Cidades modernas: conceitos, tendências e reflexos da pandemia

por Evandro Milet

Quatro conceitos, vindos de áreas de conhecimento diferentes, mas complementares, tentam batizar a visão moderna de cidades: 

a)  Cidades sustentáveis, oriundo da área de meio ambiente, o conceito inclui temas como água, resíduos sólidos, lixões, energia, saneamento e poluição ambiental, visual e sonora. E também saúde, educação, pobreza, favelização, mobilidade, base econômica e emprego; 

b) Cidades criativas, conceito oriundo da área de cultura, inclui atividades  artísticas, indústrias culturais, turismo, ciência, tecnologia, universidades, software, design, moda, engenharia e arquitetura, entre outros. Esse conjunto produz uma efervescência cultural que  atrai e retém talentos, promove diversidade social, gera empregos, aumenta o potencial criativo de empresas e instituições, atrai jovens e turistas e contribui para a economia da cidade e qualidade de vida; 

c) Cidades inteligentes – o conceito aborda a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação(TICs) na gestão das cidades, incluindo transporte público, controle de tráfego, monitoramento ambiental, serviços de saúde, educação, segurança, defesa civil e serviços públicos em geral. Como aproveitar o fato de que a maioria dos cidadãos tem um smartphone podendo falar, reclamar, fiscalizar, postar nas redes sociais, propagar idéias em alta velocidade e com alcance enorme?  Cidades inteligentes exigem uma infraestrutura digital, à semelhança das redes de água, luz, telefones e saneamento. Toda a gama de novas tecnologias como Inteligência artificial, Internet das Coisas, 5G, redes sociais e seus desdobramentos têm ampla possibilidade de utilização na gestão de cidades; 

d) Cidades humanas – Jane Jacobs, urbanista e ativista social, defendeu um novo conceito de cidades em seu livro seminal “Morte e Vida de Grandes Cidades” (1961). Propôs a ideia de cidades integradas, densas e vivas contra a tendência da época de segregar funções como suposta visão modernista. Defendeu a alta concentração de pessoas, valorização de esquinas e percursos, edifícios variados e de diferentes idades e menos viadutos e obras monumentais. Cidades adensadas gastam menos energia, as pessoas andam mais a pé ou bicicleta, a caminhabilidade é incentivada, justificam o rateio por muitos dos custos de soluções em transportes e infraestrutura e há mais opções culturais. As novidades da economia compartilhada e veículos autônomos prometem também uma revolução na mobilidade urbana.

Cidades criativas, sustentáveis e inteligentes contribuem para uma cidade mais humana e fortalecem o conceito de Work, Live and Play(Trabalhar, viver e se divertir) onde se pode ter uma vida saudável, com todas as atividades no mesmo ambiente.

A pandemia do coronavírus tem provocado novas discussões sobre a aglomeração das cidades e seu impacto na propagação de doenças. Fica mais evidente o problema das sub-habitações e a falta de saneamento como fator propagador de pandemias. Há também certo movimento de pessoas procurando viver fora desses grandes centros, ainda mais considerando a propagação do home-office como uma nova realidade, onde o trabalho fica independente até da cidade onde se reside. Qual será o balanço dessas tendências?

Com essas ideias e discussões sobre vários ângulos, o Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis lançou o livro O futuro é das CHICS(Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis) onde tive o prazer de escrever um trecho. Uma cópia do livro será colocada gratuitamente no grupo.

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Tendências de consumo na China pós-pandemia que podem pegar pelo mundo

Por Ligia Tuon

Publicado em: 07/07/2020  na Revista Exame

Faz mais de dois meses que os chineses começaram a retomar suas atividades cotidianas após o fim da quarentena imposta contra o coronavírus.

E pela experiência da China, o período de confinamento despertou novas exigências nos consumidores e reforçar alguns hábitos — um movimento que pode ser semelhante em outros países nos próximos meses.

É o que mostra pesquisa da consultoria Inovasia, que analisou o hábito dos consumidores chineses de 8 de abril, dois meses após o fim da quarentena no país até 15 de junho. Entre os hábitos do “novo normal” estão pequenas comodidades diárias e a maior preocupação com a saúde e com a origem dos produtos e serviços.

Quando foi dada a largada das compras com a reabertura, mais de 60% das pessoas disseram que saíram para comer com amigos, 55% foram ao salão de beleza e 52% foram comprar itens para fazer exercício em casa. O sentimento de querer comprar alguma coisa, como prêmio pelo “tempo sofrido” em casa, foi citado por muitos deles.

Vale ressaltar que no período avaliado pela pesquisa, shopping centers e lojas de rua já funcionavam normalmente em mais de 98% das cidades da China, e escolas infantis e de ensino médio abertas em em 42% dos municípios estudados. Serviços como metrô, ônibus e trens também já operaram em todo o país, assim como os voos domésticos.

No mundo, só a China vive esse momento, já que muitos países começaram a afrouxar suas medidas mais recentemente e outros tantos ainda não controlaram a doença, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos.

Veja dez 10 tendências de consumo na China pós pandemia que podem pegar pelo mundo, segundo a Inovasia.

1 – Mais lives, é claro…

As já populares lives ficaram ainda mais atrativas no mundo todo por motivos óbvios durante os meses de confinamento. Depois da reabertura, porém, esse interesse não recuou entre os chineses – nem entre o público e muito menos entre as marcas, que venderam como nunca no “comércio ao vivo”.

O segmento deverá movimentar US$ 135 bilhões em 2020 na China ante US$ 63 bilhões em 2019, segundo dado do instituto iiMedia Research trazido pelo estudo da Inovasia.

Para as três principais plataformas de transmissão ao vivo de e-commerce da China – o Taobao Live, do grupo Alibaba, o Tik Tok Douyin, da ByteDance e o Kuaishou, do grupo Kwai -, o setor deve crescer 10 vezes nos próximos 24 meses, levando a participação das vendas por livestreaming de 1% para 9% de 2019 para 2020.

