulação -, e ampliaram o mito da garagem, que diz que inovação acontece somente por meio de empreendedores-heróis, que sacrificaram escola, batalharam, foram contra tudo e todos para colocar inovações e negócios revolucionários de pé.

Organizações,, influenciadas por essas imagens, se estruturaram para isso. Misturaram a figura do empreendedor com a de quem inova, e de que organizações não são o espaço adequado para que essas pessoas prosperem. Visão curta e baseada em estereótipos sobre talentos que não se sustenta. Ignoram que mesmo o iPhone, que representa mais de 50% de toda a receita da mais valiosa organização do mundo, foi várias vezes bloqueado por um cético Steve Jobs. Receoso de que as grandes empresas de telecomunicações limitassem seu avanço, não acreditava que smartphones teriam um mercado grande.

Mas um grupo de intraempreendedores, engenheiros, programadores e outros profissionais talentosos, trabalhando para a Apple, iniciou o projeto do iPhone sem o conhecimento de Jobs, e sutilmente insistiram até que a ideia virasse um projeto oficial.

O perfil do intraempreendedor é bem diferente do empreendedor. Ele se situa bem em corporações. Gosta de ser parte de um time diverso e não se intimida em ter que passar por reuniões e mais reuniões para convencer pessoas, acordar compromissos, buscar e coordenar esforços de múltiplas áreas. O que para muitos é interpretado como política, para ele significa muito mais.

Intraempreendedores são motivados por levar organizações para um novo patamar – dinheiro é algo importante, mas desafios técnicos ou mercadológicos, ou ainda deixar um legado, são ainda muito mais.

Esse perfil de profissional compreende e sabe explorar o fato de que organizações são usualmente repletas de talentos, recursos, clientes e acesso a mercados, e que custam caro para empresas pequenas e empreendedores, como muitas pesquisas recentes mostram. São também beneficiados por modelos de gestão e estruturas organizacionais que os ampliam, em vez de estereotipá-los.

Para honrar muitos desses heróis ocultos: o inventor o cinto de segurança de três pontos foi um engenheiro da Volvo chamado Nils Bohlin. Apesar de patenteada, a organização decidiu tornar a invenção disponível para qualquer fabricante de veículos – aliás estava claro que esse não poderia ser um benefício só para clientes da Volvo. Exemplo de como, sem nunca sabermos, intraempreendedores afetam milhões de vidas.

Claudio Garcia é professor adjunto de gestão global na Universidade de Nova York. 

Cláudio Garcia vive em Nova York onde atua como empreendedor, conselheiro de empresas e pesquisador sobre pessoas e organizações

https://valor.globo.com/carreira/coluna/inovadores-nao-surgem-apenas-em-startups.ghtml

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Combinação de tecnologias permitiu que pensamentos do paciente fossem lidos e traduzidos em estímulos para a realização dos movimentos

Por Oliver Whang, The New York Times/ O Globo 25/05/2023 

Pesquisadores descreveram em um estudo publicado ontem na revista científica Nature uma combinação nova de dois implantes que conseguiram devolver a um homem paralisado dos quadris para baixo o controle sobre a parte inferior do corpo novamente.

Gert-Jan Oskam morava na China, em 2011, quando sofreu um acidente de moto que levou à condição de paraplegia. — Há 12 anos venho tentando me recuperar — contou Gert-Jan em entrevista coletiva nesta semana. — Agora aprendi a andar normal, natural.

Cientistas da Suíça responsáveis pelo feito explicam que os dispositivos criam uma “ponte digital” entre o cérebro do homem e a sua medula espinhal, contornando as seções lesionadas.

A descoberta permitiu que Gert-Jan, agora com 40 anos, ficasse de pé, andasse e subisse uma rampa íngreme apenas com a ajuda de um andador. Mais de um ano após a inserção dos implantes, ele manteve essas habilidades e apresentou sinais de recuperação neurológica, andando com muletas ainda quando os aparelhos foram desligados.

— Capturamos (por meio dos implantes) os pensamentos de Gert-Jan e os traduzimos em uma estimulação da medula espinhal para restabelecer o movimento voluntário — explicou Grégoire Courtine, especialista em medula espinhal do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, que ajudou a liderar a pesquisa , durante a coletiva.

