Como Reed Hastings, o criador da Netflix, reescreveu o script de Hollywood

Dawn Chmielewski  Forbes  11 de setembro de 2020 

CEO e cofundador da maior plataforma de streaming do mundo aposta em modelo de autonomia dos funcionários e lista de talentos

O homem responsável por manter o mundo entretido faz tudo, pelo menos hoje em dia, sozinho, na frente de uma tela de computador, no quarto de seu filho. De certa forma, é o cenário perfeito para Reed Hastings, o despretensioso cofundador e coCEO da Netflix, cujo exército global de inovadores revolucionou o entretenimento doméstico. Enquanto Hollywood mede os escritórios pelo tamanho, o analítico Hastings –um intruso do Vale do Silício– valoriza a funcionalidade em vez das armadilhas tradicionais da indústria.

Atualmente, a Netflix funciona em altíssimo nível. Enquanto o ano da pandemia subverte as empresas de entretenimento –os parques temáticos da Disney, os sucessos de bilheteria liberados da Warner Bros e os cinemas fechados da AMC– a Netflix está tendo seu momento de brilho. Um momento de prestígio, com um recorde de 160 indicações ao Emmy, ultrapassando a HBO, há muito tempo dominante na premiação, e maior presença no Oscar do que qualquer outra empresa de mídia. Um momento de influência, somando quase tantos clientes nos primeiros seis meses deste ano do que em todo o anos de 2019, estendendo seu alcance para quase 200 milhões de assinantes em 190 países. E, por fim, um momento de ganhos, com vendas aumentando 25% ano após ano, lucros mais do que dobrando e seu ações se valorizando em 50%, já que a maior parte do mercado gira descontroladamente apenas para zerar as contas. Capitalização de mercado atual: US$ 213,3 bilhões.

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Todos esses dados servem como informação sobre os gostos de seus usuários. “Basicamente, queremos ser melhor na criação de histórias de que as pessoas queiram falar e assistir do que qualquer um de nossos concorrentes”, diz Hastings à Forbes.

Os rivais receberam o memorando e gastaram bilhões para enfrentar a Netflix, seja por meio do Disney+, do HBO Max da WarnerMedia ou do novo Peacock da NBCUniversal. Hastings fala encolhendo os ombros: “O que as pessoas esquecem é que sempre foi uma competição intensa. Por exemplo, a Amazon começou o streaming ao mesmo tempo que nós, em 2007. Portanto, estamos competindo com a Amazon há 13 anos”.

Justo. Mas, para a Amazon, o streaming certamente tem sido um líder em perdas que pode gerar compras no Prime. Para Jeff Bezos, o entretenimento sempre será uma atividade secundária. Hollywood, enquanto isso, pode aproveitar suas bibliotecas de conteúdo e know-how, mas o que faz a Netflix funcionar é algo quase impossível de as empresas baseadas no ego e na imagem replicarem: uma cultura de desapego e transparência, combinada com reinvenção perpétua e rápida.

Tudo isso veio à tona em meio ao momento mais perturbador para o entretenimento em pelo menos uma geração. De certa forma, Hastings, que está na posição 132 da lista Forbes 400, dos norte-americanos mais ricos, com um patrimônio líquido de US$ 5 bilhões, tem se preparado para esse momento nas últimas duas décadas. O que o homem de 59 anos faz agora e como ele alavanca essa cultura –uma cultura incomum mesmo para os padrões da indústria de tecnologia– determinará o que você vai assistir, rir com e chorar sobre nas próximas duas décadas.

Jeitinho Netflix

Se Hastings parece estranhamente confortável em meio ao desastre do ano de 2020, talvez seja porque a cultura de sua empresa foi criada na crise. Um negócio nascente em 2001, a Netflix viu seu financiamento secar após o estouro original das pontocom. Então, veio o 11 de setembro. Com a aproximação do fim daquele ano terrível, Hastings precisou demitir um terço de seus funcionários.

Para fazer isso, ele e Patty McCord, chefe de talento da Netflix, tentaram diligentemente identificar os de melhor desempenho, chamando-os de “detentores”. À medida que se aproximava o dia da demissão em massa, ele estava tenso, temendo que o moral despencasse, com os que permaneciam ficando amargos com o aumento da carga de trabalho.

O oposto ocorreu. Com os funcionários meramente competentes afastados, o escritório estava energizado, “fervilhando de paixão, energia e ideias”. Hastings descreve as demissões como sua “experiência no caminho para Damasco”, um momento esclarecedor que mudou sua compreensão da motivação e liderança dos funcionários. Ele estabeleceria a base para o que pode ser chamado de Netflix Way, o sucessor da era da web do HP Way, abordagem de gestão pioneira de Bill Hewlett e David Packard que criou uma das primeiras histórias de garagem para a grandeza do Vale do Silício.

O Netflix Way, o Jeito Netflix, começa com a construção de uma lista de talentos de elite. No novo livro de Hastings, “A Regra É Não Ter Regras”, ele compara a cultura de sua empresa à de um time profissional de esportes –um que trabalha e se esforça um pelo outro, mas não derrama lágrimas quando um colega de equipe é descartado em favor de uma melhora na equipe. Os troféus perenes exigem a contratação perpétua de artistas de alto desempenho.

Ricardo Ceppi/Getty Images

Ricardo Ceppi/Getty Images

Parte do elenco da série de sucesso “Stranger Things”, da Netflix

Então, o que isso realmente significa em termos de funcionamento da Netflix? Primeiro, vale a pena garantir o talento certo. Essa prática começou em 2003, quando a Netflix começou a competir com Google, Apple e, em depois, Facebook cujas habilidades de codificação, depuração e programação altamente refinadas superaram dramaticamente seus pares médios. Ele estendeu essa generosa compensação aos executivos criativos que trabalham em Hollywood, desde os com mais conexões (Matt Thunell, cujos laços com a comunidade de talentos o permitiram ler um primeiro rascunho da série de ficção científica “Stranger Things” durante um almoço em Hollywood) aos visionários (Shonda Rhimes, Joel e Ethan Coen e Martin Scorsese). A cooperação trouxe como sucessos iniciais as séries “House of Cards” e “Orange Is the New Black”.

“No início, fomos capazes de atrair pessoas rebeldes, que foram sufocadas pelo ambiente do estúdio ou que não foram longe o suficiente no sistema para serem arruinadas”, diz Patty. “Nós apenas passamos grandes cheques. ‘Eu sei que parece loucura. Eu sei que você não tem um assistente pessoal e não consegue nem uma vaga de estacionamento. Mas que tal darmos a você essa grande pilha de dinheiro?’”

Essas pilhas são entregues de forma limpa. Os pacotes de pagamento da empresa vêm integralmente como salário, com tanta ou tão pouca compensação quanto você desejar em opções de ações; a Netflix não acredita em bônus, uma vez que Hastings acha que pode recompensar as coisas erradas. “São as especificidades de tentar responsabilizar alguém que tropeça em você”, diz ele, acrescentando: “Nós avaliamos as pessoas, mas não microgerenciamos as metas”.

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Como consequência, porém, essas pessoas, todas pagas como estrelas, devem continuar a funcionar como tais. Nenhuma parte da empresa tolera comodismo após atingir as metas. “Desempenho adequado recebe um pacote de indenização generoso”, escreveram Hastings e Patty em uma apresentação de 129 páginas no SlideShare sobre a cultura da Netflix, amplamente compartilhada há uma década e por anos presente no site da empresa.

“Nós descrevemos isso como ser cortado de uma equipe olímpica. E é super decepcionante. Você treinou toda a sua vida para isso, você é cortado, e isso é de partir o coração”, diz Hastings. “Mas não há vergonha nisso. Você tem a coragem de tentar.”

Estendendo a analogia do esporte, essa equipe de jogadores de elite, ao confiar nas habilidades excepcionais uns dos outros, se comunicará abertamente e coletivamente para melhorar o jogo. De certa forma, é parecido aos tão promovidos “Princípios” de transparência brutal de Ray Dalio na Bridgewater Associates, o maior fundo de hedge do mundo. E não é para todos. Um ex-executivo descreve o ambiente de trabalho como uma “cultura do medo” em que “todos estão se machucando a cada momento –porque você é recompensado”. O processo de revisão anual, denominado “360”, culmina em jantares nos quais pequenos grupos se reúnem para fornecer feedback construtivo.

“Cada um dá um feedback sobre aquela pessoa, ao vivo, na frente de todos”, diz o ex-executivo, que pediu anonimato. “Você dá a volta na mesa. Isso dura horas. As pessoas choram. Então você tem que dizer ‘Obrigado, porque isso está me tornando uma pessoa melhor.’”

Para Hastings, essas análises “360” são um componente necessário por causa de outro elemento do Netflix Way: uma grande quantidade de autonomia. Como o treinador que ganha campeonatos ao capacitar as estrelas para executar o plano de jogo em vez de tentar controlar cada jogada, Hastings incentiva a liberdade de agir no melhor interesse da empresa.

Jemal Countess

Jemal Countess

Ted Sarandos é coCEO da Netflix

Novamente, isso pode ser desconcertante. Ted Sarandos, coCEO de Hastings, fala sobre uma pausa para o café com Hastings nos dias pré-streaming, quando ele era o diretor de conteúdo e decidia se pedia 60 cópias de um novo filme alienígena ou 600. Sarandos casualmente perguntou a Hastings quantos ele deveria pedir, e Hastings respondeu: “Oh, não acho que isso vai ser popular. Apenas alguns. ”

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Em um mês, o filme estava em alta demanda e a Netflix estava sem estoque. Hastings perguntou a Sarandos por que ele não havia pedido mais DVDs. “Porque você me disse para não fazer isso!”, Sarandos protestou. Hastings interrompeu a conversa imediatamente, declarando: “Você não tem permissão para me deixar nos atirar de um penhasco!”

“E para mim, essa foi uma lição imediata”, diz Sarandos agora. “Com todo esse poder de decisão vem a responsabilidade. Reed fala isso repetidamente, e ele deixa você ser responsável pela vitória e ele faz você ser responsável pela perda.”

“Normalmente, as empresas se organizam em torno da eficiência e da redução de erros, mas isso leva à rigidez”, diz Hastings. “Somos uma empresa criativa. É melhor se organizar em torno da flexibilidade e tolerar o caos.”

A construção da liderança

Hastings tem o tipo de experiência que permite não temer o fracasso. Seu bisavô materno, Alfred Lee Loomis, foi um magnata de Wall Street que previu a quebra iminente do mercado de ações de 1929, depois voltou sua atenção para a ciência, financiando um laboratório que atraiu luminares como Albert Einstein, Enrico Fermi e Ernest Lawrence. Hastings cresceu em um subúrbio afluente de Boston –seus pais se conheceram enquanto seu pai estava em Harvard, sua mãe em Wellesley– e frequentou escolas particulares. Ele passou dois anos no Corpo da Paz na Suazilândia, ensinando matemática para alunos do ensino médio, e mais tarde obteve o diploma de mestre em ciência da computação em Stanford.

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Patty McCord ajudou a moldar a cultura distinta da Netflix como diretora de talentos

Em 1991, Hastings fundou sua primeira empresa, a Pure Software, especializada em programas para medir a qualidade de software. Naquela época, ele era um geek que dormia no chão do escritório após uma sessão de programação exaustiva. Patty, que ajudou a formalizar a cultura da Netflix, observou o empresário amadurecer como líder. Ela se lembra de ter encontrado Hastings em seu escritório tarde da noite, consertando bugs no brilho de seu computador em vez de preparar comentários para uma reunião da empresa no dia seguinte. “Sério, Reed, se você quer que eles sigam, lidere”, Patty se lembra de ter dito a ele. “E eu bati a porta. No dia seguinte, ele fez um discurso e foi aplaudido de pé. Eu não acho que ele sabia que tinha isso nele. Ele percebeu que seu trabalho era inspirá-los, não fazer o trabalho.”

A Pure Software abriu seu capital em 1995, fundiu-se em 1996 com uma empresa pouco conhecida de Massachusetts, a Atria Software, e foi subsequentemente engolida pela Rational Software em um negócio que a PitchBook avaliou em cerca de US$ 700 milhões. Um tremendo sucesso, mas que veio com tensão em seu casamento. O aconselhamento ajudou Hastings, antes evitador de conflitos, a se abrir –e eventualmente ele incorporaria o valor da franqueza como base da cultura da Netflix. “As pessoas fogem da verdade, e a verdade não é tão ruim”, diz ele.

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Pelos padrões do Vale do Silício, a Pure Software teve uma saída bem-sucedida. Mas isso deixou Hastings com uma insatisfação persistente. No início, havia inovado. À medida que amadurecia, como quase todas as empresas, desenvolveu políticas para se proteger contra erros, em vez de assumir riscos inteligentes. A Pure acabou promovendo pessoas “que eram ótimas em colorir dentro das linhas”, diz Hastings, enquanto os rebeldes criativos ficavam frustrados e iam trabalhar em outro lugar.