Outro exemplo trazido pelo estudo é a rede de supermercados HeMa, que decidiu manter as transmissões diárias que começou a fazer durante a pandemia porque a audiência não caiu depois da reabertura. Além disso, as lives feitas com cozinheiros famosos que faziam pratos com ingredientes escolhidos, ao vivo, nas gôndolas do mercado, elevou as vendas da companhia em 12%.

É uma realidade que foi apressada pela pandemia e da qual as empresas não tem como fugir. Mais de 90% dos entrevistados pela pesquisa afirmaram pretender elevar seu investimento em influenciadores digitais. E 80% disseram que elevarão os gastos em sua infraestrutura de e-commerce.

2 – Pediu, chegou

Com uma das mais elevadas taxas de penetração do comércio online do mundo, a China já era reconhecida pelo hábito da população de fazer compras pela internet. Neste ano estima-se que 56 milhões de pessoas que não faziam parte desse grupo passaram a fazer. E com as maiores exigências: que o produto seja entregue em até uma hora.

Esses novos clientes, chamados na pesquisa de “late adopter” (aqueles que aderem a uma tendência tardiamente em comparação com o resto da população) é, em geral, formado por homens acima de 50 anos, com pouca intimidade com smartphones ou temor de sofrer golpes online, segundo dados da consultoria chinesa ChoZan.

Esse movimento levou a 78,8% a parcela da população que faz compras online regularmente (ao menos um pedido por trimestre) em março. Em dezembro do ano passado, esse número era 74,8%, de acordo com dados do Statista citados no estudo.

Essas pessoas gostaram da comodidade e não pretendem voltar às filas dos hipermercados, mesmo em um cenário de normalidade, destaca a Inovasia.

“O mesmo raciocínio de “late adopters” pode ser aplicado para “sellers” e “varejistas” como restaurantes e lojas tradicionais que, por questões culturais ou geracionais, não sentiam a necessidade de oferecerem seus produtos digitalmente. A pandemia, no entanto, forçou ambos os agentes a mudar de postura”, diz a consultoria.

Os setores mais beneficiados pelo ingresso de novos consumidores digitais foi o de farmácias e supermercados, serviços considerados essenciais e que estiveram operando mesmo durante a quarentena.

3- Sem encostar, por favor

Opções “contactless”,  que não envolvem contato físico, como pagamentos remotos e entregas sem encontro presencial, serão uma grande vantagem competitiva para empresas daqui para frente, conclui o estudo, devido ao interesse da população que permaneceu após o confinamento.

Esse movimento impulsionou, por exemplo, a demanda por eletrônicos, como óculos de realidade virtuais, que aumentam a imersão de participantes em reuniões de trabalho, e por aparelhos de academia, pelo interesse em se exercitar em casa.

Especialistas ouvidos pela Inovasia afirmam que são muitas marcas de produtos de beleza e maquiagem no país já trabalham para acelerar a transformação de seus produtos, inserindo itens que facilitem o não-contato e a proteção à saúde.

Outro setor que viu crescer sua procura mesmo após a reabertura do mercado foi o de educação a distância. Para 72% dos estudantes que fizeram, pela primeira vez, um curso via educação à distância durante a epidemia, a experiência foi descrita como “ótima” ou “boa”. Segundo análise do serviço de ensino chinês de idiomas VIP KIDS, mais da metade dos novos assinantes captados pela plataforma durante a pandemia optaram por continuar com as aulas online, mesmo após a reabertura dos cursos presenciais.

4 – Saudáveis e fitness

Os alimentos frescos foram o item mais demandado durante a pandemia e seguiram com maior relevância na alimentação dos chineses ante os congelados. A demanda por esses produtos dobrou em maio, ante abril do ano passado. Além disso, os consumidores estão mais exigentes na escolha dos alimentos.  A pesquisa mostra que 80% dos entrevistados disseram que prestam mais atenção à alimentação saudável e tomam cuidados maiores ao ler rótulos e descrições das embalagens.

A pesquisa cita uma análise da Nielsen que mostra que a compra de ingredientes para cozinhar em casa está muito mais rigorosa que no pré-pandemia. No estudo, 80% dos entrevistados disseram que prestam mais atenção à alimentação saudável e tomam cuidados maiores ao ler rótulos e descrições das embalagens.

Além da alimentação mais saudável e consciente, a prática de exercícios é outra prioridade dos chineses atualmente, mostra a Inovasia. Mas a maioria tem procurado fazer isso em casa e não nas academias.

Dados do e-commerce Pingduoduo, o terceiro maior da China, indicam que as vendas de produtos “fitness” em maio, já após o fim da quarentena, foram 35% maiores que no mesmo mês de 2019.

5 – Carros, sim, mas pequenos e elétricos

As vendas de automóveis, que caiu 89% na China durante a pandemia, foram retomadas com força após a quarentena e devem chegar ao mesmo patamar do pré crise em julho, diz a Inovasia.

O estudo remete o movimento, entre outras coisas, ao desejo de uma classe média ascendente no país de evitar o transporte público, onde o risco de transmissão de doenças aumenta.

Os modelos que ganham mais atenção entre os consumidores atualmente são os Low Speed Vehicles (veículos de baixa velocidade), que se movem a, no máximo, 40 km/h e são totalmente elétricos. A autonomia destes pequenos carros

varia entre 40 km e 90 km e seu tempo de carregamento gira entre duas e três horas. Para especialistas, é o carro do futuro.

6 – Xô, faxe news

A disseminação em massa de notícias falsas também é um problema na China, onde mais de 850 milhões de cidadãos usam, diariamente, serviços como WeChat e Alipay, e chegaram a prejudicar os esforços de combate à crise sanitária.

Isso fez aumentar a importância de fontes seguras de informação entre os chineses.

O estudo destaca o importante papel dos jovens junto às gerações mais velhas, no esclarecimento de notícias falsas sobre a covid-19 e na introdução de serviços digitais a essas gerações durante o confinamento.

7 – Preferência pelo comércio local

Durante os meses de confinamento, houve uma migração importante de consumidores de grandes supermercados e shoppings centers para pequenos comércios locais. O costume de manteve com a normalização do movimento.