Jocelyne Bloch, neurocientista da Universidade de Lausanne que colocou o implante em Gert-Jan, acrescentou: — Foi bastante ficção científica no começo para mim, mas tornou-se realidade hoje.

No novo estudo, a interface cérebro-medula espinhal, como os pesquisadores a chamaram, aproveitou um decodificador de pensamento de inteligência artificial para ler as intenções de Gert-Jan – detectáveis como sinais elétricos em seu cérebro – e combiná-las com os movimentos musculares.

A origem do movimento natural, do pensamento à intenção e à ação, foi preservada. A única adição, como Courtine descreveu, foi a “ponte digital” abrangendo as partes lesadas da coluna.

Como são feitos os implantes

Para alcançar esse resultado, os pesquisadores primeiro implantaram eletrodos no crânio e na coluna de Gert-Jan. A equipe então usou um programa de aprendizado de máquina para observar quais partes do cérebro se iluminavam enquanto ele tentava mover diferentes partes de seu corpo.

Esse decodificador de pensamento foi capaz de combinar a atividade de certos eletrodos com intenções específicas: uma configuração acendia sempre que ele tentava mover os tornozelos, outra quando ele tentava mover os quadris.

Em seguida, os pesquisadores usaram outro algoritmo para conectar o implante cerebral ao implante espinhal, que foi configurado para enviar sinais elétricos para diferentes partes de seu corpo, provocando o movimento.

O algoritmo foi capaz de levar em conta pequenas variações na direção e velocidade de cada contração e relaxamento muscular. E como os sinais entre o cérebro e a coluna eram enviados a cada 300 milissegundos, Gert-Jan podia ajustar rapidamente sua estratégia com base no que estava funcionando e no que não estava.

Na primeira sessão de tratamento, ele conseguiu torcer os músculos do quadril. Nos meses seguintes, os pesquisadores ajustaram a interface cérebro-medula espinhal para melhor se adequar a ações básicas como andar e ficar em pé.

Gert-Jan ganhou uma marcha de aparência um tanto saudável e conseguiu atravessar degraus e rampas com relativa facilidade. Além disso, após um ano de tratamento, ele começou a notar nítidas melhorias em seus movimentos sem o auxílio da interface cérebro-medula espinhal. Os pesquisadores documentaram essas melhorias nos testes de sustentação de peso, equilíbrio e caminhada.

Agora, Gert-Jan pode andar de forma limitada em sua casa, entrar e sair de um carro e parar em um bar para tomar uma bebida. Pela primeira vez, ele disse, sente que está no controle.

Os pesquisadores reconheceram limitações em seu trabalho. Intenções sutis no cérebro são difíceis de distinguir e, embora a atual interface cérebro-medula espinhal seja adequada para caminhar, o mesmo provavelmente não pode ser dito para restaurar o movimento da parte superior do corpo. O tratamento também é invasivo, exigindo várias cirurgias e horas de fisioterapia. O sistema atual não corrige todas as paralisias da medula espinhal.

Mas a equipe estava esperançosa de que novos avanços tornariam o tratamento mais acessível e sistematicamente eficaz. “Este é o nosso verdadeiro objetivo”, disse Courtine, “tornar esta tecnologia disponível em todo o mundo para todos os pacientes que dela precisam”.

Avanços tecnológicos que levaram aos implantes

Houve uma série de avanços tecnológicos no tratamento da lesão medular nas últimas décadas. Em 2016, um grupo de cientistas liderado por Courtine conseguiu restaurar a capacidade de andar em macacos paralisados, e outro ajudou um homem a recuperar o controle de sua mão.

Em 2018, um grupo diferente de cientistas, também liderado por Courtine, desenvolveu uma maneira de estimular o cérebro com geradores de pulsos elétricos, permitindo que pessoas parcialmente paralisadas voltassem a caminhar e a andar de bicicleta. No ano passado, procedimentos de estimulação cerebral mais avançados permitiram que indivíduos paralisados nadassem, caminhassem e andassem de bicicleta em um único dia de tratamento.