Essa era a mentalidade de Hastings quando, de acordo com a lenda popular, ele teve uma epifania depois de levar ter de pagar US$ 40 de multa por atraso com o filme “Apollo 13”, na Blockbuster. “E se não houvesse multas por atraso?”, ele ponderou, e a ideia para a Netflix surgiu totalmente formada.

Mudando o canal

A Walt Disney Company continua a ser a maior empresa de entretenimento do mundo, mas a Netflix é a empresa recorde quando se trata de retorno sobre o investimento. “É uma boa história”, diz o cofundador da Netflix, Marc Randolph, que trabalhou com Hastings, na Pure. “E de uma maneira, a Netflix tem como objetivo contar boas histórias.”

A história de origem da Netflix é mais complicada do que as narrativas convenientes. Ela eclodiu em inúmeras sessões de brainstorming, enquanto Hastings e Randolph viajavam juntos pelas montanhas de Santa Cruz até a sede da Pure em Sunnyvale, Califórnia.

Lançada em 1997, a plataforma Netflix se tornou conhecida pelos envelopes vermelhos enviados pelo correio, um pivô do modelo de aluguel da Blockbuster. Inicialmente, ela ganhou a maior parte de seu dinheiro vendendo DVDs, diz Randolph. Isso colocou a jovem startup em uma rota de colisão eventual com a de Jeff Bezos, a Amazon.

Porém, a Netflix estourou em 1999 com um modelo de assinatura –os clientes alugavam até três filmes por vez, sem se preocupar com uma data de devolução específica ou incorrer em multas por atraso. Com uma estratégia bem melhor, embora ela causasse um grande problema, Hastings atraia clientes com testes gratuitos de um mês. Randolph lembra de ter voado com Hastings para Dallas para tentar convencer o CEO da Blockbuster, John Antioco, a comprar a Netflix por US$ 50 milhões. O chefe da gigante do entretenimento doméstico de US$ 6 bilhões na época rejeitou a ideia imediatamente. “O que tínhamos a oferecer que eles próprios não poderiam fazer de forma mais eficaz?”, Hastings reflete.

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Após a retomada em 2001, os negócios da Netflix começaram a se firmar e crescer, levantando US$ 82,5 milhões por meio de sua oferta inicial de ações em 2002 (IPO, na sigla em inglês). Tornou-se em um negócio muito bom, pois os assinantes escolheriam DVDs da biblioteca abrangente da Netflix.

Justin Sullivan/ Getty Images

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Esses antigos envelopes de inscrição que a Netflix usava

Então, em 2007, a banda larga trouxe a oportunidade de streaming. Ansioso para garantir que ninguém fizesse com a Netflix o que havia acontecido com a Blockbuster, Hastings começou a investir dinheiro e recursos de engenharia no que era essencialmente um brinde para os assinantes de DVD existentes. Foi um momento fatídico. Os negócios antiquados da Netflix permitiam escolhas praticamente infinitas, embora dentro dos limites de disponibilidade de estoque e atrasos de entrega. O streaming oferecia gratificação instantânea, mas a Netflix não seria capaz de igualar a amplitude do conteúdo por causa dos acordos das emissoras de Hollywood. Mas, pela primeira vez, Hastings teve que entender os gostos das pessoas e oferecer uma proposta atraente.

“Quando alguém senta em frente à TV para assistir Netflix, temos o momento da verdade: precisamos de alguns minutos, talvez só 30 segundos para chamar sua atenção com algo interessante”, diz o ex-chefe e diretor de produto, Neil Hunt, que implantou uma equipe de 2.000 membros para resolver esse enigma– a maioria trabalhando de forma independente, segundo a cultura da empresa.

A Netflix também precisava encontrar uma maneira de cobrar pelo serviço on demand –especialmente depois de gastar tanto para licenciar conteúdo de streaming quanto para comprar DVDs.

A corrida para capitalizar o futuro do streaming configurou o que Hastings chama de o maior erro na história da empresa: a decisão em 2011 de separar o envelhecido negócio de DVD da empresa em um serviço à parte chamado Qwikster. Os críticos destruíram a ideia, e o próprio Hastings se tornou tema de comédia para o famoso show de comediantes norte-americano, “Saturday Night Live”, que parodiou seu vídeo no YouTube se desculpando pelo erro. O desastre custou à Netflix milhões de assinantes, e suas ações caíram mais de 75%.

Hastings, em prantos, se desculpou por prejudicar a empresa em um retiro administrativo em um fim de semana meses depois. Acontece que dezenas de gerentes já tinham dúvidas sobre o Qwikster, mas mantiveram suas dúvidas para si mesmos. Isso levou Hastings a instituir a prática de buscar ativamente a dissidência antes de lançar qualquer nova iniciativa.

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Mesmo antes do passo em falso, alguns executivos do estúdio zombaram a Netflix como uma ameaça competitiva. “É algo como: o exército albanês vai dominar o mundo?”. O presidente-executivo da Time Warner, Jeff Bewkes, disse em uma entrevista em 2010. “Acho que não.”

“Durante todos os anos críticos, de 2010 a 2015, Bewkes pensava que a internet e os preços eram uma tolice”, diz Hastings, observando que ele ainda tem aqueles crachás de militares albanêses, que ele usava em seu pescoço como motivação. “E isso o fez nos ignorar, até que fosse tarde demais.”

Quando Hollywood começou a ficar mais esperta, a Netflix começou a financiar sua própria série original –começando com uma aposta de US$ 100 milhões de Sarandos em 2011 no thriller político “House of Cards”, do diretor David Fincher. “O que algumas pessoas chamavam de pagar caro por esse conteúdo naquela época, a Netflix sabia muito bem que valia o que eles estavam construindo”, diz o CEO do Tinder, Jim Lanzone, um antigo empresário da internet e o diretor digital da CBS na época .

“Mudar o curso da empresa envolve investimento e riscos que podem reduzir a margem de lucro do ano”, escreve Hastings em seu livro, “O preço das ações pode cair com isso. Que executivo faria algo assim?”. Ao contrário dos executivos de Hollywood, cujos bônus são atrelados à geração de lucros operacionais, Hastings garante que seus executivos não terão medo de sofrer um golpe financeiro ao assumir um risco.

A pandemia da Covid-19 deu à cultura inovadora da Netflix um teste de estresse adequado. Enquanto a produção de cinema e da televisão era interrompida em Nova York e Hollywood durante o primeiro semestre, a máquina de conteúdo global da Netflix começou a ganhar vida. Como em muitas empresas, as reuniões eram retomadas nas salas de estar, quartos e cozinhas, salas de escritores virtuais eram montadas e os animadores trabalhavam de home office. Autonomia remota não era algo que a equipe da Netflix precisava aprender. E como Hastings passou grande parte da última década focando internacionalmente nisso, a produção de conteúdo foi retomada de forma relativamente rápida na Islândia e na Coreia do Sul, que têm sido agressivas em relação a testes e rastreamento.

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Foto do enigmático, Joe Exotic, personagem da série documental de sucesso durante a pandemia, “Tiger King: Morte, Caos e Loucura”

Enquanto isso, os rivais perdiam os lançamento de destaque, como o especial de reunião da série de sucesso, “Friends”, pela HBO Max, ou os Jogos Olímpicos de Verão em Tóquio, um pilar para a NBCUniversal. A Netflix continuou seguindo em frente, com programas que capturaram o zeitgeist cultural, seja com obsessões cômicas como a da série documental de massivo sucesso, “Tiger King: Morte, Caos e Loucura”, ou um reality show bobo baseado nas brincadeiras de quando éramos crianças, “O Jogo da Lava”, ou em filmes de ação cheios de adrenalina como o “Resgate”, estrelado por Chris Hemsworth.

“Stream Dream”

A Netflix aumentou as assinaturas de streaming em mais de oito vezes desde 2010 e, nos últimos três anos, mais do que dobrou seus assinantes internacionais.

Sim, alguns programas deram sorte. Mas a empresa tem volume e dados para ajudar a criar sorte. “Uma coisa que não é amplamente entendida é que trabalhamos diferente em relação à indústria hollywoodiana, lançamos todos os nossos programas e todos os episódios de uma só vez”, disse Sarandos a investidores em abril. “E estamos trabalhando muito em todo o mundo.”

O mundo se mostrou receptivo. Com cinemas paralisados, esportes adormecidos até recentemente e televisão oferecendo o equivalente a sobras requentadas, a Netflix adicionou cerca de um milhão de assinaturas por mês nos Estados Unidos e Canadá desde o início da pandemia e outros dois milhões por mês em nível global. O coronavírus, que acelerou tantos desenvolvimentos, inevitavelmente provará ter anunciado o momento em que o streaming se tornou a plataforma dominante de entretenimento.

Enquanto a Netflix domina seu espaço (chegando em 56% das residências nos Estados Unidos com acesso à banda larga, segundo a Parks Associates, empresa de pesquisa de mercado norte-americana), a Disney, em particular, está trazendo uma competição, com mais de 100 milhões de assinantes em seus três serviços, Disney+, ESPN+ e Hulu. O chefe da Disney, Bob Iger, apostou tudo em sua iniciativa direta ao consumidor, reunindo seu arsenal de marcas de entretenimento poderosas –Disney, Pixar Animation, Marvel Entertainment e Star Wars– para atrair assinantes para o Disney+, apostando de maneira corajosa como a Netflix, principalmente decidindo usar seu investimento de US$ 75 milhões em uma versão filmada do musical de sucesso da Broadway “Hamilton”.

Hastings reconhece o feito extraordinário da Disney de registrar 50 milhões de assinantes nos primeiros cinco meses, um marco que a Netflix levou sete anos para alcançar. Porém, ele está focado no próximo marco significativo para a Netflix: 200 milhões de assinantes ou mais. Isso significa mais investimento em conteúdo local e em todo o mundo –incluindo até US$ 400 milhões em investimento até o final do ano para Índia. Isso significa continuar avaliar seu talento para que possa continuar a capacitá-los para a tomada de decisões.

“Estou confiante de que nossa cultura nos ajudará a servir melhor os nossos membros e encontrar maneiras de satisfazer melhor do que a HBO, ou melhor do que a Disney fará”, diz Hastings. “Isso porque eles têm tantos processos internos em torno das coisas que os tornam mais lentos.”

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Home office – trabalho dobrado

Em plantão permanente, estamos trabalhando mais do que antes da pandemia

Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo 05 de dezembro de 2020  

Tenho o hábito de, vez por outra, postar no Twitter a capa da revista The New Yorker da semana. É sucesso garantido. Mas repercussão igual à obtida pela capa de sua primeira edição deste mês nunca tinha visto. Só no meu perfil, quase 250 mil impressões em dois dias. Um fenômeno de identificação. 

Facilmente explicável: a capa é sobre todos nós em situação de quarentena. E, mais especificamente, todos nós em home office. 

O cartunista e quadrinista Adrian Tomine, californiano de 46 anos, sintetizou a presente clausura doméstica numa jovem sentada diante de um notebook, provavelmente num pequeno apartamento de quarto-sala-banheiro de Manhattan ou Brooklyn. Ela veste um short preto (Umbro) e blusa branca, calça chinelos, tem um celular na mão esquerda e um drinque (prosecco rosé?) na direita. O cenário à sua volta é que dá o clima. 

No armário, um CD player guardado. Espalhados pelo chão, livros, uma caixa de compras da Amazon, uma sacola, luvas e máscaras sanitárias descartadas, um frasco de álcool em gel, um tupperware, dois pequenos halteres, dois gatos. Ou seja, o básico de sobrevivência de uma pessoa civilizada no inferno em vida a que fomos condenados em 2020. 

Resisto à tentação de especular sobre a moça além do que as aparências indicam: jovem, bonita e moderna. Grande sacada detalhista do ilustrador: as pernas mal depiladas da isolada senhorita. Isolada em seu novo local de trabalho, o inevitável home office. Tomine deu a seu desenho o irônico título de “Love Life” (Vida amorosa). 

A imensa maioria das pessoas forçadas a trabalhar de casa reagiu com justificável estranheza à nova situação, que muitos, por sinal, invejavam à beça antes da pandemia. Sou home office desde o começo da década de 1970, quando larguei a redação da revista Fatos & Fotos para ser livre como um pássaro, sem no entanto perder a chamada “carteira assinada”, com todos os direitos assegurados pela CLT de saudosa memória – mesmo nos ditos órgãos nanicos, como Pasquim e Opinião, a cujas redações, ambas perto de onde então morava, ia duas ou três vezes por semana, para editar algumas páginas e sobretudo fazer chacrinha. 

A princípio, me invejavam e indagavam sobre como conseguia administrar meu tempo, superar a ausência do “calor da redação”, evitar a dispersão, manter distância da geladeira, etc. Disciplina, respondia. Por falar em calor, no verão os free lancers sentem mais a diferença, pois o ar refrigerado fica, como a luz, por nossa conta exclusiva.