Dados reunidos pela iiMedia Research mostram que 50,6% dos consumidores chineses mudaram a sua referência para artigos nacionais em detrimento de produtos importados após a pandemia no país.

Indicam ainda que mais de um terço dos chineses (38,6%) passaram a consumir marcas locais, de acordo com números de varejo das quatro maiores cidades do país, pela preferência a itens produzidos e vendidos por pequenos comerciantes. Antes, apenas 19% preferiam o comércio local, diz a pesquisa

8 – Nada de dinheiro em espécie

Não é difícil imaginar que que as empresas financeiras que oferecem formas de pagamentos sem contato vão encontrar um cenário mais amigável entre os potenciais consumidores no mundo pós pandemia, não é mesmo?

A China já ia nesse sentido antes da pandemia, sendo considerada por especialista como a primeira sociedade “sem dinheiro em espécie” do mundo, com 850 milhões de usuários ativos de mobile payment no país, segundo dados do banco central chinês.

Com a crise, a China decidiu dar um novo passo e anunciou a criação da primeira criptomoeda soberana, o Renminbi digital. A moeda digital com lastro na moeda oficial do país está em fase de testes em zonas rurais e para o pagamento de funcionários públicos. Sua utilização é possível por aproximação de celulares, mesmo que estes não estejam conectados à internet.

9 – Eles já não são os mesmos

Resistentes e conservadores, os “late adopters” foram praticamente obrigados a fazer compras pela internet durante o confinamento. Após o fim das restrições de circulação, no entanto, 85% deles passaram a considerar como adequadas ou muito boas suas experiências digitais e 73% dizem que vão continuar usando. Os motivos variam entre segurança pelo distanciamento, economia e comodidade.

A inovasia destaca que só a população de idosos da China é maior do que todos os habitantes do Brasil. São mais de 250 milhões de pessoas acima de 60 anos que, nas cidades, ganham US$ 5,8 mil por ano, em média, uma grande oportunidade para os canais online.

10 – Tudo certo, mas nada prometido

Por fim, a Inovasia mostra que, apesar de o consumo na China ter voltado rapidamente após o período de quarentena, impulsionado por meses de demanda reprimida, o futuro ainda é incerto. Sobretudo no que diz respeito à manutenção do emprego e da renda da população.

Num primeiro momento, a disposição para gastar foi grande. Um exemplo citado pela consultoria foi a reabertura, em abril, da loja Hermès, na cidade de Guangdong, que vendeu US$ 2,4 milhões em um dia, o melhor resultado da sua história.

Por outro lado, há uma parcela considerável da população que foi atingida mais duramente pela desaceleração econômica que fechou vagas e empresas, aumentando o grau de incerteza. Um exemplo são os financiamentos de imóveis, que registraram 60% de desistência durante a pandemia, diz o estudo.

O novo comportamento do consumidor já reflete maior cautela com a administração de sua renda, diz também a McKinsey em estudo citado pela Eurasia. A consultoria indica que, depois da pandemia, cerca de 41% dos entrevistados na China planejam aumentar suas fontes de renda através da gestão de riqueza, investimentos e compra de produtos financeiros. Além disso, cerca de 27% indicaram que vão comprar seguro de saúde para si e para sua família.

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Platão e a caverna-office: estamos em um filme?

por Evandro Milet – publicado em 11/7/2020 em A Gazeta

Em o mito da caverna, Platão narra diálogo onde Sócrates diz para Glauco imaginar prisioneiros acorrentados, desde a infância, em uma caverna, de costas para a entrada. Uma fogueira atrás projeta, na parede em frente a eles, as imagens de pessoas e coisas que passam do lado de fora. Com muito tempo ali, a realidade para eles são aquelas imagens e não mais o que acontece de verdade atrás deles. Quando um deles se liberta, tem dificuldade de entender o que se passa.

Nós vivemos hoje confinados na nossa caverna-office. Se a pandemia durar muito tempo, não lembraremos mais como são os colegas de trabalho, clientes, amigos e familiares. Todos se transformaram em imagens e sons do Zoom nas telas dos computadores do home-office, nas lives e nas reuniões virtuais da família e dos amigos. A realidade agora é digital e de vez em quando alguém fica com a imagem borrada ou com a voz deturpada pelas redes precárias que usamos, quando não desaparecem simplesmente com conexões perdidas, como se Platão tivesse apagado a fogueira.

Quando finalmente sairmos, poderemos ter a sensação de ter participado de um filme como Matrix ou Show de Truman onde a realidade foi comandada por Bill Gates, Sergey/Page ou o chinês do Zoom.

Mas essa realidade paralela não acontece só agora na caverna-office. O mundo das redes sociais criou universos paralelos ou bolhas daquelas projetadas para permitir vida em Marte. Cada grupo vive sua ideologia e sente em relação aos das outras bolhas um ódio platônico(para não trocar de filósofo), que pode chegar às vias de fato, se houver manifestações presenciais no mesmo local e hora.

As realidades distorcidas pela fogueira ideológica projetam sombras na forma de fake news, teorias conspiratórias, textos com autores improváveis, estatísticas tortas e discursos de ódio replicados sem o mínimo cuidado de verificar autenticidade.

O fato é que essa caverna-office obrigatória, com seu potencial de desestabilizar emocionalmente qualquer um, amplia a oportunidade de se dedicar às discussões das redes com mais rancor ideológico, entre cloroquinas e ivermectinas, isolamentos verticais ou horizontais, protocolos e aberturas, TVs contra ou a favor e globalismos e queimadas.

Nessa hora ficamos mais parecidos com nossos antepassados trogloditas em suas cavernas, muito antes de Platão.

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Como o Zoom no home-office altera a Lei de Parkinson

Preguiçosos e stakhanovites

Como o home-office afetou uma lei clássica sobre o trabalho

The Economist – 11 de julho de 2020

Nas leis do trabalho, uma que foi proposta por C. Northcote Parkinson, historiador naval, foi admiravelmente sucinta: “O trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para sua conclusão”. Seu artigo, publicado pela primeira vez no The Economist em 1955, resistiu ao teste do tempo, no sentido de que as pessoas ainda se referem à “lei de Parkinson”. Mas a experiência da vida profissional durante a pandemia sugere que poderíamos propor três corolários para o teorema.