Gert-Jan havia passado por procedimentos de estimulação em anos anteriores e até recuperou alguma capacidade de andar, mas, eventualmente, sua melhora estagnou. Na coletiva, ele disse que essas tecnologias de estimulação o deixaram com a sensação de que havia algo estranho na locomoção, uma distância estranha entre sua mente e seu corpo.

A nova interface com a combinação dos dois implantes e o decodificador de pensamentos mudou isso. — A estimulação antes estava me controlando e agora eu que estou controlando a estimulação — disse. Andrew Jackson, neurocientista da Universidade de Newcastle, que não participou do estudo, avalia:

— Isso levanta questões interessantes sobre autonomia e a origem dos comandos. Você continua confundindo a fronteira filosófica entre o que é o cérebro e o que é a tecnologia.

Jackson acrescentou que os cientistas da área vinham teorizando sobre como conectar o cérebro aos estimuladores da medula espinhal há décadas, mas que isso representava a primeira vez que eles alcançavam tanto sucesso em um paciente humano: — É fácil dizer; é muito mais difícil de fazer.

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Corrida pelo lítio na América do Sul

Metal ganhou grande importância com a transição energética, e Bolívia, Argentina e Chile, o “Triângulo do Lítio”, têm maior parte das reservas globais. No Brasil, produção pode crescer.

Por Fernando Dantas -Estadão – 27/04/2023 

Os planos recentemente revelados por Gabriel Boric, presidente do Chile, de colocar o setor de lítio no país sob controle estatal sinalizam uma corrida global pela matéria-prima que pode vir a ser de alta importância para três vizinhos do Brasil: o próprio Chile, a Argentina e a Bolívia.

Com respectivamente 21 milhões, 19,3 milhões e 9,6 milhões de reservas de lítio, Bolívia, Argentina e Chile detêm as três primeiras posições no mundo. Em termos de produção, em 2022 a Austrália liderou, com 61 mil toneladas, seguida pelo Chile, com 39 mil. As informações são da Associated Press e constam de nota recente do Broadcast sobre os planos de nacionalização do lítio no Chile.

Em recente artigo, Scott MacDonald, economista-chefe da Smith’s Research & Gradings e especialista em América Latina, observa que o lítio é central para a adoção em  massa de veículos elétricos, unidades de armazenamento de energia essenciais para redes elétricas e baterias para computadores e celulares.

Dessa forma, aponta MacDonald, China, Estados Unidos e outras economias avançadas colocaram o “Triângulo do Lítio” (Argentina, Bolívia e Chile) no seu foco geoeconômico e geopolítico. Os três países da América do Sul detêm a maior parte das reservas latino-americanas do metal, que representam cerca de 60% das reservas mundiais.

A China é totalmente dominante nas etapas mais avançadas dessa cadeia produtiva, com metade da capacidade global de refino do lítio e produzindo 79% (contra apenas 6,2% dos EUA, segundo colocado) das baterias de íon de lítio no mundo. Mas as reservas chinesas estão na sexta colocação, atrás dos países do “Triângulo”, dos Estados Unidos e da Austrália.

No Chile, as duas mineradoras de lítio em atividade – e as maiores do mundo no setor em capitalização de mercado – são a chilena SQN, da qual a chinesa Tianqi detém 28%, e a americana Albermale. É nelas que o governo chileno quer entrar. Já a chinesa Ganfeng, grande fornecedora de baterias para a Tesla, opera na Argentina.

Os Estados Unidos, que estão muito atrás da China tanto em mineração de lítio quanto em produção de baterias, estão recebendo o impulso de medidas protecionistas e de estímulo do governo de Joe Biden. Já a China vem fazendo um especial esforço de penetração na Bolívia.

O Brasil, embora não faça parte do “Triângulo do Lítio”, também pode ser beneficiado pelo aumento da demanda pelo metal no contexto da transição energética.

Em reportagem da Infomoney de julho do ano passado, Marcio Remédio, diretor de Geologia e Recursos Naturais do Serviço Geológico do Brasil (SGB), avaliou que a produção brasileira de lítio pode subir do nível atual de 1,5% da oferta global para 5% em dez anos. E esse aumento é maior do que aparenta, porque poderá acontecer enquanto a produção global também cresce.