Há oito meses, no dorso da pandemia, o trabalho remoto tornou-se a regra, o consuetudinário do presente e, asseguram, do futuro. Era inevitável. Para mim, desde o surgimento da internet e do celular, esses engenhos que nos libertam de um monte de limitações, mas, em contrapartida, nos atrelam, como grilhões, ao batente e outros compromissos que preferíamos evitar. Sempre acessáveis, perdemos a paz, sacrificamos o descanso. Home office é sinônimo de full time. Ou de plantão permanente.

O fato, porém, é que os espaços ocupados por redações e escritórios já podiam ter sido convertidos em apartamentos residenciais antes da covid-19. The Economist desta semana pergunta se, quando os escritórios forem reabertos, os empregados toparão voltar. Com as atuais taxas de desemprego, até quem era freelancer é capaz de pedir para voltar.

Tenho lido bastante sobre o assunto. Na mais recente edição da Columbia Journalism Review, Ruth Margalit publica extensa matéria sobre o que se perde e ganha caso as redações se mantenham fechadas para sempre. Se para mim não faz diferença, muitos colegas de profissão não veem a experiência com bons olhos. Queixa mais frequente: a enfadonha mesmice ambiental e a necessidade de interação física com alguém, ainda mais premente para quem mora sozinho. 

Para a maioria consultada, a sensação é de que o tempo agora anda mais rápido, e de que, mesmo descontado o acúmulo de chatices imposto pelo isolamento (higienizar as compras, limpar a casa, etc.), estamos trabalhando mais do que antes da pandemia. 

Quando o isolamento social for suspenso em definitivo, o trabalho centralizado terá de ser repensado. Ele perdeu sentido e é antieconômico. 

Penso nas empresas que investiram fortunas alugando, comprando e remodelando andares inteiros ou mesmo prédios para concentrar todos os seus empregados e melhor vigiá-los. A pulverização desses espaços em pequenos núcleos espalhados por diversos lugares, integrados por um circuito de comunicação eletrônica – nove fora os serviços do Zoom – e alcançáveis a pé por quase toda a equipe, é a solução com maior número de adeptos. O meio ambiente agradece.

Se bem que um tanto desatualizada pelo “novo normal”, continua leitura enriquecedora a história do que chamamos de “locais de trabalho” contada por Nikil Saval e publicada seis anos atrás, com o título de Cubed – de cubículo (ou baia, no jargão da velha editora Abril). Não é um tratado sociológico comparável ao seminal ensaio de C. Wright Mills, A Nova Classe Social, mas reflexão sofisticada o bastante para saciar a possível curiosidade dos aficionados de Bartleby, Dilbert e da telessérie The Office sobre a origem e a evolução do trabalho em escritório. 

“O ser humano não foi criado para viver num cubículo, mirando uma tela de computador”, critica Sakal, com quem também aprendi que a palavra “office” deriva do italiano “uffizi” e é de origem florentina. Era na Galeria degli Uffizi que se fazia e guardava a contabilidade mercantil dos Médici, no século 16.

É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ESSE MUNDO É UM PANDEIRO’

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Como as metodologias ágeis ajudam o RH a acelerar as empresas

Metodologia ágil ganhou espaço com a pandemia e empresas que já adotavam maneiras flexíveis de trabalhar saíram na frente.

Publicado na Revista Exame em: 08/10/2020 

Paula Esteves, sócia diretora da Cia de Talentos (Cia de Talentos/Acervo pessoal)

Desde março, quando as empresas tiveram seus escritórios esvaziados por causa da pandemia de covid-19, as equipes precisaram encontrar novas fórmulas e alternativas para interagir e continuar colaborando entre si. As áreas de recursos humanos, cujo papel num contexto normal já é estratégico, ganharam importância na implementação de metodologias ágeis de trabalho.

Na varejista Magazine Luiza, entusiasta do método ágil há pelo menos uma década, a divisão de trabalho já se dava em squads (equipes multidisciplinares com objetivos em comum) interagindo à distância, o que facilitou a criação do Parceiro Magalu, um shopping virtual para pequenas, médias empresas e pessoas físicas, que foi uma alternativa às vendas quando não havia comércio na rua. “Levamos apenas três semanas no projeto”, diz Henrique Imbertti, diretor de agilidade organizacional do Magazine Luiza. “Foi agilidade na veia.”, completou Imbertti.

Além de encontrar os melhores profissionais, os departamentos de RH também têm o desafio diário de fazer com que muitas pessoas diferentes conversem na mesma língua e trabalhem juntas. Como ganhar agilidade do jeito certo em condições anormais de trabalho, como as trazidas pela pandemia? A regra de ouro é ter equipes distintas orientadas para um objetivo comum — agradar aos clientes internos e externos da empresa.

Para Paula Esteves, sócia-diretora do grupo Cia de Talentos, o uso da metodologia ágil mudou a forma com que o time se organizava e atingia as metas. “A metodologia, que já utilizávamos antes da pandemia, ajuda a tornar os objetivos muito claros, e de uma forma que são atingidos através de degraus menores. Nossos times estão cada vez mais multifuncionais, organizados por entrega, com papéis e responsabilidades bem definidos, com menos hierarquia e mais colaboração.”, ela conta. 

A familiaridade com as metodologias ágeis, segundo ela, sem dúvida auxiliou na reorganização dos processos. “Essa definição clara de metas e objetivos, com as equipes trabalhando de diferentes locais, foi fundamental para que cada um soubesse seu papel, prazo e expectativa de cada dia, semana e quinzena. Além disso, as reuniões diárias, ajudaram a garantir que o trabalho está sendo feito e as dúvidas tiradas.”, completou.

A Vivo, desde 2019, trabalha com metodologias ágeis na VP de Pessoas, a área de recursos humanos da companhia. “Nos identificamos com a essência do ágil, que é trabalhar com agilidade. Não é fazer rápido. Agilidade é diferente de rapidez. É proporcionar maior interação entre as pessoas, flexibilidade, colaboração, criatividade e inovação. Essa é a proposta. Nós queríamos nos desafiar a fazer algo diferente, algo novo. Se a gente acredita em agilidade, a gente faz a agilidade. Essa dinâmica tem dado muito certo.”, diz Niva Ribeiro, VP de pessoas da Vivo.

Para Ribeiro, a utilização dos métodos ágeis ajudou muito na adaptação aos novos tempos. “Já estar inserido na metodologia ágil foi muito positivo para nós durante a pandemia, para que pudéssemos nos adaptar de forma mais flexível e eficiente à nova rotina. Quando a pandemia começou, a prática já estava implantada. Já estávamos usando o planner do Teams para fazer acompanhamento. Outras equipes se espelharam nos times ágeis para fazer dailys. Foi mais prático e rápido, uma vez que já estávamos inseridos nessa rotina.”, ela completou.

Para Felipe Collins, professor de métodos ágeis na ESPM e sócio da ACE, a agilidade impacta na eficiência tanto de startups quanto das grandes corporações. “A gestão das pessoas passa por um profundo processo de transformação, e as companhias que se adaptarem melhor e mais rápido terão vantagem competitiva a partir de pessoas e processos. Mais do que apenas mudar a operação, o componente cultural e de mindset também precisam passar por essa transformação.”, diz Collins. Num mundo onde as mudanças ocorrem tão rápido, estar preparado para adaptação parece ser mesmo, afinal, a melhor forma de estar à frente das transformações.

https://exame.com/inovacao/como-as-metodologias-ageis-ajudam-o-rh-a-acelerar-as-empresas/

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Home office na pandemia já indica os desafios do futuro do trabalho

  • Pesquisa mostra os “problemas” que surgem à medida em que mais empresas colocam seus funcionários em regimes de trabalho remoto

Por Victor Sena Exame 4 dez 2020

Apesar de o home office ter uma boa aprovação, empresas e o mercado de trabalho têm grandes desafios à espera no pós-pandemia. São novos pontos de atenção na saúde do trabalhador e no desenvolvimento das carreiras.

Um levantamento da seguradora Zurich, em parceria com a Universidade de Oxford, analisou esses “problemas” que surgem à medida que mais empresas colocam seus funcionários em regimes de trabalho remoto, seja de forma integral ou híbrida.

Nos Estados Unidos, por exemplo, 75% das empresas pretendem colocar ao menos 5% de suas equipes para trabalhar de casa no pós pandemia. 

Entre os desafios estão a saúde mental, como novos tipos de burnout surgindo, a dificuldade do trabalhador constituir o chamado capital social e uma menor facilidade para ter mobilidade na carreira.

Novos tipos de burnout

Antes da pandemia, os episódios de burnout costumavam estar relacionados a sobrecarga de trabalho. Agora, ainda que as pessoas estejam trabalhando mais, a dificuldade de separar vida pessoal e profissional, com as fronteiras menos visíveis, é o que pode levar o profissional à exaustão. Nos últimos meses, 37% das empresas registraram aumento de doenças psiquiátricas no Brasil.

Com isso, softwares que ajudam a monitorar o tempo de trabalho e as tarefas devem surgir para auxiliar empresas e funcionários.

Novas divisões sociais

Com uma aceleração da adoção de tecnologia, a inclusão digital ganha importância para diminuir divisões sociais. Trabalhar bem de casa vai depender de uma banda larga ampla e infraestrutura, o que pode ser desafiador para regiões periféricas dos países.

Menos mobilidade na carreira

Enquanto houver riscos de contaminação devido à pandemia, viagens e mudanças de cidade a trabalho ficam reduzidas. Isso pode ser diminuído por contratações remotas, de profissionais de qualquer país. Esse fenômeno deve ser observado como uma tendência de globalização das profissões, que pode levar a redução de salários.

Construir capital social será um desafio

O reconhecimento, a experiência dentro de uma empresa e as relações que as pessoas constroem entre si formam o chamado capital social. Em geral, o home office deu certo porque os funcionários já tinham esses atributos os levaram para o ambiente digital.

Isso é diferente, porém, para quem entra em uma organização como contratado diretamente para trabalhar de home office, o que é desafiador especialmente para a geração Z, que está entrando no mercado de trabalho. Uma pesquisa divulgada nas últimas semanas mostra que a geração mais jovem é a que tem sentido mais os impactos da pandemia.

Flexibilização para além do home office

Mesmo antes da pandemia, o home office já era tendência e visto como uma das principais formas de flexibilização. No entanto, com uma adoção mais forte no futuro, outras formas de trabalho menos rígidas surgem como prioridade para os trabalhadores.

Maior uso de meio período, semanas de trabalho compactadas, horários flexíveis, compartilhamento da função e agenda rotativa pode contribuir para a proteção da força de trabalho.

https://exame.com/carreira/home-office-na-pandemia-ja-indica-os-desafios-do-futuro-do-trabalho/?amp

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As 10 tendências que moldam as perspectivas da biotecnologia para 2021

By Carlos Plácido Teixeira – Radar do Futuro 27/11/2020

Confira abaixo algumas dez principais tendências em biotecnologia que o mundo deve esperar ver em 2021Confira abaixo algumas dez principais tendências em biotecnologia que o mundo deve esperar ver em 

Exemplo de que crises podem ser, verdadeiramente, momentos para a criação de oportunidades e mudanças sociais e individuais, a pandemia provocada pelo Covid-19 tende a favorecer positivamente o setor de biotecnologia. O crescimento da consciência sobre o setor é estimulado não só pela corrida de pesquisadores, laboratórios e gestores públicos pela vacina. Há também a pressão da sociedade por mudanças dos seus sistemas de atendimento à população. O papel dos governos está em xeque, com pressões pela volta da prioridade para o bem-estar social. O que vai incluir reivindicações por aumento do apoio financeiro após testes promissores de novos tratamentos médicos para uma variedade de doenças.

A indústria de biotecnologia está crescendo e os especialistas preveem que alcançará mais de US$ 775 bilhões nos próximos quatro anos. A busca por uma vacina Covid-19 obrigou a comunidade científica a considerar novas formas de desenvolver vacinas. Agências governamentais e empresas biofarmacêuticas firmaram parcerias público-privadas sem precedentes para financiar pesquisas e reunir recursos nessa área, aprofundando nosso entendimento das vacinas como um todo no processo. 

Especialistas constatam que as vacinas tradicionais que estão no mercado são baseadas em ciência e tecnologias semelhantes. E que há novos procedimentos em construção, abrindo espaço para questionamentos sobre que tipo de novas vacinas podem ser desenvolvidas que não sejam baseadas em vírus atenuados ou outras coisas que foram ou são coisas do passado.

Como vai ser o novo cenário, mesmo a partir de agora e no futuro? É a pergunta diante da constatação de que uma coisa constante neste mundo é a mudança. Todos os dias, há mudanças em todos os aspectos da existência diária com novos avanços tecnológicos e avanços no conhecimento. E uma das indústrias que enfrenta muitas mudanças é a biotecnologia, com pesquisas constantes, melhorias tecnológicas e descobertas científicas.