No início de seu artigo, Parkinson citou o caso de uma senhora idosa que precisava de um dia para enviar um cartão postal para sua sobrinha. O processo envolveu o tempo gasto na busca de óculos, cartão postal e guarda-chuva, além de compor a mensagem. Os detalhes podem ser datados, mas a idéia ainda é poderosa – diante de uma tarefa, as pessoas procrastinam.

Quando se trata de trabalho de escritório, os incentivos para demorar são bastante claros. Concluída uma tarefa rapidamente, o funcionário receberá outra. Essa segunda tarefa pode ser ainda mais desagradável que a primeira. Os trabalhadores podem acabar como um hamster em uma esteira, presos em um ciclo interminável de esforço desnecessário.

Os funcionários de escritório sabem, no entanto, que o trabalho em si não é a única coisa. É importante ser visto trabalhando. Isso leva ao “presenteísmo” – ficar em sua mesa por tempo suficiente para impressionar o chefe (e até aparecer quando estiver doente). Na era pré-internet, isso envolveria uma reformulação interminável de memorandos, longas ligações telefônicas ou uma observação minuciosa dos documentos. Graças ao trabalho pioneiro de Tim Berners-Lee, o presenteísmo agora exige menos esforço: muitas horas podem ser desperdiçadas na rede mundial de computadores.

Ao trabalhar em casa, o chefe está fora da visão, mas não da mente. De um modo geral, o resultado é dividir os trabalhadores em dois grupos. O primeiro grupo, dos preguiçosos, passam o home-office trabalhando com o nível mínimo de esforço com o qual podem se safar. Eles não precisam enrolar cada tarefa; eles fazem o que é necessário e passam o resto do dia livre, enviando o trabalho imediatamente antes do prazo. Para esse grupo, a lei de Parkinson pode ser alterada da seguinte maneira: “Para os despreocupados, quando não observados, o trabalho diminui para preencher o tempo necessário”.

O segundo grupo adota a abordagem oposta. Consumidos pela culpa, pela ansiedade em relação à segurança ou ambição no trabalho, eles trabalham ainda mais do que antes. Estando em casa, eles não encontram uma demarcação clara entre tempo de trabalho e lazer. Este grupo é o Stakhanovites (nome de um mineiro heroicamente produtivo na União Soviética). Eles exigem sua própria emenda: “Para os trabalhadores ansiosos em casa, o trabalho se expande para preencher todas as horas acordados”.

Mas Parkinson estava elaborando um argumento muito mais amplo do que a tendência das pessoas a serem relaxadas. A maior parte do seu artigo estava preocupado com o crescimento da burocracia no governo. Ele alertou que a contratação de mais funcionários públicos não levou necessariamente a um trabalho mais eficaz.

Essa tendência resultou de dois fatores. Primeiro, as autoridades querem multiplicar subordinados, não rivais. Segundo, os funcionários tendem a trabalhar um para o outro. Qualquer funcionário que se sentir sobrecarregado solicitará dois subordinados (pedir apenas um criaria um rival). O funcionário sênior passará muito tempo verificando o trabalho de seus subordinados.

Como esse processo se aplica no home office? Como sua equipe, os gerentes também querem parecer úteis. No escritório, eles podem parecer ocupados andando e conversando com suas equipes. Em casa, isso é mais difícil; uma ligação é mais intrusiva do que uma conversa casual. A resposta é organizar mais reuniões do Zoom.

A revista ouviu de vários contatos nas últimas semanas que eles passam o dia pulando de uma reunião do Zoom para outra. Assim, como Parkinson sugeriu, os gerentes estão fazendo mais trabalho um para o outro. Daí a terceira emenda à lei: “No home-office, o Zoom se expande para preencher todo o tempo disponível do gerente”.

Na medida em que essas reuniões forem opcionais, isso cria outra divisão entre preguiçosos e stakhanovites. O primeiro grupo evitará essas reuniões e o segundo se inscreverá em todas elas. Além disso, antes do home-office, os funcionários podiam ganhar pontos comparecendo a essas reuniões, desde que atraíssem a atenção do chefe. A mera participação é insuficiente para uma reunião do Zoom; é preciso ser visto e ouvido. Por sua vez, isso prolonga as reuniões do Zoom, gastando ainda mais o tempo dos gerentes e seus subordinados stakhanovites (muitos preguiçosos ainda precisam aprender a usar o botão “levantar a mão”). É uma versão digital do trabalho burocrático descrito por Parkinson 65 anos atrás.

https://www.economist.com/business/2020/07/11/slackers-and-stakhanovites

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Amazônia, protagonista da bioeconomia

Interromper a devastação é o ponto de partida para incluir a Amazônia no radar dos investimentos em bioeconomia

09/07/2020 no Valor Econômico

Por Ricardo Abramovay

As florestas tropicais estão ausentes da mais consagrada literatura científica e de políticas públicas sobre bioeconomia. As Academias de Ciências, de Engenharia e de Medicina dos EUA acabam de publicar um relatório mostrando que a bioeconomia corresponde a 5% do PIB americano, que a competição global em torno das conquistas tecnológicas da área se intensifica e que os dispositivos da revolução digital estão fazendo da bioeconomia uma das fronteiras científicas mais importantes para o desenvolvimento sustentável. Mas é em vão que o leitor procurará no texto alguma referência às florestas tropicais.

O relatório do Conselho Alemão de Bioeconomia sobre as estratégias de bioeconomia ao redor do mundo localiza 50 países já dotados de planos para o setor. Mas quando se trata de florestas, a ênfase é na produção de biomassa para substituição de energias fósseis ou para a elaboração de novos materiais, sobretudo nos países de clima temperado. Mesmo no trabalho recente da Cepal, “Towards a Sustainable Bioeconomy in Latin America and the Caribbean”, as florestas tropicais não são decisivas na bioeconomia sustentável.