No ano passado, um decreto flexibilizou a exportação de lítio a partir do Brasil, que necessitava de autorização pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, porque o metal é empregado em volume bem pequeno nos reatores.

Com o aumento da demanda global por metais ligados à transição energética, porém, essa restrição tornou-se anacrônica, segundo a co-CEO da canadense Sigma Lithium Resources Corporation, Ana Cabral-Gardner.

A Sigma Lithium, segundo o site Brasil Mineral, está em processo de iniciar a produção de 270 mil toneladas anuais de concentrado de lítio ‘grau bateria’ na Grota do Cirilo, no Vale do Jequitinhonha. Os investimentos são de R$ 3 bilhões e a meta é expandir a produção para 766 mil toneladas por ano.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/4/2023, quarta-feira.

Leia também 

https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2023/04/28/exploracao-de-litio-no-pais-cresce-estimulada-pelos-carros-eletricos.ghtml

https://www.estadao.com.br/economia/fernando-dantas/corrida-pelo-litio-na-america-do-sul/

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Incompatibilidade do conhecimento

Inovação tende a seguir preferências do Vale do Silício, e não necessidades locais

Por Dani Rodrik – Valor – 13/02/2023

O conhecimento é a chave para a prosperidade econômica. Tecnologia, inovação e know-how vêm do aprendizado de novas maneiras de produzir os bens e serviços que nos enriquecem. O conhecimento também é o arquétipo do “bem público”: novas ideias podem beneficiar a todos; e a menos que governos ou monopólios restrinjam sua disseminação, o uso não diminui a disponibilidade. Isso é especialmente importante para os países pobres, porque significa que eles não precisam reinventar a roda. Eles podem simplesmente adotar tecnologias e métodos criados por países mais ricos para impulsionar o próprio desenvolvimento econômico.

Embora economistas e formuladores de políticas há muito apreciem a importância econômica do conhecimento, eles não prestaram atenção suficiente às condições que o tornam útil. O contexto importa: qualquer incompatibilidade entre as condições em que as ideias são geradas e as especificidades do ambiente onde são aplicadas pode reduzir significativamente o valor da aquisição de conhecimento.

Por exemplo, o milho é cultivado em todo o mundo, mas está sujeito a diferentes ameaças ambientais, dependendo da ecologia local. Os esforços de pesquisa e desenvolvimento naturalmente se concentraram no desenvolvimento de resistência às pragas mais comuns na América do Norte e na Europa. Como resultado, milhares de patentes de biotecnologia são voltadas para o verme do milho europeu, mas apenas cinco patentes exclusivas são para inovações que protegem contra a broca do caule do milho, que afeta predominantemente a África Subsaariana.

O chatbot que substitui trabalhadores aumenta os retornos para engenheiros de IA e donos de empresas, ao mesmo tempo em que elimina trabalhadores com educação não universitária. O impacto é ampliado onde a mão de obra barata é a única vantagem comparativa

Tendo estudado esses e muitos outros exemplos, os economistas Jacob Moscona e Karthik Sastry, da Universidade de Harvard, argumentam que a inadequação de tecnologias desenvolvidas em economias avançadas pode representar um significativo obstáculo ao crescimento da produtividade agrícola em áreas de baixa renda. De acordo com sua análise, a incompatibilidade tecnológica em pragas e patógenos específicos de culturas pode ser sozinha responsável por 15% da disparidade global na produtividade agrícola.

Em um recente painel de debates organizado pela Associação Econômica Internacional, Moscona e outros especialistas forneceram uma ampla gama de ilustrações de tecnologias inadequadas em uso. Mireille Kamariza, bioengenheira da UCLA, descreveu como o desenvolvimento de tecnologias de diagnóstico para tuberculose e outras doenças infecciosas que afetam principalmente países de baixa renda ficou muito atrás das tecnologias de diagnóstico para doenças de países ricos.

Quando a covid-19 atingiu os países ricos, centenas de testes de diagnóstico ficaram disponíveis em poucos meses. Em contrapartida, demorou mais de um século para alcançar um progresso comparável em relação à tuberculose. Além disso, as técnicas avançadas de diagnóstico de tuberculose ainda dependem de técnicos treinados e um constante fornecimento de eletricidade, que podem não estar disponíveis em ambientes de baixa renda.