Tendências

Focado nas mudanças do cenário, o site Linchpin produziu um levantamento sobre algumas das principais tendências que vão impactar a biotecnologia já em 2021. Para a publicação, todas as empresas, instituições de pesquisas e organizações que lidam com a melhoria da qualidade de vida e todos os organismos serão impactados pelas rápidas transformações do mundo. Confira abaixo algumas dez principais tendências em biotecnologia que o mundo deve esperar ver em 2021:

1. A produção da medicina personalizada graças aos avanços na genética

Com a expansão da indústria de pesquisa, muitos cientistas e especialistas de campo ampliam as descobertas sobre condições que são herdadas por causa da genética. As implicações disso são a possibilidade de avanços no processo de personalização dos cuidados de saúde mais personalizados e customizados com base no DNA humano e algumas outras características do genoma. O processo abre caminho para a produção de um tipo de medicamento mais pessoal, incluindo requisitos de procedimentos médicos.

2. A colaboração entre as descobertas de inovação das empresas de ciências da vida.

As áreas de estudo das ciências da vida estão em constante desenvolvimento e evolução. Sua natureza colaborativa também significa que suas descobertas dependem de aprendizados passados ​​e presentes. Em 2021, as empresas de biotecnologia devem unir forças e colaborar com outras organizações científicas relacionadas à saúde para que todas juntas possam impulsionar a indústria e buscar melhores resultados.

Para ilustrar, isso pode ser visto nos esforços de colaboração de quatro empresas de biotecnologia em maio de 2019. Os quatro gigantes do laboratório chamados Arzeda, Twist Bioscience, Labcyte e TeselaGen firmaram uma parceria para criar seus próprios conjuntos de última geração de plataformas para o DNA. Seu objetivo principal para este esforço era criar produtos alimentícios, como adoçantes e outros produtos essenciais da indústria. Suas descobertas visam reduzir a necessidade de colher ou minerar suprimentos de DNA, porque agora eles podem construí-los em seus laboratórios.

3. Desenvolvimento e melhorias na pesquisa de drogas

Em 2021, uma das tendências contínuas da biotecnologia é a melhoria e o desenvolvimento contínuos da pesquisa de medicamentos. O advento da tecnologia inteligente continuará permitindo a possibilidade de melhorar e avaliar o diagnóstico e o tratamento com medicamentos. Pense na linha da telessaúde, onde a tecnologia é aproveitada para unir tempo e espaço, de forma que os pacientes não tenham mais que deixar o conforto de sua própria casa para fazer um check-up completo.

Haverá um impulso na integração de dispositivos de avaliação que incorporarão vários métodos, como exames de ressonância magnética, equipamentos de laboratório e monitoramento interno em suas ferramentas de gerenciamento para um melhor atendimento ao paciente. Por causa dessa abordagem multi-método, os médicos podem combinar os dados necessários e fornecer um diagnóstico mais preciso e um melhor caminho de tratamento para seus pacientes. Por causa desses mecanismos de avaliação de alta tecnologia, eles agora podem contar com dados mais objetivos.

4. Impulso no volume de pesquisas no campo

Com os avanços em biotecnologia, muitos pesquisadores podem agora se concentrar em muitos campos diferentes das ciências da vida que podem melhorar a qualidade de vida, como cirurgia de precisão, imunoterapia e genética. Para ilustrar, no aspecto da cirurgia de precisão, tem havido um aumento nos estudos da robótica para melhorar os procedimentos cirúrgicos e seus correspondentes resultados cirúrgicos. Os cirurgiões agora podem aproveitar as ferramentas de inteligência artificial para realizar operações cirúrgicas menos invasivas e mais precisas em seus pacientes. Além disso, a IA também oferece uma visão melhor para os médicos com relação ao método de tratamento escolhido.

5. Aumento na avaliação digital, diagnóstico e tratamento de pacientes

A transformação e a evolução do aspecto digital das empresas já existem há séculos. Tudo isso propiciou um melhor acesso para os consumidores e mais estratégias de marketing para as corporações. Em 2021, certamente haverá um aumento no aspecto da digitalização da biotecnologia, por meio da possibilidade de avaliação, diagnóstico e tratamento online e remoto de pacientes em todo o mundo.

Até o momento existem vários médicos e profissionais de saúde que são credenciados para continuar sua prática online. Com empresas como a Virtual Health, que fornecem assistentes de dispositivos sem fio, o diagnóstico virtual é possível. Alguns médicos gerais podem até prescrever medicamentos por meio de suas clínicas virtuais com acesso ao banco de dados online via LiveHealth Online ou Teladoc. A teleprática é agora uma tendência em desenvolvimento e crescimento no mundo da biotecnologia.

6. Um preço mais baseado em valor para produtos biotecnológicos

Existem mais leis, regulamentos e protocolos que são aprovados para reduzir os preços desses produtos biotecnológicos produzidos em laboratórios farmacêuticos e nutracêuticos. Na verdade, cada vez mais empresas estão apresentando demonstrações ao vivo reais de sua eficácia de medicamentos. A razão para isso é que os consumidores podem ter um vislumbre em primeira mão do valor real desses produtos. Fazer isso pode realmente diminuir o custo dos medicamentos, ao mesmo tempo que fornece evidências valiosas para os principais consumidores dos produtos.

7. Mais gerenciamento e integração de dados por meio da nuvem

No início, o gerenciamento de dados nesta área era difícil de comparar, organizar e interpretar. Mas, devido ao novo desenvolvimento do gerenciamento em nuvem, é muito mais fácil armazenar e manipular o volume de informações produzidas em laboratórios. Agora, os profissionais de gerenciamento de dados podem organizar essas informações para que os profissionais de biotecnologia possam acessar, analisar e interpretar os dados com facilidade.

8. Melhoria no cronograma de aprovação de vários medicamentos

No passado, os medicamentos essenciais eram retidos por um longo período devido ao longo processo de aprovação do Food and Drug Administration (FDA), órgão de fiscalização e regulamentação do mercado de remédios dos Estados Unidos. Graças aos avanços tecnológicos, os conselhos reguladores do governo agora podem melhorar a velocidade dos testes de drogas. Eles também podem fazer testes muito melhores para seus pacientes candidatos. Uma ilustração perfeita disso é o projeto piloto Real-Time Oncology Review (RTOR), que visa acelerar a aprovação de medicamentos que estão ligados ao tratamento do câncer.

9. Novos tratamentos genéticos

Com os avanços da biotecnologia, aumentará o uso de informações genéticas na avaliação, diagnóstico e tratamento de enfermidades, doenças crônicas e distúrbios. Além disso, a tecnologia genética ajudará pesquisadores e cientistas a identificar sequências do genoma que podem ser usadas para prever doenças, doenças crônicas e também haverá um aumento na integração de informações genéticas na avaliação de doenças crônicas e no tratamento de distúrbios em humanos e animais.

Hoje, existem muitos experimentos na área de estudos de genes que poderiam ser usados ​​para prevenir potencialmente o aparecimento de doenças e outras condições que são herdadas dos pais. Esses tipos de estudos continuarão a crescer à medida que mais condições forem estudadas e consideradas de origem genética.

10. Foco mais intenso na função das células imunológicas

A imunidade é uma das áreas em crescimento dos estudos no ramo da ciência biotecnológica porque tem o poder de prevenir a propagação de doenças prejudiciais. O fracasso em lidar com isso pode trazer resultados devastadores e até epidemias. Assim, há um aumento do interesse e do estudo da função das células imunológicas para que se possa observar quais tipos de vírus e bactérias podem ser tratados de forma eficaz. Tudo isso tem um grande efeito no campo da imunoterapia.

Tendências que moldam as perspectivas da biotecnologia para 2021

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Escola da vida não tem diploma ou férias

O colunista Renato Bernhoeft defende que os indivíduos não devem esperar da empresa a responsabilidade sobre a aprendizagem contínua para se reinventarem

Por Renato Bernhoeft* Valor Econômico 04/12/2020 

A atual onda intitulada “lifelong learning” – educação ou formação continuada – tenta preencher, ou modificar, um antigo processo de reconhecimento e uma excessiva valorização da educação formal. Era bastante comum que muitos profissionais, ao concluir seus cursos de graduação ou uma pós, se considerassem preparados para toda uma vida. Descartando a ideia de que autodesenvolvimento é algo permanente, e que envolve todos os papéis que vivemos, paralelamente ao profissional.

O que se constatava era uma excessiva valorização da estrutura formal de educação, baseada no diploma, também apoiada pelo conceito de ‘”férias”, considerada como uma “merecida pausa” no processo de aprendizagem. Também era muito comum que profissionais, uma vez empregados, atribuíssem às corporações a responsabilidade pelo seu desenvolvimento – por meio de treinamentos, mentoria, autoajuda, eventos e outros mecanismos didáticos na oferta de conhecimento necessário aos seus colaboradores.

Raras eram as metodologias, ou processos formais, que tornavam o indivíduo como o verdadeiro responsável pelo seu processo de autodesenvolvimento. A “andragogia” – método de aprendizagem do adulto – torna muito clara a importância de uma revisão do que caracterizava o universo da educação formal. Ou seja: ao invés de apenas expor conteúdo, que era considerado vital, exclusivo e importante para o indivíduo, não havia estímulo para que ele próprio desenvolvesse um espírito crítico. Um senso de curiosidade na busca de uma conduta mais reflexiva, com novas perguntas e respostas. Mais inquietude.

Entre as muitas mudanças que estão ocorrendo em nossa sociedade podemos destacar duas. A primeira é o aumento do índice de longevidade. Isso exige ter um projeto de vida para esta nova etapa, especialmente se consideramos que ela está se prolongando cada dia mais. Além disso, muitas profissões ou carreiras estão desaparecendo, com o surgimento de novas áreas que exigem conhecimentos e habilidades renovadas.

Diante desse cenário, um dos hábitos que deve ser desenvolvido por todos nós é o aumento no acesso aos meios de informação e comunicação. Leituras, reflexões, diálogo, consultas às mais diferentes mídias, evitando se apegar a apenas a um meio ou linha de pensamento.

Registro aqui o alerta do escritor e historiador israelense Yuval Noah Harari em seu último livro “21 lições para o século 21”: “Quanto mais duro se trabalhou para construir alguma coisa, mais difícil é deixá-la ir embora e abrir espaço para algo novo. Mas, no século XXI dificilmente você pode se permitir ter estabilidade. Se tentar se agarrar a alguma identidade, algum emprego ou alguma visão de mundo estável, estará se arriscando a ser deixado para trás quando o mundo passar voando por você. Como a expectativa de vida está aumentando, você poderia ter de passar muitas décadas como um fóssil. Para continuar relevante – não só economicamente, mas acima de tudo socialmente – você vai precisar aprender a se reinventar o tempo inteiro, numa idade tão jovem como a dos cinquenta anos.”

Ele conclui dizendo que “para sobreviver e progredir num mundo assim, você vai precisar de muita flexibilidade mental e de grandes reservas de equilíbrio emocional.” 

Reitero que, se manter em dia, nos diferentes papéis que vivemos – profissional, conjugal, familiar, social, educacional, espiritual – presume que devemos voltar à Escola da Vida, sem contar com falsos e enganosos diplomas e, menos ainda, imaginando poder sair de férias. Nada muito diferente do que já pregavam os filósofos gregos. E nada disso é delegável. Cabe a cada um assumir a sua individualidade.

*Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho da höft consultoria. Autor de livros sobre empresas familiares, sociedades empresariais e qualidade de vida

https://valor.globo.com/carreira/coluna/escola-da-vida-nao-tem-diploma-ou-ferias.ghtml

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As mídias sociais prometeram nos conectar, mas, ao contrário, nos deixaram isolados e tribais.

Um psicólogo que estuda ansiedade e estresse explica como lidar com uma época cada vez mais conflituosa.

POR ARASH JAVANBAKHT Fast Company 13/11/2020(Tradução Evandro Milet)

Há cerca de um ano, comecei a acompanhar meu interesse por saúde e boa forma no Instagram. Logo comecei a ver mais e mais contas, grupos, publicações e anúncios relacionados a fitness. Continuei clicando e seguindo, e eventualmente meu Instagram se tornou todo sobre pessoas em forma, condicionamento físico e material motivacional e anúncios. Isso soa familiar?

Enquanto os algoritmos e meu cérebro me mantinham rondando os feeds sem fim, me lembrei do que os profissionais de marketing digital gostam de dizer: “O dinheiro está na lista”. Ou seja, quanto mais personalizado for o seu grupo, pessoas e páginas, menos tempo e dinheiro serão necessários para vender a você idéias relacionadas. Em vez disso, os embaixadores da marca farão o trabalho, divulgando produtos, ideias e ideologias com paixão e gratuitamente.

Sou um psiquiatra que estuda ansiedade e estresse, e frequentemente escrevo sobre como nossa política e cultura estão atoladas no medo e no tribalismo. Meu co-autor é um especialista em marketing digital que traz expertise para o aspecto tecnológico-psicológico desta discussão. Com a nação no limite, acreditamos que é fundamental ver como a nossa sociedade está sendo facilmente manipulada para o tribalismo na era da mídia social. Mesmo depois de terminado o exaustivo ciclo eleitoral, a divisão persiste, se não se amplia, e as teorias da conspiração continuam a surgir, crescer e provocar divisão nas redes sociais. Com base em nosso conhecimento sobre estresse, medo e mídia social, oferecemos a você algumas maneiras de enfrentar os próximos dias e de se proteger do ambiente atual de divisão.