Para os nove países em cujos territórios encontra-se a maior floresta tropical do planeta – e sobretudo para o Brasil – esta ausência só pode ser tratada como um paradoxo. Pior, como trágica anomalia. A Amazônia possui 40% dos remanescentes de floresta tropical no mundo e 25% da biodiversidade terrestre, com 40 mil espécies de plantas. Sua rede fluvial (a maior do planeta), concentra mais espécies de peixes que qualquer outro sistema de rios. O carbono que ela armazena é equivalente a mais de dez anos das emissões globais de gases de efeito estufa.

Não basta impedir sua destruição, embora este seja o ponto de partida para que suas gigantescas riquezas sejam aproveitadas. Os países onde está o epicentro científico e tecnológico da bioeconomia global (Estados Unidos e Alemanha) possuem centros de pesquisa, empresas, movimentos sociais, organizações financeiras, em suma, uma rede diversificada de atores voltada a encontrar soluções para substituir energias fósseis e moléculas sobre as quais vão se apoiar algumas das mais notáveis inovações do Século XXI em alimentação, energia e produção de materiais.

Interromper a devastação, respeitar a cultura material e espiritual dos povos da floresta é apenas o ponto de partida para enfrentar um desafio maior que é a inclusão da Amazônia no radar das iniciativas e dos investimentos em bioeconomia. Esta inclusão não é importante apenas para a Amazônia e sim para o Brasil, pois representa a oportunidade de valorizar ativos dos quais o restante do mundo não dispõe e, por aí, reduzir a distância que nos separa da inovação científica e tecnológica global.

A discussão pública sobre este tema ganhou novo ímpeto com os artigos publicados pelo ministro Luís Roberto Barroso em co-autoria com a professora Patrícia Perrone Campos Mello na “Folha de São Paulo” e na “Revista de Direito da Cidade”. O debate foi enriquecido pela carta pública que Denis Minev dirigiu a Barroso e Campos Mello1. Denis Minev conhece a Amazônia não só por estudá-la e nela ter exercido cargos públicos, mas por dirigir hoje uma das mais importantes redes de varejo do interior da região, a Bemol e por ter atuado como “investidor anjo” em diversos projetos.

Neste debate, não se trata de polir a “imagem” da Amazônia, como se houvesse recurso publicitário capaz de apagar o que os dados da devastação revelam. Trata-se sim de estabelecer as premissas de uma verdadeira estratégia para que ciência, tecnologia, informação e conhecimento sejam os vetores do uso dos recursos na região. O primeiro passo neste sentido consiste em levar a ciência a sério.

Como diz a carta de Minev, o mais importante centro de pesquisa da região, o Inpa, tem orçamento de R$ 50 milhões. Só a Universidade de Stanford conta com recursos de US$ 6,8 bilhões. O Brasil possui doutores vivendo na Amazônia e centros de pesquisa que poderiam fazer avançar muito o conhecimento e a utilização prática da sua biodiversidade, com base na melhor ciência. Mas não existe uma estratégia nacional nesta direção. É como se o país tivesse se habituado com a posição de fornecedor de commodities e renunciado a qualquer ambição de ter alguma importância na fronteira global da inovação.

Esta renúncia se traduz na tolerância com o status quo de ilegalidade que impera na região. Além da criminalidade, a ilegalidade se difunde de forma pervasiva por todo o tecido econômico da Amazônia e se ergue como obstáculo a iniciativas sustentáveis envolvendo atores diversificados. E a própria concepção predominante de infraestrutura na Amazônia hoje reflete a ambição míope de fortalecer as cadeias de valor menos promissoras da região e que, além de não gerar retorno expressivo aos que nela habitam, acabam sendo vetores de desmatamento.

Mais que meios de transportes de grãos e carnes, a Amazônia precisa de conexão de alta velocidade, de soluções sustentáveis para seus problemas de acesso a saneamento básico e incentivos a tecnologias modernas e descentralizadas para a geração de energia.

O Brasil democrático quer a Amazônia em pé. Os povos da floresta, os empresários responsáveis, os investidores com visão de futuro, as organizações ativistas e a cooperação internacional são os principais componentes de uma rede rede que só vai conseguir fazer jus ao que a Amazônia representa para o Brasil quando houver governantes que assumam a liderança de uma estratégia para que sejamos protagonistas da bioeconomia global.

Ricardo Abramovay é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Autor de Amazônia. Por uma economia do conhecimento da natureza (Ed. Elefante/Outras Palavras). Twitter @abramovay

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/amazonia-protagonista-da-bioeconomia.ghtml

As novas gerações querem trabalhar em empresas com propósito

 por Evandro Milet

A missão é o que uma empresa faz, a visão mostra para onde ela vai, a cultura é a maneira como as coisas são feitas por ali, os valores indicam o seu comportamento e o propósito esclarece porque ela existe, que problemas pretende resolver e quem ela quer ser para cada pessoa tocada pelo seu negócio.

A famosa pirâmide de Maslow, que coloca, de baixo para cima, as necessidades humanas  para alcançar a satisfação profissional, está sendo contestada, na prática, pelas novas gerações entrando no mercado de trabalho. Elas exigem, com alta prioridade, algo mais básico: um propósito para a empresa onde querem trabalhar, e esse objetivo é mais moral que empresarial.

Exemplos recentes, em empresas de renome, mostram como isso tem acontecido. A Amazon recebeu abaixo assinado de 6700 funcionários demandando políticas ambientais claras e criticando contratos com petroleiras que usam o serviço de nuvem da empresa. Funcionários do Google solicitaram que a empresa desistisse de executar um programa que usa inteligência artificial para analisar imagens feitas com drones para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Eles querem que a empresa se comprometa a nunca desenvolver tecnologia de guerra. Funcionários da Salesforce exigiram o fim da relações comerciais da companhia com a agência americana de controle de fronteiras, acusada de separar crianças de pais que tentavam entrar ilegalmente nos EUA.