A incompatibilidade também pode ocorrer dentro dos países quando as tecnologias adaptadas aos interesses de determinados grupos são implantadas de forma mais ampla. A automação e as tecnologias digitais, por exemplo, podem ser inadequadas se produzirem efeitos indesejáveis para muitos trabalhadores. Como observa Anton Korinek, da Universidade da Virginia, todas as inovações têm dois gumes: elas podem aumentar a produtividade no agregado, mas também podem gerar agudos efeitos redistributivos que favorecem os proprietários do capital em detrimento dos trabalhadores.

E quando os ganhos gerais de produtividade não são muito grandes, eles podem ser facilmente superados (de uma perspectiva social) pelos efeitos redistributivos negativos – um fenômeno que os economistas Daron Acemoglu e Pascual Restrepo chamam de inovação “mais ou menos”.

Os robôs fornecem o exemplo mais claro dessa mudança adversa contra os trabalhadores, e a inteligência artificial está expandindo a gama de domínios onde os conflitos distributivos podem se tornar significativos. Como aponta Korinek, o software chatbot que substitui trabalhadores humanos aumenta os retornos para engenheiros de IA e proprietários de empresas, ao mesmo tempo em que substitui trabalhadores com educação não universitária. O impacto é ampliado nos países em desenvolvimento, onde a mão de obra barata é a única fonte de vantagem comparativa.

Além disso, o conhecimento está embutido não apenas em sementes ou softwares, mas também em normas culturais. No mesmo painel da IEA, o economista Nathan Nunn falou sobre um tipo temporal diferente de incompatibilidade, em que conhecimentos e práticas que eram apropriados para uma sociedade em um determinado momento podem se tornar disfuncionais posteriormente. As tradições culturais transmitem conhecimentos úteis às gerações futuras. Rituais religiosos, por exemplo, podem ajudar a coordenar o plantio, e técnicas específicas de culinária transmitidas pelos mais velhos de uma família podem proteger contra toxinas alimentares. Mas como as normas culturais evoluem lentamente, mudanças rápidas na sociedade podem produzir um “descompasso evolutivo”.

Baseando-se em seu trabalho com Leonard Wantchekon, Nunn dá o exemplo da experiência traumática da África com a escravidão transcontinental. As comunidades na África que tiveram contato mais extenso com traficantes de escravos desenvolveram uma profunda desconfiança em relação a forasteiros, deixando-os com uma inclinação cultural que é contraproducente para o desenvolvimento de uma florescente economia de mercado no mundo de hoje. Da mesma forma, a aversão dos americanos à redistribuição parece refletir o alto grau de mobilidade econômica do país no passado, e não a realidade atual.

Quer assumam a forma de tecnologias inadequadas ou práticas culturais, essas incompatibilidades precisam ser abordadas se o conhecimento for beneficiar uma sociedade. Uma estratégia é a conscientização. Foi assim que o movimento ambientalista ajudou a desviar a demanda do consumidor dos combustíveis fósseis e mobilizar apoio para o desenvolvimento de energias renováveis. Um movimento semelhante de “tecnologia para trabalhadores” poderia redirecionar a inovação para uma direção mais favorável ao trabalho.

Aumentar a voz das relevantes partes interessadas – como trabalhadores ou países pobres – nas decisões sobre inovação e tecnologia protegeria contra a adoção de tecnologias inadequadas. As políticas públicas também são cruciais. A Revolução Verde no século 20 foi motivada pelo reconhecimento explícito de que aumentar a produtividade agrícola em países de baixa renda exigiria o desenvolvimento de variedades de sementes de alto rendimento adequadas a ambientes tropicais. Embora nos falte um esforço multilateral semelhante para fechar as lacunas tecnológicas globais atualmente, Moscona aponta para vários países de renda média (Índia, Brasil, África do Sul) que têm a capacidade de desenvolver tecnologias mais adequadas às economias em desenvolvimento.