A PROMESSA,  MATRIX

Aqueles de nós com idade suficiente para saber como era a vida antes das mídias sociais podem se lembrar de como o Facebook era empolgante em seu início. Imagine, a capacidade de se conectar com velhos amigos que não víamos há décadas! Então, o Facebook era uma conversa dinâmica virtual. Essa ideia brilhante de se conectar a outras pessoas com experiências e interesses compartilhados foi fortalecida com o advento do Twitter, Instagram e aplicativos.

As coisas não permaneceram tão simples. Essas plataformas se transformaram em monstros tipo Frankenstein, cheias de supostos amigos que nunca conhecemos, notícias tendenciosas, fofocas de celebridades, auto-engrandecimento e anúncios.

A inteligência artificial por trás dessas plataformas determina o que você vê com base em sua atividade nas mídias sociais e na rede, incluindo seu engajamento com páginas e anúncios. Por exemplo, no Twitter você pode seguir os políticos de que gosta. Os algoritmos do Twitter respondem rapidamente e mostram a você mais postagens e pessoas relacionadas a essa tendência política. Quanto mais você gosta, segue e compartilha, mais rápido você se encontra se movendo nessa direção política. Há, no entanto, esta nuance: esses algoritmos que rastreiam você geralmente são acionados por suas emoções negativas, geralmente impulsividade ou raiva.

Como resultado, os algoritmos amplificam o negativo e então o espalham, compartilhando-o entre os grupos. Isso pode ter um papel na raiva generalizada entre os que estão envolvidos na política, independentemente de seu lado do corredor.

A TRIBO DIGITAL

Eventualmente, os algoritmos nos expõem principalmente à ideologia de uma “tribo digital” – da mesma forma que meu mundo do Instagram se tornou apenas pessoas saradas e ativas. É assim que o Matrix de alguém pode se tornar os extremos do conservadorismo, do liberalismo, de diferentes religiões, defensores ou negadores das mudanças climáticas, ou outras ideologias. Membros de cada tribo continuam consumindo e alimentando uns aos outros com a mesma ideologia, enquanto policiam uns aos outros contra a abertura para “os outros”.

De qualquer forma, somos criaturas inerentemente tribais; mas, especialmente quando estamos com medo, regredimos ainda mais ao tribalismo e tendemos a confiar nas informações transmitidas a nós por nossa tribo e não por outras pessoas. Normalmente, isso é uma vantagem evolutiva. A confiança leva à coesão do grupo e nos ajuda a sobreviver.

Mas agora, esse mesmo tribalismo – junto com a pressão dos colegas, emoções negativas e temperamento explosivo – muitas vezes leva a colocar no ostracismo aqueles que discordam de você. Em um estudo, 61% dos americanos relataram ter desfeito amizade, deixar de seguir ou bloquear alguém nas redes sociais por causa de suas opiniões ou postagens políticas.

Níveis mais altos de uso de mídia social e exposição a notícias sensacionalistas sobre a pandemia estão associados ao aumento da depressão e do estresse. E mais tempo gasto nas redes sociais se correlaciona com maior ansiedade, o que pode criar um ciclo negativo. Um exemplo: o Pew Research Center relata que 90% dos republicanos que recebem suas notícias políticas apenas de plataformas conservadoras disseram que os EUA controlaram o surto COVID-19 tanto quanto possível. No entanto, menos da metade dos republicanos que dependem de pelo menos um outro grande provedor de notícias pensa assim.

MATRIX FAZ O PENSAMENTO

O próprio pensamento humano foi transformado. Agora é mais difícil para nós entender o “quadro geral”. Hoje em dia, um livro é muito longo, demais para algumas pessoas. A cultura de rolar e arrastar reduziu nosso intervalo de atenção (em média, as pessoas gastam de 1,7 a 2,5 segundos em um post de notícias do Facebook). Ele também desativou nossa capacidade de pensamento crítico. Mesmo as notícias realmente importantes não duram em nosso feed mais do que algumas horas; afinal, a próxima história de grande sucesso está por vir. Matrix faz o pensamento; nós consumimos a ideologia e somos apoiados por likes dos nossos companheiros de tribo.

Antes de tudo isso, nossa exposição social era principalmente para família, amigos, parentes, vizinhos, colegas de classe, TV, cinema, rádio, jornais, revistas e livros. E isso era o suficiente. Nela havia diversidade e uma dieta informativa relativamente saudável com uma grande variedade de nutrientes. Sempre conhecemos pessoas que não pensavam como nós, mas conviver com elas era vida normal, parte do negócio. Agora essas vozes diferentes se tornaram mais distantes – ”as outras” que amamos odiar nas redes sociais.

EXISTE UM ANTÍDOTO(Red Pill em linguagem Matrix)?

Precisamos retomar o controle. Aqui estão sete coisas que podemos fazer para nos desconectar de Matrix:

  • Revise e atualize suas preferências de anúncios nas mídias sociais pelo menos uma vez por ano.
  • Confunda a IA sinalizando todos os anúncios e sugestões como “irrelevantes”.
  • Pratique ser mais inclusivo. Verifique outros sites, leia suas notícias e não desfaça amizade com pessoas que pensam diferente de você.
  • Desligue as notícias da TV e leia em seu lugar. Ou pelo menos coloque um limite disciplinado nas horas de exposição.
  • Frequente fontes de notícias menos tendenciosas, como NPR, BBC e The Conversation.
  • Se você acha que tudo o que os líderes de sua tribo dizem é verdade absoluta, pense novamente.
  • Fique offline e saia (apenas use sua máscara). Pratique horas sem smartphone.
  • Por fim, lembre-se de que seu vizinho que apoia outro partido político não é seu inimigo; vocês ainda podem andar de bicicleta juntos! Eu fiz isso hoje, e nem precisamos falar de política.

É hora de tomar a pílula vermelha. Dê esses sete passos e você não vai ceder à Matrix.

Arash Javanbakht é professor associado de psiquiatria na Wayne State University. Esta peça foi escrita em coautoria com Maryna Arakcheieva, especialista em soluções e marketing digital. Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. 

https://www.fastcompany.com/90574907/social-media-promised-to-connect-us-but-made-us-isolated-and-tribal-instead

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24 mudanças trazidas pelo coronavírus que devem sobreviver à pandemia

Dos juros baixos e da “desglobalização” ao home office e ao comércio eletrônico; do ensino a distância e da telemedicina às lives e à mudança do “dress code” de trabalho, confira as transformações que vão permanecer quando a covid-19 passar e entenda o que elas podem significar para a sua vida, os negócios e o País 

Texto: José Fucs / Ilustrações: Marcos Müller 19 de novembro de 2020

Com as praias cheias, a reabertura de bares e restaurantes, o retorno às aulas e a retomada da economia, a impressão que se tem é de que a vida está, enfim, voltando ao normal. Oito meses depois da adoção das primeiras medidas de isolamento social, em meados de março, parece que, num piscar de olhos, a pandemia ficará para trás – e tudo voltará a ser como antes.

Mas, apesar do clima de relativa normalidade que se observa nas ruas, o coronavírus ainda está por aí, levando centenas de vidas e infectando milhares de pessoas por dia pelo Brasil afora – e não há indícios de que irá desaparecer com a mesma velocidade com que se disseminou.

O repique no número de casos graves da doença no País e o surgimento de uma segunda onda de contágio na Europa mostram que não dá para relaxar na luta contra o vírus, ainda que sejamos considerados “um país de maricas” pelo presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo quando a pandemia passar – espera-se que seja logo– ou quando houver a descoberta de uma vacina que funcione e esteja disponível para aplicação em massa, é improvável que haja um retorno ao mundo em que a gente vivia antes da covid-19.

“No futuro, nós vamos falar de ‘a.c.’ (antes do coronavírus) e ‘d.c.’ (depois do coronavírus)”

Jeffrey Cole, pesquisador na Universidade do Sul da Califórnia e diretor do Centro para o Futuro Digital

“Não haverá retorno à normalidade”, diz Enrique Dans, professor de Inovação na IE Business School, em Madrid, em artigo publicado recentemente na revista Forbes. “No futuro, nós vamos falar de ‘a.c.’ (antes do coronavírus) e ‘d.c.’, (depois do coronavírus)”, afirma Jeffrey Cole, pesquisador na Universidade do Sul da Califórnia e diretor do Centro para o Futuro Digital, nos Estados Unidos, que realizou um estudo sobre o impacto da pandemia na vida da população, em parceria com o Bureau Interativo de Publicidade (IAB, na sigla em inglês).

Em poucos meses, a pandemia introduziu ou acelerou profundas transformações na nossa vida pessoal, profissional e social. Provocou uma revolução na rotina das empresas e um estrago colossal nas contas públicas. Várias dessas mudanças deverão sobreviver ao vírus e moldar o nosso futuro, em maior ou menor grau, por mais um tempo ou para sempre, para o bem ou para o mal.

“O coronavírus funcionou como um anabolizante para a mudança”, diz o economista e consultor Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020), que aborda a metamorfose que está acontecendo no mundo do trabalho.“Muito do que vamos viver daqui para a frente será um aprofundamento do que estamos vivendo hoje”, afirma o economista Daniel Susskind, professor da Universidade Oxford, na Inglaterra, e autor dos livros O futuro das profissões e O mundo sem trabalho, publicados em português pelas editoras Gradiva e Porto, de Portugal.

Para ajudá-lo a navegar neste “novo normal”, o Estadão traz uma reportagem especial que aborda as transformações turbinadas pela pandemia e o que elas podem significar para a sua vida, para os negócios e para o País. Do juro baixo à “desglobalização”, do home office e do comércio eletrônico às lives e à mudança do “dress code” de trabalho, o especial dá um mergulho em 24 mudanças que desafiam a nossa capacidade de adaptação a cada dia, agrupadas em cinco grandes temas: economia, trabalho, consumo, cotidiano e lazer e entretenimento.


Diante da magnitude das mudanças, é até natural

que haja certa ansiedade com o que acontecerá nos próximos meses e anos


O especial traz também seis entrevistas exclusivas, com um time de craques em suas áreas de atuação, que aprofundam a discussão sobre o impacto das diferentes mudanças provocadas ou aceleradas pela pandemia. São eles o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC); Tony Volpon, ex-diretor da Área Internacional do BC; Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudo de Desenvolvimento Empresarial); Fernando Gambôa, sócio da KPMG no Brasil e responsável pela área de consumo e varejo; Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de trabalho digital ligada ao Facebook; e Fernando Pedro, diretor médico da Amil, uma das principais empresas de seguro-saúde do País.

“Algumas das mudanças a que fomos ‘apresentados’ ou que se intensificaram durante a pandemia, como as mudanças tecnológicas, vieram para ficar. Outras, como as que ocorreram nos setores de aviação, hotelaria e turismo, deverão permanecer por mais dois ou três anos e vão passar. Agora, há atividades, como as de entretenimento e construção de escritórios e de instalações de empresas e bancos, que vão levar um tempo para se reacomodar e nunca mais voltarão a ser o que eram”, diz Gomes de Almeida.

Muita gente ainda não se deu conta do momento que estamos vivendo e resiste às mudanças, tentando manter hábitos e posturas do pré-pandemia. Diante da magnitude das transformações que estão em curso, é até natural que isso aconteça e haja certa ansiedade no ar com o que poderá ocorrer nos próximos meses e anos. “Sem preparação ou permissão, nós estamos participando da maior experiência de ciência social de todos os tempos”, afirma Jeffrey Cole.

Para enfrentar a nova era, é preciso ter flexibilidade e estar aberto à inovação. “O mundo mudou aos nossos olhos em poucos meses – e, quando o mundo muda e você insiste em fazer as coisas como antes, não vai acabar bem”, diz Enrique Dans. Cabe a cada um de nós encarar o desafio que se coloca à nossa frente, para não “perder o bonde” quando a pandemia passar..


ECONOMIA

As medidas de isolamento social adotadas aqui e lá fora, para tentar conter a propagação do coronavírus, tiveram um impacto brutal na economia, provocando mudanças relevantes no cenário pré-pandemia ou reforçando tendências que já estavam em curso.

A seguir, você poderá conferir as principais transformações que ocorreram na economia neste período e que deverão se manter nos próximos meses ou anos, e os efeitos que elas terão na sua vida financeira, nos negócios e no País. A lista inclui os juros baixos, o dólar alto, o reforço na poupança para imprevistos, a repaginação do “coronavoucher”, a explosão da dívida pública e a “desglobalização”.

Juros baixos

Durante a pandemia, a queda dos juros – que já vinha ocorrendo desde o governo Temer e ganhou tração na atual gestão – acentuou-se. Para tentar alavancar a atividade econômica e tirar o País da profunda recessão registrada nos primeiros meses da covid, o Banco Central (BC) cortou a taxa básica (Selic) para 2% ao ano, o menor patamar da série histórica, no qual se mantém até hoje, e não há perspectiva de elevação significativa no horizonte.