Para atender essas demandas, as empresas procuram se antecipar e definir claramente um propósito, que deve refletir a real atuação da empresa, sem hipocrisia, e que seja seguida de fato por toda a direção. A Southwest Airlines definiu seu propósito: “Conectar as pessoas ao que é importante em suas vidas através de viagens aéreas amigáveis, confiáveis e de baixo custo”. Empregados de uma empresa farmacêutica recebem  a cada semestre um grupo de pacientes tratados com os medicamentos produzidos por ela. Propósito: “Fazer agora o que os pacientes precisarão no futuro.” A Tesla colocou como seu propósito “Tornar o transporte sustentável disponível para mais pessoas”. 

Algumas vezes essa declaração de propósito fica parecida com a missão. A diferença é essa conotação social ou moral. As novas gerações querem fazer a diferença de alguma forma e trabalharão com mais afinco quando acreditarem no propósito da empresa.

Importante no caso brasileiro é incluir as pautas sociais como desemprego e eliminação da miséria, que não aparecem nas reportagens sobre o assunto nos países desenvolvidos, preocupados com outros temas, também relevantes, como meio ambiente, diversidade, guerras ou imigrantes.

Novos temas como propósito, responsabilidade social, valor compartilhado, negócios sociais e felicidade estarão cada vez mais presentes na gestão das empresas.

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Como uma empresa brasileira de tecnologia cresceu 30 vezes na pandemia – articulações e parcerias

Operação de Guerra

Por Denyse Godoy – Revista Exame – Publicado em: 02/07/2020 -(Artigo resumido por Evandro Milet) 

Os fundadores da fabricante paulista de respiradores mecânicos Magnamed — Wataru Ueda, Tatsuo Suzuki e Toru Kinjo — não imaginavam enfrentar uma emergência que os obrigasse a multiplicar por mais de 30, do dia para a noite, sua capacidade de produção. 

O sucesso da empreitada — um conforto para um Brasil que continua registrando aumento de casos da infecção respiratória covid-19 — só vem sendo possível graças à parceria com companhias tão diferentes quanto produtoras de papel e celulose e fabricantes de gases industriais e à afinação com diversas instâncias do governo. Essa é uma história que aumenta a esperança no futuro.

O encontro com a KPTL que é, junto com os três fundadores e a gestora Vox Capital, uma das donas da Magnamed, se deu em 2008, na incubadora de empresas tecnológicas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a Cietec, que hospedava a Magnamed. A KPTL começou a investir na startup por meio de um fundo de investimento que tinha 80% de seus recursos provenientes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e 20% do Banco do Nordeste.

No início, a Magnamed queria centrar sua atividade no encolhimento de peças de equipamentos médicos, mas acabou encontrando seu filão nos ventiladores, um ramo no qual Ueda e Suzuki, engenheiros formados pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), haviam atuado juntos quando eram funcionários de outra empresa. Como boa startup, a companhia de tecnologia médica foi montada na garagem da casa de Ueda, em 2005, e logo depois Kinjo entrou.

Foi só quando o Ministério da Saúde bateu à porta da empresa com sede em Cotia, na Grande São Paulo, com uma encomenda de 15.000 respiradores para os fabricantes nacionais — o equivalente a sete vezes sua produção anual —, em 19 de março, que a Magnamed entendeu o tamanho da pandemia. 

Primeiro, seria necessário checar com os fornecedores de peças se poderiam entregar um volume maior. Naquele momento, os poucos produtores de componentes nacionais estavam sendo disputados pelas fabricantes de respiradores. No grupo de WhatsApp que mantém com os colegas de sua turma do ITA, onde se formou em 1982, Ueda mencionou então o projeto e as dificuldades que vislumbrava no caminho.

O amigo Walter Schalka, presidente da Suzano, maior fabricante de celulose do país, resolveu ajudá-lo acionando a rede de representantes da Suzano no exterior para encontrar mais fornecedores. Sua concorrente Klabin, que também tem fortes laços comerciais com a China, reforçou a busca. A fabricante de computadores paranaense Positivo acionou seus contatos para procurar os componentes usados na placa de controle dos ventiladores. Outro gargalo estava na montagem das máquinas.

A linha de produção da Magnamed em Cotia conseguia fabricar apenas 200 respiradores por mês. Por indicação do ministério e de executivos próximos à empresa, a Magnamed acabou chegando à Flex (antiga Flextronics), multinacional americana especializada na produção terceirizada de equipamentos eletrônicos, que tem uma fábrica em Sorocaba, no interior de São Paulo. Contando com a capacidade da Flex, em 23 de março a Magnamed informou ao governo que conseguiria entregar 6.500 respiradores em um período de seis meses.

O passo seguinte foi encontrar recursos para comprar os insumos necessários à produção. Faturando cerca de 40 milhões de reais por ano, a Magnamed operava com um capital de giro apertado. A Suzano lhe emprestou 10 milhões de reais sem custo e com 45 dias para pagar. A Magnamed procurou depois o BNDES, seu investidor desde o início, e não obteve nem 1 real porque o banco não tinha uma regulamentação para esse tipo de financiamento.

Mas o BV (o antigo Banco Votorantim) lhe deu um empréstimo-ponte de 20 milhões de reais sem aval — a instituição criou um fundo especial para financiar as fabricantes nacionais de respiradores durante a pandemia. 

No fim, o Ministério da Saúde adiantou 129 milhões dos 322,5 milhões de reais do contrato. A fabricante de aviões Embraer usinou 8.000 peças de aço em um fim de semana, cobrando apenas o valor da matéria-prima, a General Motors ajudou no redesenho da linha de montagem da Magnamed em Cotia e a fabricante de gases White Martins forneceu oxigênio para o teste dos respiradores na fábrica da Flex (que também está produzindo para outras duas empresas nacionais).

Com a Flex, a fabricante de respiradores pode dizer que sua capacidade de produção anual subiu para 64.000 unidades. “Sabemos que podemos contar com nossos parceiros para projetos grandes. O Brasil tem as condições de virar um polo tecnológico na área médica”, afirma Ueda, presidente da Magnamed.