Mas mesmo nesses países, a inovação tende a seguir as normas e preferências do Vale do Silício, e não as necessidades locais. Tanto formuladores de políticas quanto inovadores deveriam lembrar que não é o conhecimento, mas sim o conhecimento útil que nos capacita. (Tradução de Anna Maria Dalle Luche)

Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, é presidente da Associação Econômica Internacional. Copyright: Project Syndicate, 2023. http://www.project-syndicate.org

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/incompatibilidade-do-conhecimento.ghtml

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Itaú: extensões do ChatGPT podem “virar a internet de ponta-cabeça” e gerar oportunidades

Relatório acredita que plugins da inteligência artificial para navegadores poderão aumentar utilidade da ferramenta

João Pedro Malar – Exame – 22 de maio de 2023 .

A OpenAI, empresa responsável pela criação e desenvolvimento do ChatGPT, lançou nas últimas semanas os primeiros plugins para a ferramenta – extensões que permitem o seu uso durante o uso de navegadores como o Google Chrome e o Microsoft Edge. E, para o Itaú BBA, esses recursos têm o potencial de “virar a internet de ponta-cabeça”.

Em um relatório do banco, analistas afirmam que o modelo de plugins da OpenAI “muito provavelmente vai gerar uma disrupção na internet como conhecemos”, trazendo mais simplicidade, eficiência e agilidade para uma série de operações que são feitas hoje em dia na internet.

“Nós estamos estupefatos com o poder dos plugins do ChatGPT para criar disrupções. Por isso, estamos começando a acreditar que a internet pode ser reescrita por meio de uma profunda mudança de hábitos” dos usuários, avaliam os analistas do banco. Nesse sentido, eles ressaltam que as disrupções “criam vencedores e perdedores”, com oportunidades de investimento e necessidade de reavaliar algumas aplicações.

Inteligência artificial é prioridade de investimento para 73% das empresas

O relatório explica que os plugins “são ferramentas projetadas especificamente para modelos de linguagem com segurança como um princípio central, de acordo com o Open AI. Eles ajudam o ChatGPT a acessar informações atualizadas, executar informações ou usar serviços de terceiros. A OpenAI está começando [a liberar os plugins] para um pequeno grupo de usuários e está planejando lançá-los gradualmente em uma escala maior”.

Na visão dos analistas, os atuais modelos de inteligência artificial generativa podem ser úteis em várias tarefas, mas ainda são limitados, com restrições em especial em torno dos dados usados para treinamento, o que pode levá-los a desatualizações e imprecisões. No momento, eles avaliam que a maior inovação dessa tecnologia é “gerar textos”.

Por isso, o Itaú BBA acredita que os plugins podem ser os “olhos e ouvidos” de modelos como do ChatGPT, “dando acesso a informações que são muito recentes, muito pessoais ou muito específicas para serem incluídas no dados de treinamento. Em resposta à solicitação explícita de um usuário, os plugins também podem habilitar modelos de linguagem para executar ações seguras e limitadas em seu nome, aumentando a utilidade do sistema”.

Atualmente, já foram lançadas extensões desenvolvidas por empresas como o Slack, Shopify, Zapier e KAYAK. Cada uma permite aplicar a inteligência artificial em atividades ligadas às suas áreas de atuações, ajudando a planejar viagens, gerar textos em conversas, etc.

Além disso, a própria OpenAI também incorporou dois plugins ao ChatGPT. O primeiro permite que a ferramenta acesse a internet em tempo real, tendo acesso a dados mais atualizados. Já o segundo é um “interpretador de códigos”, melhorando seu desempenho na área.

https://exame.com/future-of-money/itau-extensoes-chatgpt-virar-internet-de-ponta-cabeca-gerar-oportunidades/

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Ode à alegria em tempos desumanizados

Obra de Beethoven é a extraordinária história da arte do possível. Ela dá sentido ao caos e extrai beleza da dor universal

Dorrit Harazim – O Globo – 21/05/2023 

O ator Wolf Maia interpreta Beethoven no teatro Leo Martins

Início de primavera no Hemisfério Norte sempre dá aquela comichão gostosa — é largar os capotes pesados em casa e sair à rua leve, livre e renascida. Foi num desses sabadões primaveris de maio de 2012 que moradores de Sabadell, cidade catalã da província de Barcelona, conheceram uma alegria coletiva transbordante. Ao cair da tarde, um flash mob com mais de cem músicos da Sinfônica del Vallès e corais regionais brotou do nada na Plaça Sant Roc, em meio a flaneurs e à criançada, e começou a tocar a transcendental “Ode à alegria”, de Beethoven. O vídeo daquele momento mágico de comunicação humana, facilmente acessível no YouTube, pode servir de teste para o grau de humanidade-raiz que ainda nos habita. Quem permanecer insensível à cena, incapaz de se desligar do cotidiano que nos aplasta, é caso perdido. Melhor ir aninhar-se na inteligência artificial.