Diante do retrospecto do País neste campo, como tradicional campeão mundial dos juros altos, é difícil acreditar que a bonança possa durar muito tempo. Até analistas respeitados no mercado questionam a capacidade de o BC manter as taxas no nível atual. Mas, segundo economistas de diferentes tendências ouvidos pelo Estadão, a tendência é de os juros continuarem muito baixos, seguindo um movimento internacional, por pelo menos mais um ano ou até um pouco mais, ainda que venham a sofrer uma ligeira alta até lá.

Com a inflação na faixa de 3% ao ano, isso quer dizer que as taxas reais continuarão negativas e que o investimento em aplicações de renda fixa, como os CDBs, os fundos e a poupança, não cobrirá sequer a perda do valor de compra da moeda. Por outro lado, para os tomadores de crédito e para quem está no vermelho, incluindo o próprio governo, que fechará o ano com um rombo de quase R$ 1 trilhão, a manutenção dos juros baixos deverá representar um alívio mais que bem-vindo em suas contas.

“Os juros no próximo ano serão muito maiores do que neste ano? Não”, diz Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, que deixou o cargo em julho para se tornar sócio e economista-chefe do banco BTG Pactual, a partir de janeiro. “Eu acredito que isso é duradouro, sim, e esta percepção vem se fortalecendo. Não é a minha opinião, é o que os mercados estão dizendo”, afirma Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central (BC). “Com a economia em recessão e o desemprego alto, os juros deverão continuar baixos por um tempo estendido”, diz Tony Volpon, ex-economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (leia as entrevistas completas de Volpon e Franco).

A definição do movimento dos juros – se o patamar atual vai se manter por um prazo mais longo ou se será um fenômeno efêmero, que durará só mais alguns meses – dependerá de vários fatores. O primeiro é o ritmo da retomada da economia. Se a recuperação vier de forma acelerada e não houver novas intempéries pelo caminho, os juros deverão começar a subir de forma lenta e gradual, de acordo com Volpon, em direção ao nível pré-pandemia, de 4,5% ao ano, mas ainda bem abaixo da média praticada historicamente no Brasil.

O segundo fator que poderá provocar uma elevação das taxas é um repique da inflação. Mas, apesar da ligeira alta ocorrida nos últimos meses, puxada pelo aumento do preço do arroz e de outros alimentos, a expectativa dos analistas é de uma inflação de 3,2% para 2020 e 2021, ambas bem abaixo da meta anual, de 4%, segundo os dados mais recentes do boletim Focus, que reúne as estimativas dos bancos para os principais indicadores econômicos.

“Para o cenário de juros baixos não ser algo de dois ou três anos, mas de uma década, teremos de fazer um esforço de ajuste fiscal”

Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional

Outro ponto que deverá nortear o comportamento dos juros é a questão fiscal. Se o teto de gastos for preservado e a equipe econômica conseguir manter as contas públicas sob controle, resistindo ao ímpeto gastador de alguns políticos, de ministros e até do presidente Jair Bolsonaro, o BC terá uma margem de manobra maior para manter o atual nível das taxas.

“Para consolidar o cenário de juros baixos e isso não ser algo de dois ou três anos, mas de mais de uma década, teremos de fazer um esforço de ajuste fiscal”, afirma Mansueto Almeida. “Ainda bem que a gente está vendo como é bom viver com Selic de 2% ao ano”, diz Gustavo Franco. “Isso de fato tem ajudado lá em Brasília. Quando a turma ameaça os políticos dizendo que ‘vai subir o juro tudo de novo’, o pessoal fica com medo.”

Se as taxas se mantiverem no patamar atual por um prazo mais longo, haverá uma guinada radical no cenário macroeconômico do País. “Já há algum tempo tenho opinado que essa queda de juros parece com a estabilização da economia, inclusive no aspecto cultural”, afirma Franco, que fez parte da equipe que desenvolveu e implantou o Plano Real. “Sua relevância só é inferior ao fim da hiperinflação, mas ela é parecida nos efeitos.”

“A relevância da queda dos juros só é inferior ao fim da hiperinflação, mas é parecida nos efeitos”

Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central

No novo cenário, a “ciranda financeira” ou o “rentismo”, como preferem alguns, perde atratividade, como já está acontecendo, e o investimento na produção e em ativos reais, como imóveis e máquinas, ganha força. “A taxa de juros é uma espécie de medida da distância entre o presente e o futuro, que se aplica em tudo na vida: na poupança, no investimento, na construção, nos preços dos ativos, no tamanho da Bolsa, no câmbio. Tudo tem juro no meio”, diz Franco. “Com o juro caindo como caiu, tudo que é preço de ativo muda para melhor. O futuro fica mais perto e invertem-se algumas lógicas habituais do mundo empresarial.”

Se tal cenário se confirmar, por mais improvável que possa parecer para gerações de brasileiros que se acostumaram a viver com os juros na estratosfera, o Brasil poderá ingressar no clube dos países com taxas civilizadas e contar com um estímulo poderoso para o desenvolvimento.

Dólar alto

Durante a crise, o dólar deu um salto. Depois de roçar os R$ 6, em meados de maio, a moeda americana recuou, em meio a solavancos pontuais, para a faixa de R$ 5,5, mas ainda registra uma valorização de 36% no ano, até 13 de novembro, e de 9,3% desde 20 de março, quando o Ministério da Saúde declarou o estado de transmissão comunitária do coronavírus. Entre as 30 moedas mais negociadas no mundo, o real ainda acumula a maior desvalorização, puxada pela retirada maciça de capitais do País e pela redução dos aportes externos na produção.

De janeiro a outubro, de acordo com o Banco Central (BC), o fluxo cambial ficou negativo em US$ 20 bilhões, puxando o dólar para cima. No canal financeiro, que reúne os investimentos estrangeiros diretos e em carteira, remessas de lucro e pagamento de juros, a saída de recursos superou  o ingresso em R$ 52,7 bilhões, um resultado compensado apenas em parte pelo saldo registrado na balança comercial, de US$ 32,7 bilhões.

Embora as turbulências políticas e a política ambiental do País sejam muitas vezes apontadas como responsáveis pela fuga dos estrangeiros e pela elevação do dólar no período, dois outros fatores teriam levado à debandada dos investidores externos e à escalada da moeda americana frente ao real, segundo economistas de diferentes tendências ouvidos pelo Estadão: a queda substancial dos juros locais, para o patamar inédito de 2% ao ano, e as incertezas geradas pela pandemia em relação ao desempenho da economia global.

“O nosso movimento nos juros foi fundamental para dar ao câmbio um feitio que ele deveria ter desde quando você quiser”, diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Vinha muito capital de fora em função disso, valorizando a nossa moeda, e a redução dos juros acabou com aquele ganho fácil da arbitragem cambial.”

“No mundo todo, houve uma aversão ao risco que se refletiu numa fuga de capitais, principalmente de economias emergentes”

Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV

Para o economista Carlos Langoni, ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial, ligado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), a saída dos estrangeiros e a alta do dólar se devem também ao “choque global” provocado pela coronavírus. “O que houve foi um tsunami que começou na China e foi chegando ao Brasil”, afirma. “No mundo todo, houve uma aversão ao risco que se refletiu numa fuga de capitais, principalmente de economias emergentes.”

Independentemente da discussão sobre o que teria provocado a alta do dólar, o pior parece já ter passado. Apesar do soluço registrado no final de outubro, em decorrência dos temores de investidores internacionais em relação aos efeitos que uma nova onda de contágio na Europa pode ter na economia mundial, as estimativas para os próximos meses e para 2021 continuam positivas.

De acordo com o Boletim Focus, produzido pelo BC, que reúne as estimativas dos bancos, a previsão divulgada em 6 de novembro é de que a moeda americana feche 2020 em R$ 5,45, praticamente estável em relação à cotação atual, e em R$ 5,2 em 2021, 7,1% abaixo do valor corrente.

Na avaliação do economista Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do BC, houve “uma espécie de overshooting” do dólar e “o normal” agora seria a cotação recuar mais um pouco. “Houve muita criação de liquidez nos Estados Unidos e isso vai para a extremidade do sistema, vai chegar aqui.”

Segundo ele, a perda de atratividade da renda fixa para os investidores externos deverá ser compensada, em alguma medida, pelo ingresso de moeda forte para a compra de ativos no País, que ficaram bem mais baratos com a cotação atual do dólar. “Estamos num período de transição. Com esse juro e com o dólar onde está, é outra equação”, diz.  “Acredito que a conta de investimento direto vai continuar muito positiva, mas a conta financeira, que governa o dólar, está meio indefinida.”

“Nós temos uma indústria viciada em subsídio, em tarifa de importação, em Zona Franca”

Tony Volpon, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central

A combinação de juros baixos e dólar alto deverá favorecer o setor produtivo, especialmente a indústria, que perdeu competitividade na arena global nas últimas décadas. As exportações serão beneficiadas, apesar da retração do comércio global, e as importações ficarão mais caras. “Em mantendo essas condições, a indústria vai ser outra”, afirma o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida (leia aqui a entrevista completa de Gomes de Almeida).

Para Tony Volpon, ex-economista-chefe do banco UBS no Brasil e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, porém, as mudanças ocorridas no câmbio e nos juros não serão suficientes para a indústria reconquistar o espaço perdido na economia do País e no mercado global. Para se recuperar, em sua visão, o setor terá de passar por uma profunda “transformação cultural”.

“Nós temos uma indústria viciada em subsídio, em tarifa de importação, em Zona Franca”, afirma. “Se a gente conseguir abrir a economia, manter uma taxa de câmbio relativamente competitiva, ter um ambiente de negócios amigável e estimular o aumento de produtividade nas empresas, não há razão para não conseguir reverter a decadência industrial do País, que vem desde os anos 1990.”

A questão, como sempre, é que a indústria brasileira resiste fortemente ao “desmame”. O lobby da “boquinha”, destinado a preservar as benesses obtidas no passado, está rolando a céu aberto em Brasília e se infiltrando no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e no Congresso. “O lobby do setor automobilístico está aí desde Juscelino Kubistchek. Ninguém tira a proteção deles. São 50 anos de proteção”, diz Volpon. “O que a gente tem de fazer é criar um mecanismo para realizar algum tipo de avaliação de custo/benefício dos programas, inclusive do ponto de vista fiscal.”  Agora, como diz o velho dito popular, “só falta combinar com os russos”.

Reforço na poupança

Em meio às incertezas trazidas pela pandemia e ao desemprego recorde registrado no País, muita gente decidiu engordar a sua poupança. Até por conta da quarentena e do fechamento das lojas, o consumo perdeu força, apesar da recuperação registrada nos últimos meses, com o fim das medidas de isolamento social.

De janeiro a outubro, segundo o Banco Central, a captação líquida (depósitos menos saques) da caderneta de poupança, ainda a aplicação mais popular no País, chegou a R$ 144,2 bilhões, mesmo com o rendimento – de cerca de 1,6% ao ano – ficando abaixo da inflação, estimada em cerca de 3% em 2020. O resultado alcançado pela poupança durante a pandemia, turbinado pela transferência de bilhões de reais em recursos públicos para a população, por meio do pagamento do Auxílio Emergencial e pela antecipação do 13º dos aposentados, entre outras iniciativas do gênero, foi recorde para o período desde o início da série histórica, em 1995.

Com a reabertura do comércio e a retomada gradual da economia, alguns analistas esperavam que a disposição de poupar fosse diminuir sensivelmente. Mas, em outubro, último dado disponível, os depósitos voltaram a superar os saques, pelo oitavo mês seguido, com captação líquida de R$ 7 bilhões.

A percepção, ainda assim, continua a ser de que o nível robusto de captação da caderneta é um fenômeno temporário, que deverá se manter só por mais alguns meses –  inclusive por causa dos juros baixos, que desestimulam as aplicações de renda fixa, como a poupança –, e não um sinal de que a crise transformou o Brasil numa nação de poupadores.

“Uma parte dos poupadores continuará a poupar mais do que no pré-pandemia, mas menos do que no auge da crise”

Ademir Corrêa Júnior, diretor de Investimentos do Bradesco

“É uma poupança circunstancial, muito por conta da redução de gastos das famílias durante o isolamento social e de uma ingestão bilionária de recursos pelo governo com o Auxílio Emergencial”, diz Ademir Corrêa Júnior, diretor de Investimentos do Bradesco. “Essa poupança, concentrada na faixa de renda mais baixa, não espelha um comportamento que vai perdurar.”

De acordo com o próprio Corrêa Júnior, porém, uma parcela dos poupadores deverá continuar a poupar mais do que antes, embora menos do que no auge da crise. Para ele, a pandemia pode ter provocado uma mudança no comportamento do consumidor, levando-o a questionar se precisa consumir tanto quanto antes e comprar tudo o que comprava. Isso poderá se refletir nos depósitos da poupança e de outras modalidades de investimento, que também tiveram aumento de captação no período. “Surgiu uma consciência diferente na pandemia”, diz Corrêa Júnior.