Agora o projeto atingiu a velocidade de cruzeiro, e a Magnamed planeja o futuro. Não espera que o faturamento deste ano, estimado em 390 milhões de reais por causa da pandemia, vá se repetir, tampouco deverá regredir ao tamanho que tinha no ano passado. A covid-19 chamou a atenção para a necessidade de hospitais públicos e privados aumentarem  seu estoque de ventiladores pulmonares.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que os ventiladores sejam substituídos a cada cinco anos de uso, e o governo brasileiro estima que o parque local tenha idade média de 12 anos. A Magnamed aposta que os novos clientes conquistados durante a crise continuarão comprando seus equipamentos ao fazer a troca.

“Quando posto à prova, o brasileiro mostra sua competência técnica e capacidade de pensar em soluções”, diz Leandro Santos, presidente da Flex.

Algoritmos também têm preconceitos

por Evandro Milet

Se você consultar as imagens no Google sobre pele bonita, pessoas bonitas ou felizes ou inteligentes ou competentes, aparecerão, na grande maioria, pessoas brancas. Se a consulta for “beleza”, veremos pessoas brancas, ocidentais e ricas. Se a palavra for “casais” aparecerão brancos, ricos e héteros. Se a consulta for “criminosos” ou “bandidos”, não veremos colarinhos brancos. Para “violência doméstica”, surpreendentemente, as imagens são praticamente só mulheres brancas.

Esse exemplos mostram como o viés algorítmico está entranhado nas aplicações de inteligência artificial(IA). O machine learning é um esquema bruto de aprendizagem. Para ele entender o que é um cachorro ou um gato, milhares de imagens desses animais devem ser alimentados por pessoas no sistema para que ele conheça todos as variedades de tipos. 

Da mesma forma, no primeiro parágrafo, as plataformas usam pessoas para identificar os tipos nas consultas apresentados. E essas pessoas, de carne e osso, têm uma visão moldada pela sua vivência, naturalmente com todas as deturpações causadas pelos preconceitos e diversidade com que lidaram ao longo da vida.

Recentemente, essa deturpação se refletiu nos algoritmos de reconhecimento facial que faziam identificações erradas mais com pessoas de pele negra ou latinos do que com brancos nos Estados Unidos. Certamente porque os algoritmos foram ensinados com estereótipos equivocados. O mesmo problema acontece com sistemas de IA que analisam currículos ou formulários de financiamento em bancos.

De forma crescente, os algoritmos nos sistemas de e-commerce, nos mecanismos de busca, nas redes sociais, nos aplicativos de relacionamento das empresas e nas plataformas em geral usam sistemas de IA para interagir com o público, aprendendo tudo sobre as pessoas e tomando decisões autônomas com base nas referências usadas nos programas de computador que criaram esses algoritmos e nos seus dados. E esses programas foram feitos por desenvolvedores humanos e que têm sua própria percepção de mundo. 

O momento no mundo onde se discute como nunca racismo, diversidade, pautas identitárias, preconceitos, igualdade de oportunidades e desigualdade de renda exige que o histórico incrustado na cabeça das pessoas não seja transportado para os algoritmos e que a IA seja de fato inteligente e justa.

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Curiosidades da pandemia: a camisa Zoom e outras histórias

por Evandro Milet

Camisa Zoom  

O New York Times mostra a verdade para os homens: se você permaneceu trabalhando durante a pandemia, você tem uma camisa Zoom. Ela estará nas costas da sua cadeira de trabalho ou em um cabide por perto. E você a vestirá momentos antes de começar a reunião virtual. Como as gravatas que o ex-Presidente Lyndon Johnson tornou famosas e que já estavam prontas, com o laço dado. Era só enfiar no pescoço pela cabeça. A camisa Zoom ideal é assim: boa para aparecer em qualquer tipo de reunião e já abotoada de preferência, bastando enfiar pela cabeça. Como as reuniões acontecem de vez em quando e você não está saindo, pode lavar só a cada semana ou duas semanas.(é bom que seja fácil de lavar sem precisar passar).

A camisa Zoom é a última palavra em roupa Zoom e tem uma etiqueta apropriada: paletós e gravatas, nem pensar, até porque todo mundo sabe que você está com o laptop talvez em cima da mesa de jantar e com uma pilha de louça adiante. Se a pessoa exagerar na roupa vai parecer um pouco pretensiosa. E que não tente levantar na frente da câmera porque a parte de baixo pode ter só pijama. 

O batom como medidor econômico 

Por ser item de preço relativamente baixo e resultado imediato, ele se tornou aliado feminino em tempos de crise, dose extra e barata de autoestima. O primeiro a entender essa lógica foi Leonard Lauder, herdeiro do grupo de estética Estée Lauder. Em 2001, depois do pandemônio deflagrado pelos ataques terroristas de 11 de setembro, ele percebeu inusitado crescimento de vendas. O fenômeno sugeriu a ele a ideia do “efeito batom” — a busca feminina pela beleza contra a dureza do cotidiano, e um olhar para o crash da bolsa de 1929 entregou reação parecida. Enquanto setores industriais patinavam, os produtos de maquiagem vendiam como pão quente.

Com o uso atual de máscaras, porém a coisa ficou complicada. O mercado mundial de batons teve a maior queda desde 2015: de 67,2 para 64,5 bilhões de dólares entre 2019 e 2020. O mercado brasileiro também encolheu de 3,1 para 2,8 bilhões de dólares nesse período.

No Brasil, por exemplo, a busca no Google pelo termo “batom” atingiu o pior patamar dos últimos seis anos, desde o início da quarentena. Mas não será assim para sempre, evidentemente. A gradual retomada da normalidade possível permitirá despontar, em casa, na rua, em todo o mundo, mulheres lindas e empoderadas que farão do batom, mais uma vez, uma arma pacífica. 

https://veja.abril.com.br/entretenimento/a-queda-de-venda-de-batons-define-os-tempos-de-crise/

Viagem fake 

Está com saudades da experiência de viajar? Um aeroporto de Taiwan tem a solução: um itinerário falso no qual você faz o check-in, passa pelo controle de segurança e até embarca na aeronave – mas não decola.