A “Ode à alegria” é a extraordinária história da arte do possível. Ela dá sentido ao caos e extrai beleza da dor universal. Já por isso é útil relembrá-la vez por outra em tempos turvos, mesquinhos, pequenos e desumanizados como os de hoje.

Beethoven, adolescente na Europa eletrizada pelo espírito revolucionário do final do século XVIII, fora profundamente marcado pelo poema “Ode à alegria”, do seu monumental conterrâneo alemão Friedrich Schiller. A mensagem de liberdade e justiça, felicidade e paz contida nos versos do poeta nunca mais se desgarraram da mente do músico. Nem quando a guilhotina substituiu as liberdades, e as guerras napoleônicas soterraram a paz, nem quando Schiller morreu achando que sua “Ode” era uma obra fracassada. Beethoven nunca fraquejou. Continuou a ver naqueles versos a necessidade do possível. Como se sabe, foi durante uma caminhada sem rumo de vários dias, aos 52 anos de idade e já praticamente surdo, que o idolatrado compositor de oito sinfonias, além de concertos e sonatas, encontrou a centelha para sua obra magna, a Nona Sinfonia. Ela culminaria com os versos silenciosos de Schiller cantados por um coral, num grand finale sem paralelo no universo musical. Até então, compositor algum havia sequer cogitado introduzir a voz humana numa sinfonia. Ninguém ousara tanto. Nem Bach, nem Mozart, nem Haydn.

Para a ensaísta cultural Maria Popova, Beethoven conseguiu resolver o imenso tormento de sua vida criativa integrando fúria e redenção, o silêncio da palavra escrita com o drama da música, e transformando a escuridão por ele vivenciada em algo incandescente, eterno. Na estreia em Viena, em 1824, houve um átimo de silêncio ao final do último acorde da aguardada Nona — quando algo é sublime demais, calamos. Passado o primeiro impacto, ouviu-se um júbilo incontido que dura até hoje, passados 200 anos. Popova lembra que Walt Whitman celebrou a obra como expressão mais profunda da natureza humana e que a escritora americana e ativista surda Helen Keller descobriu o que é música quando “ouviu” a “Ode” pressionando as mãos contra uma caixa de som. Manifestantes chilenas contra a ditadura de Augusto Pinochet também entoaram o “Himno a la Alegría” como forma de protesto, mostra o documentário “Seguindo as pegadas da Nona Sinfonia”, de Kerry Candaele. Até mesmo no histórico confronto de 1989 na Praça da Paz Celestial em Pequim, um dos estudantes aquartelados improvisou uma transmissão da Nona para abafar os comunicados oficiais que antecederam a chegada dos tanques às ruas. Quatro anos antes, a “Ode” de Beethoven fora adotada como hino da União Europeia.

Acolhida como chamamento para descartarmos falsos profetas que alimentam séculos de guerras e milênios de desigualdade, ela mantém a visão idealizada de Schiller de que a raça humana se reencontrará na fraternidade. Infelizmente, basta olhar à nossa volta para constatar que não é bem assim — as distâncias que separam a natureza do ser humano, e humanos entre si, continuam abissais. Não importa. A arte existe para nos transportar ao possível, seja cantarolando “Imagine”, de John Lennon, seja para escancarar alegria com o flash mob de Sabadell. Fica aqui o convite, já que hoje é domingo. Mesmo para quem já assistiu.

Eu aceitei a sugestão da Dorrit e fui assistir ao vídeo. Fica aqui o convite para você também. https://youtu.be/wTIiHedh2J8

https://oglobo.globo.com/opiniao/dorrit-harazim/coluna/2023/05/ode-a-alegria-em-tempos-desumanizados.ghtml

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