‘Coronavoucher’ repaginado

Criado no início da pandemia para atender os trabalhadores informais, os desempregados e as famílias de baixa renda, incluindo os beneficiários do Bolsa Família, o Auxílio Emergencial, também conhecido como “coronavoucher”, tem data marcada para acabar.

Em dezembro, será paga a última parcela do benefício, que foi fundamental para amenizar os efeitos da crise no País. Segundo dados oficiais, o programa – que incluiu cinco parcelas de R$ 600 de abril a agosto e mais quatro de R$ 300 a partir de setembro – atendeu perto de 65 milhões de famílias, já contando as 14,3 milhões do Bolsa Família. No total, até o fim do ano, o programa deverá consumir cerca de R$ 320 bilhões – o maior volume de recursos destinado pelo governo para o combate à pandemia e a seus efeitos sócio-econômicos.

É provável, porém, que o Auxílio Emergencial seja mantido sob nova configuração a partir de 2021, com o nome de Renda Cidadã, ainda que apenas para a parcela dos mais vulneráveis que receberam o benefício neste ano. Embora o governo ainda esteja buscando recursos para financiar o programa, a decisão política de implementá-lo parece já estar tomada. Com o pagamento do benefício, a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que vinha em queda livre, deu um salto em todo o País, especialmente no Norte e Nordeste, e ele não quer perder o apoio que conquistou, considerado fundamental para alavancar sua eventual tentativa de reeleição em 2022.

A ideia é que o Renda Cidadã funcione como uma espécie de Bolsa Família ampliado, para atender de 20 a 25 milhões de famílias, incluindo de 6 a 10 milhões que ficariam sem qualquer benefício com o fim do Auxílio Emergencial, a partir de janeiro. Pelas propostas iniciais, o valor do Renda Cidadã seria de R$ 300 por mês, inclusive para os atuais beneficiários do Bolsa Família, que recebiam, em média, R$ 193 mensais, de acordo com dados do governo, antes de serem incluídos no Auxílio Emergencial.

A questão é que, para aumentar o valor atual do benefício do Bolsa Família em cerca de 50% e ainda incorporar o contingente de vulneráveis que estava fora do programa e recebeu o coronavoucher, seriam necessários de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões a mais por ano – e os recursos não estão previstos na proposta orçamentária de 2021, enviada pelo governo ao Congresso.

Para tentar viabilizar o programa, apareceram sugestões de todos os tipos. Já se falou até em furar o teto de gastos, considerado essencial para  manter as contas públicas sob controle, e em usar o dinheiro de precatórios e do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Alguns parlamentares vieram a público defender, sem constrangimento, o prolongamento da medida que liberou os gastos do governo para o combate à pandemia ou do próprio Auxílio Emergencial, por mais três meses, em 2021. Outros propuseram a redução do valor do benefício para R$ 200 em 2021 e a sua elevação para R$ 250 em 2022 e R$ 300 em 2023.

“O governo Bolsonaro tem dificuldade de aceitar os trade offs. Na hora de fazer escolhas, trava”

Creomar de Souza, CEO diretor da consultoria Dharma Political Risk & Strategy

De seu lado, a equipe econômica chegou a propor o fim do abono salarial, do seguro defeso, do salário-família, do Farmácia Popular e até da correção anual das aposentadorias e do salário mínimo pela inflação. Mas as propostas foram rechaçadas por Bolsonaro. “Não vai tirar do pobre para dar ao paupérrimo”, afirmou o presidente.

Parece difícil para Bolsonaro entender que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo com os recursos disponíveis e dentro das regras do jogo. “O governo Bolsonaro tem dificuldade de aceitar os trade offs. Na hora de fazer escolhas, o governo trava”, diz o analista político Creomar de Souza, CEO da consultoria Dharma Political Risk & Strategy. “A percepção de Bolsonaro é que ele tem de ganhar em todos os cenários o tempo todo, e isso não é possível.”

De um jeito ou de outro, o novo programa entrou no radar, para não deixar uma parcela considerável da população de menor renda sem assistência após o fim do coronavoucher e para atender aos interesses políticos de Bolsonaro, de alguns de ministros e de seus apoiadores no Congresso. Mesmo que a medida não seja implementada de imediato, mais cedo ou mais tarde ela deverá se tornar realidade, ampliando o “colchão” social oferecido no País aos mais pobres.

Contas públicas no vermelho

A trajetória de contenção dos gastos públicos, implementada pela equipe econômica no primeiro ano do governo Bolsonaro, foi interrompida bruscamente em 2020, para fazer frente às demandas de saúde e de caráter econômico e social trazidas pela pandemia.

Com a dinheirama que jorrou dos cofres do governo durante a crise, autorizada pelo Congresso por meio do chamado “orçamento de guerra”, o rombo nas contas públicas se multiplicou. Segundo as previsões dos economistas, o estrago deixado pela pandemia deverá moldar o futuro do País por no mínimo mais uma década, reduzindo os recursos disponíveis, que já são escassos, para investimentos e ações sociais.

Em 2020, de acordo com as estimativas mais recentes do Ministério da Economia, o déficit primário, que exclui o pagamento dos juros para rolagem da dívida pública, deverá ficar em quase R$ 900 bilhões, um valor equivalente a cerca de 12% do PIB (Produto Interno Bruto), um recorde histórico. Incluindo os gastos com juros da dívida, que deverão consumir em torno de R$ 300 bilhões, equivalentes a 4% do PIB, o déficit nominal chegará a cerca de R$ 1,2 trilhão, ou 16% do PIB, outra marca inédita.

Com esse resultado, a dívida líquida do setor público, que exclui o setor financeiro e o Banco Central, deverá fechar o ano em 67,5% do PIB, um salto de 8,1 pontos percentuais em relação ao índice de 2019. Já a dívida bruta do governo central, que havia caído 0,7 ponto do PIB no ano passado, para 75,8% do PIB, deverá chegar a cerca de 100% do PIB no fim de 2020, alcançando quase R$ 7 trilhões.

Um estudo realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, aponta que a dívida bruta, que deveria parar de crescer neste ano ou no próximo, segundo as previsões feitas antes da pandemia, agora deverá seguir em alta até 2030, quando chegará a 117,6% do PIB, e só então começará a cair. “Se antes da crise a gente já tinha o desafio de ajustar as contas públicas e já era difícil fazer isso, depois da pandemia vai ficar ainda mais complicado, porque a União, os Estados e os municípios estarão numa situação fiscal ainda pior do que antes”, diz o economista Felipe Salto, diretor executivo da IFI.

Para evitar solavancos nos mercados, a equipe econômica tem dito que os gastos relacionados à pandemia ficarão restritos a 2020 e que, em 2021, o País retomará a política de ajuste fiscal praticada antes da crise. O Ministério da Economia também tem procurado reforçar o compromisso com a manutenção do teto dos gastos, que limita o crescimento das despesas públicas ao nível do ano anterior, corrigido pela inflação.


O ímpeto gastador de alguns políticos pode prevalecer, deixando o País numa situação fiscal insustentável


O problema é que a pressão para aumentar as despesas e “furar” o teto é grande, apesar de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também ter reforçado seu compromisso com a estabilidade fiscal. O próprio presidente Jair Bolsonaro, apesar de dizer publicamente que vai respeitar o teto, “põe pilha” nas propostas que preveem a ampliação de gastos, de olho em sua provável tentativa de reeleição em 2022.

“Não tem muita margem para erro neste cenário”, afirma Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, que deixou o cargo em julho para se tornar sócio e economista-chefe do banco BTG Pactual, a partir de janeiro. “Se chegar a um ponto de os investidores não confiarem no governo, o prêmio de risco para colocar os títulos públicos no mercado vai ser muito alto, o juro vai subir muito e a coisa poderá ficar muito séria.”

No momento, em meio às discussões travadas no governo e no Congresso sobre o tema, é difícil cravar por quem os sinos vão dobrar. Ainda que a racionalidade econômica aponte para a necessidade de retomar o ajuste iniciado no pré-pandemia,o ímpeto gastador de alguns políticos pode prevalecer, deixando o País numa situação fiscal insustentável. O que se pode dizer desde já é que o estrago deixado nas contas públicas pela pandemia deverá continuar no centro do debate econômico do País por muito tempo, assim como no resto do mundo.

‘Desglobalização’

Com a desaceleração da economia mundial durante a pandemia, os negócios entre os países deverão fechar o ano com uma queda significativa. De acordo com estimativas da Organização Mundial do Comércio (OMC), as exportações globais em 2020 deverão ter uma redução que ficará entre 12,8%, no cenário otimista, e 32%, no cenário pessimista, em relação ao mesmo período do ano passado.

Mesmo que haja uma retomada da economia mundial em 2021, dificilmente o comércio internacional voltará ao patamar do pré-pandemia. A tendência é que o retorno ao nível de 2019 se dê de forma gradual, como já aconteceu em outras crises.

Para alguns analistas, porém, o efeito da pandemia na economia global vai muito além do fluxo de comércio. Segundo eles, no auge da crise, a falta de produtos como respiradores e máscaras, fabricados em grande parte pela China, reforçou o questionamento em relação ao papel desempenhado pelas cadeias internacionais de valor nas últimas décadas. Isso levará, de acordo com tal percepção, a um aumento nos índices de nacionalização ou regionalização da produção nos próximos anos – um fenômeno chamado no jargão dos economistas de “reconversão industrial”.

“O mundo pós-pandemia não vai ser o mesmo em relação à globalização”, afirma Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do antigo Ministério da Fazenda. “Isso não significa que vamos voltar aos tempos pré-globalização. Mas o mundo em que a gente vivia, presidido pelos princípios do menor custo e do menor prazo de entrega, passará por uma reformulação. A questão estratégica agora vai fazer parte do jogo.”


A pandemia reforçou a visão de que os interesses nacionais devem se sobrepor aos princípios de racionalidade econômica


De certa forma, nos últimos anos, essa guinada já vinha ocorrendo, com o acirramento da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. Mas a pandemia acabou alavancando, para o bem ou para o mal, a visão de que os interesses nacionais devem se sobrepor aos princípios de racionalidade econômica. “Essa ‘desglobalização’ permite que certas cadeias de produção possam voltar a países como o Brasil”, diz Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS no País e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC).

No momento, ainda é difícil dizer com segurança se a “desglobalização” será um fenômeno de curta duração ou se representará uma mudança estrutural, que irá se aprofundar daqui para a frente.Em crises como a provocada pela pandemia, sempre surgem previsões sobre uma possível marcha-à-ré na globalização. Isso aconteceu também na crise financeira global, em 2008, mas, como se constatou depois, as previsões não se confirmaram e a globalização retomou o seu vigor. Nada garante, portanto, que agora não acontecerá a mesma coisa.

“No começo da pandemia, teve muito essa profecia de ‘desglobalização’ e de aumento da presença do Estado na economia, mas hoje, sete meses depois, acredito que é preciso revisar essas projeções”, afirma o economista Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do BC. “Se a gente olhar para 2021, não sei se será verdade que haverá um Estado maior e menos comércio exterior. O panorama ficou mais confuso. O impacto da pandemia é muito mais complexo do que parecia à primeira vista.”

Talvez esta crise seja diferente das outras. Talvez, o mundo, hoje, seja distinto do que era em 2008, moldado por líderes como o presidente americano, Donald Trump, derrotado pelo democrata Joe Biden nas eleições realizadas no início de novembro, e por outras autoridades populistas pelo mundo afora, que enxergam na globalização uma ameaça aos interesses nacionais. Mas, por ora, o certo é que o cenário atual, de menor fluxo comercial, deverá se manter, de uma forma ou de outra, ao menos por mais algum tempo.


TRABALHO

No auge da crise, durante o período de quarentena, a nossa forma de trabalhar passou por profundas mudanças, impulsionadas pelo uso intensivo da tecnologia. Muitas dessas mudanças deverão se manter, em maior ou menor grau, e vão moldar o mundo do trabalho no pós-pandemia.

O home office, as reuniões virtuais e os webinars se tornaram uma realidade para milhões de profissionais e para as empresas, enquanto as viagens de trabalho, especialmente as de longa distância, os eventos presenciais e os contatos pessoais, fundamentais para o desenvolvimento de networking, perderam espaço. Até o “dress code” de trabalho se alterou sensivelmente, com o uso de roupas e acessórios mais casuais, e é difícil imaginar que volte ao que era antes quando a crise passar.

Em decorrência do trabalho remoto, milhões de metros quadrados de escritórios nas principais cidades do País ficaram vazios, levando empresas de todos os portes a estudar a venda ou a devolução dos imóveis que ocupavam – um movimento que deverá se intensificar nos próximos meses e anos.

Impulsionados pelo desemprego recorde e pela transformação das relações de trabalho, que já estava em curso e acelerou-se durante a crise, milhões de brasileiros decidiram se reinventar e criar o próprio negócio, em vez de buscar um emprego com carteira assinada. Na nova era, o empreendedorismo deverá desempenhar um papel ainda mais relevante do que desempenhou até hoje.