O aeroporto de Songshan, no centro de Taipei, começou a oferecer essa experiência na quinta-feira, 2, com aproximadamente 60 participantes ansiosos.

Cerca de 7 mil pessoas se inscreveram para participar. Os vencedores foram escolhidos aleatoriamente. Mais experiências de voo falsas ocorrerão nas próximas semanas.

Os passageiros receberam cartões de embarque e passaram pela segurança e imigração antes de embarcarem no Airbus A330 da maior companhia aérea de Taiwan, a China Airlines, onde os comissários de bordo conversavam com eles.

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,taiwan-oferece-voos-falsos-para-turistas-saudosos,70003353452

Carros passeiam no Shopping Botucatu 

O shopping de Botucatu (SP) começou a atender pelo sistema “drive-thru” e, para isso, liberou a entrada dos carros dentro dos corredores do prédio para os clientes retirarem os produtos na porta das lojas.

Segundo o shopping, a medida foi tomada para “manter a segurança dos clientes e seguir as recomendações de isolamento durante as ações de prevenção ao coronavírus”.

Além disso, haverá sinalização para regrar a velocidade e o sentido do fluxo dos veículos dentro do estabelecimento. Não serão permitidos carros movidos a Diesel e motocicletas.

O drive-thru está liberado somente para a retirada, já a escolha e compra de produtos devem ser feitas antecipadamente pelos canais de cada loja. O shopping informou que a prova de roupas e análise das peças não serão autorizadas.

Antes da entrada no estabelecimento, os veículo também vão passar por uma triagem, que vai analisar as condições higiênicas do veículo, se há fumaça ou vazamento de óleo.

Não foi a primeira vez que uma medida inusitada chamou a atenção em um shopping do interior de SP. Um centro de compras localizado entre os municípios de Votorantim e Sorocaba foi “dividido”  pela flexibilização do comércio.

Como Sorocaba estava na fase vermelha do Plano SP, as lojas localizadas na área do shopping que pertencem ao município precisaram ficar fechadas. Já as lojas da área de Votorantim continuaram funcionando normalmente.

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Mundo digital, que já era acelerado, deu um salto

por Evandro Milet

Em 1965, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, fez uma das maiores sacadas do mundo digital. Ele previu que a capacidade de processamento e armazenamento dos chips dobraria a cada 18 meses. Isso tem acontecido sistematicamente há mais de 50 anos( os computadores quânticos prometem agora quebrar essa tradição, com sua computação não binária). 

Desde 1965 vivemos então um normal no mundo digital: a convivência com uma exponencial que coloca no nosso bolso a capacidade de processamento dos supercomputadores do final do século passado, leva o custo de armazenamento de informações para quase zero e permite comunicações quase instantâneas como estamos presenciando com o 5G.

Essa infraestrutura criou coisas fantásticas que surpreendem mesmo aqueles que convivem desde sempre como eu, quase junto com o Gordon Moore, com novidades surpreendentes todas as semanas.

Verdade que durante anos, aqueles que tentaram prever o futuro costumavam subestimar o que acontecia com o hardware e superestimar o que acontecia com o software. Parece que isso foi superado pela dinâmica do capitalismo de startups que colocou milhões de empreendedores, em todo o mundo, a disponibilizar no mercado soluções digitais para todos os problemas e todas as dores do mundo. O espírito animal dos empresários, na forma digital, acelerou tudo, inclusive a destruição criativa de Schumpeter, talvez mais para hecatombe criativa.

Grandes empresas ou pelo menos grandes promessas, mesmo digitais recentes, algumas inclusive que costumavam ficar nas listas das maiores durante dezenas de anos agora sucumbem ou balançam seriamente uma atrás da outra. Já foram engolidas Kodak, Xerox, Motorola, Nokia, Blockbuster, Macy’s, Sears, Yahoo, Blackberry, Orkut, Compaq, DEC, Sun, Sega, HP, Atari, muitas de aviação, muitos bancos e muitas do varejo.

Em 1970, completando agora 50 anos, foi lançado o grande best seller do futurismo, o livro “O Choque do futuro” do visionário Alvin Toffler. Ali, em paralelo com a exponencial de Gordon Moore, ele anteviu o correio eletrônico, a mídia interativa, os chats, as videoconferências, o trabalho em casa e criou a figura do prosumidor, mistura de consumidor com produtor, popularizada nos auto serviços e até no mundo maker atual. Toffler inclusive afirmou a verdade repetida sem paternidade hoje que “ o analfabeto do século 21 não será aquele que não souber ler e escrever, mas aquele que não souber aprender, desaprender e reaprender”

Ele previu o trabalho em casa, a economia compartilhada para usar em vez de possuir, a sobrecarga de informações propiciada pela proliferação de computadores pessoais e redes, os assistentes pessoais digitais e a adhocracia, uma maneira de organização de empresas sem estrutura formal como aliás funcionam muitas startups hoje.

Duas de suas previsões, contestadas por críticos durantes tempos, caem como bomba em tempos de pandemia: ele previu que as cidades perderiam importância com a migração do trabalho dos escritórios e fábricas para as casas e que a sobrecarga de informações e dados provocariam isolamento social. Pode não ser definitivo, mas está acontecendo com muita gente querendo morar em lugares mais ecológicos e trancados em casa.

O fato é que o nosso normal, de viver a exponencial do mundo digital, foi disruptado(existe isso?) e a curva acentuada virou vertical de repente, com a pandemia provocando uma antecipação de futuros. Coisas que a exponencial digital traria em 5 ou 10 anos foram jogadas na necessidade do presente e aceleradas na educação, saúde, trabalho, lazer, justiça, governo, comércio e todo o resto.

Muita gente considera a expressão “O Novo Normal” como algo estanque ou acomodado. Nada mais equivocado. Não tem sido assim por 50 anos e continuará não sendo. Mas queremos nossa curva exponencial de volta, já acostumamos com ela. Esse será o nosso novo normal, já incorporado das descontinuidades da pandemia, isto é, provavelmente.

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