Conversão ao empreendedorismo  

Com a transformação das relações de trabalho, impulsionada pela flexibilização da legislação trabalhista e pela crescente digitalização das empresas, que já estava em andamento antes da crise, muitos profissionais vinham trilhando o caminho do empreendedorismo para se adaptar aos novos tempos e garantir o seu sustento e o de suas famílias. Com a pandemia e a recessão brutal que a acompanhou, levando ao corte de milhões de empregos, essa tendência se acentuou de forma expressiva.

Segundo o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), foram criados 1,47 milhão de MEIs (Microempreendedores Individuais) de janeiro a setembro de 2020 – um recorde desde o surgimento da categoria em meados de 2009 –, o que representa 13,8% a mais do que no mesmo período do ano passado. Além disso, foram criadas cerca de 700 mil micro e pequenas empresas, um aumento de pouco mais de 10% no ano sobre o total existente no fim de 2019. Em São Paulo, de acordo com a Junta Comercial do Estado,  houve o registro de 22.825 novos CNPJs só em agosto, a maior marca mensal desde 1998.

É certo que, com a crise, um número significativo de MEIs e pequenas empresas fechou as portas, embora o Sebrae não divulgue os dados relativos à mortalidade dos negócios de menor porte. O Ministério da Economia também não discrimina o fechamento de empresas por tamanho. Mas, de acordo com dados da  pasta, 682,8 mil empreendimentos de todos os portes encerraram as atividades nos primeiros oito meses do ano. É um número considerável, do qual boa parte deve ser de MEIs, mas é 54% menor do que o total de empresas abertas no País até o fim de agosto.

“O desemprego está levando as pessoas a se tornarem empreendedoras. Não por vocação genuína, mas pela necessidade de sobrevivência”, afirma o presidente do Sebrae Nacional, Carlos Melles, ex-deputado federal pelo DEM. “Boa parte dos trabalhadores com carteira assinada que ficaram desempregados neste ano não voltará a ter emprego e está virando trabalhador independente”, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e pesquisador na Universidade de Lisboa. “O empregador não quer mais contratar com carteira assinada e o trabalhador não vai ficar esperando surgir uma vaga”.

“Não tem coisa melhor do que ser dono do seu tempo e poder fazer em 12 horas duas ou três atividades diferentes”

Carlos Melles, presidente do Sebrae

Apesar de os sindicatos ainda defenderem uma legislação trabalhista mais rígida, um número crescente de trabalhadores parece preferir a liberdade de trabalhar por conta própria e dá de ombros para a CLT (Consolidação da Legislação do Trabalho), criada por Getúlio Vargas em 1943 e ainda em vigor. Uma pesquisa realizada recentemente pelo Ibope com mil entregadores do IFood, Uber, Eats e Rappi mostrou que 70% preferem o modelo de trabalho flexível oferecido pelos aplicativos de entrega e a possibilidade de escolher os horários de trabalho e de poder trabalhar com várias empresas do que ter carteira assinada, para receber benefícios como 13º salário, férias remuneradas e FGTS.

“A reforma trabalhista , a ampliação da terceirização, esses avanços têm contribuído para melhorar a percepção do brasileiro de que, na verdade, não tem coisa melhor do que ser empresário dele mesmo e ser dono do seu tempo, poder fazer em 12 horas duas ou três atividades diferentes”, afirma Melles. “A gente está apostando que o aumento da procura pelo trabalho independente, com liberdade, veio para ficar”.

É como afirmou Tim Draper, veterano investidor do Vale do Silício, em entrevista recente ao repórter Bruno Capelas, do Estadão: “Nunca houve uma época tão boa para ser empreendedor, especialmente num país pobre. Hoje, quase todo mundo tem smartphone e eles servem como janelas para o mundo. Tudo é possível a partir daí.”

Incorporação do home office

Se houve uma mudança que entrou para valer na vida dos profissionais e das empresas durante a pandemia, essa mudança foi o home office. Embora já estivesse no radar e fosse adotado em alguma medida antes da crise, ainda havia muita desconfiança e resistência das empresas – e mesmo entre os trabalhadores – em relação ao sistema.

Mas, com a adoção das medidas de isolamento social e o fechamento compulsório dos escritórios, não houve alternativa. Da noite para o dia, as empresas tiveram de adotar o trabalho remoto, em maior ou menor grau, para continuar funcionando – e o resultado foi melhor do que se poderia imaginar.

Impulsionado pelo uso intensivo da tecnologia, que já estava disponível, mas era incorporada de forma mais lenta no dia a dia dos negócios, o home office mostrou a sua eficácia e deverá se manter na rotina de trabalho no pós-pandemia.

No pós-pandemia, deverá haver uma combinação de pessoas trabalhando de forma remota e nos escritóriosPIXABAY

Segundo várias pesquisas realizadas sobre o tema, ao menos um terço das empresas pretende manter, integral ou parcialmente, o trabalho remoto depois da crise. Ao mesmo tempo, de acordo com as pesquisas, a maioria dos trabalhadores deseja continuar a trabalhar exclusivamente em home office ou ir apenas ocasionalmente ao local de trabalho. Uma parcela dos empregados – cerca de 10% dos entrevistados – chega a afirmar que não aceitaria trabalhar numa empresa que não ofereça o home office como opção aos funcionários.

“Foi uma mudança forçada de hábitos e de comportamento. Ninguém estava preparado para isso. Mas o paradigma mudou”, diz o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020), que aborda a metamorfose que está acontecendo no mundo do trabalho com a digitalização e a robotização das atividades.


Para as empresas, o home office permitiu corte de custos com energia, comunicações, segurança, transporte e viagens


Além de ter funcionado bem durante a quarentena, o home office trouxe uma série de vantagens, ainda não dimensionadas com precisão, que deverão contribuir para alavancar a sua incorporação definitiva no dia a dia do trabalho.

Para as empresas, o sistema permitiu uma redução considerável de custos com energia elétrica, comunicações, segurança, transporte e viagens. Mostrou também que, provavelmente, elas não precisarão de tantos metros quadrados de escritórios no futuro e poderão reduzir o tamanho de suas sedes, cortando o gasto com aluguel ou a imobilização patrimonial.

Para os empregados, o trabalho remoto permitiu uma redução do número de horas perdidas no trânsito e dos gastos com transporte e alimentação, além de uma maior convivência com a família. Permitiu também o uso de roupas mais casuais e a redução de despesas com a compra de roupas sociais, que em geral são bem mais caras. Fora isso, ainda abriu a possibilidade de as pessoas mudarem das grandes cidades, para melhorar a qualidade de vida, sem ter de trocar de emprego.

“Muitos empresários viram que é possível fazer home office sem nenhuma perda para as empresas”

Júlio Sérgio Gomes de Almeida, economista e diretor executivo do Iedi

“O home office foi benéfico para todo mundo”, afirma Pinto. “Qual a diferença de trabalhar em casa, no sítio ou na praia, no Brasil ou na Alemanha?”,  diz o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Muitos empresários com os quais tive oportunidade de conversar viram que é possível fazer home office sem haver nenhuma perda para as empresas.”

O sucesso do home office na pandemia, porém, não significa que o sistema será usado por todos os trabalhadores e que vai continuar nos mesmos moldes nos próximos meses e anos. Com a flexibilização do isolamento social, o nível de trabalho remoto já caiu – e deverá cair ainda mais com o passar do tempo. Mas isso não significa também que vamos voltar à situação do pré-pandemia.

“O futuro do trabalho será híbrido, com algumas pessoas trabalhando nos escritórios e outras trabalhando remotamente. Vai haver também pessoas utilizando os dois modelos em diferentes dias da semana, trabalhando alguns dias no escritório e outros, em casa”, afirma Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook (leia a entrevista completa com Adriano Macandali). “Cada setor vai ter graus diferentes de trabalho remoto”, diz Monica Lee, diretora da Jones Lang LaSalle (JLL), empresa internacional de consultoria imobiliária na área comercial.“Dependendo do tipo de atividade, isso funciona melhor ou não tão bem. Mas em todas as empresas a gente nota que o trabalho remoto veio mesmo para ficar.”


Daqui para a frente, será preciso encontrar formas de ampliar a integração de quem trabalha remotamente


Em tese, segundo uma pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério da Economia, cerca de 20 milhões de pessoas, o equivalente a um quinto da mão de obra, têm condições de trabalhar remotamente no País. Obviamente, tal contingente exclui os trabalhadores que atuam no “chão de fábrica”, centros de distribuição de mercadorias e no varejo, atendendo clientes nas lojas, um grupo que representa perto de 80% da força de trabalho.

Há um consenso entre os analistas de que os trabalhadores da área administrativa e da área de telemarketing estão mais habilitados, pela natureza de suas atividades, a trabalhar em home office. De acordo com Marcandali, as empresas que prestam serviços digitais também vão ter um índice mais alto de trabalho remoto, assim como os trabalhadores das áreas jurídica e financeira. Até o recrutamento de pessoal, em sua visão, poderá ser feito de forma remota, ampliando o acesso de candidatos que não vivem na mesma cidade em que se situam as sedes das empresas, hoje excluídos do processo, às vagas disponíveis.

“De nada adianta ter essas ferramentas incríveis se a gente não souber lidar com o ser humano”

Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace

Agora, em meio a tantos pontos positivos, o home office trouxe também alguns desafios, que terão de ser enfrentados pelas empresas e pelos profissionais quando a poeira baixar. Como a mudança foi repentina, nem sempre houve tempo para lidar com as dificuldades. Será preciso, por exemplo, encontrar formas de ampliar a integração e a colaboração entre os funcionários e entre as equipes e seus líderes, que tendem a diminuir com o trabalho remoto, prejudicando a criatividade e a inovação, essenciais para o desenvolvimento profissional e dos negócios.

“Aquele cafezinho em que você encontrava um colega, aquela conversa no corredor com quem pouco você fala, agora não tem mais e isso acaba dificultando a integração”, afirma o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). “No mundo virtual, você vai precisar de plataformas que potencializem a colaboração, a sinergia e a humanização que tínhamos no escritório, para não haver uma perda do outro lado”, afirma Marcandali. “De nada adianta ter essas ferramentas incríveis se a gente não souber lidar com o ser humano”, diz Marcandali. É uma preocupação que promete demandar uma atenção especial das empresas nos próximos meses e anos.

Escritórios menores

Durante décadas, os escritórios foram um símbolo de status para as empresas. Quanto maiores e mais luxuosos, modernos e bem localizados, mais eles demonstravam a força financeira e o poder de uma empresa. De repente, na pandemia, tudo isso ficou em xeque.

Com a adoção compulsória do home office na quarentena, os escritórios ficaram desertos – e, para surpresa geral, as empresas continuaram a funcionar sem grandes dificuldades. Isso levou companhias de todos os portes, mas especialmente as mais robustas, a questionar se precisam, efetivamente, de todo o espaço de que dispunham e a estudar medidas para gastar menos com aluguel ou para reduzir a imobilização patrimonial. Algumas empresas conseguiram agir rapidamente e já devolveram a área que ocupavam antes da crise, mudando-se para locais menos valorizados, ou parte dela – uma tendência que deverá se acentuar nos próximos meses e anos.

Com o home office, as empresas se deram conta de que não precisam de todo o espaço de que dispunham antes da criseALEX SILVA/ESTADÃO

O mercado já dá sinais do que vem por aí. Em São Paulo, segundo dados da Jones Lang LaSalle (JLL), empresa internacional de consultoria imobiliária na área comercial, a demanda por escritórios de alto padrão caiu em todas as regiões nobres da cidade no segundo e no terceiro trimestres de 2020. A exceção foi a Av. Faria Lima, na zona sul, onde a absorção da oferta se manteve positiva. Na região da Av. Luís Carlos Berrini e na Vila Olímpia, também na zona sul da cidade, houve a devolução de 46.000 metros quadrados e de 11.000 mil metros quadrados de escritórios, respectivamente, entre abril e setembro.

“Na primeira fase da quarentena, muitos escritórios negociaram descontos e diferimentos pontuais, mas agora a gente está entrando num segundo estágio, em que as empresas viram que o trabalho remoto funciona e estão avaliando em que medida cada setor poderá seguir em home office e qual será o efeito disso em suas atividades”, diz Mônica Lee, diretora da JLL.

Segundo Mônica, esse movimento deverá ter um impacto nos preços dos aluguéis e no setor de construção civil, com mudanças no perfil dos escritórios de alto padrão. “Como a gente tem projeção de vacância, é bem provável que nos próximos trimestre as negociações aconteçam em condições mais flexíveis”, afirma.

Nos próximos meses e anos, quando a pandemia estiver sob controle e os escritórios voltarem a ser uma alternativa segura, os ambientes de trabalho coletivo deverão ter outra configuração. “O papel do escritório poderá ser o de proporcionar experiências corporativas, espaços de criação, para reuniões mais colaborativas”, diz  Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook.

“As sedes das empresas deverão ter uma função mais social do que de trabalho”

Mônica Lee, diretora da JLL

Na visão de Mônica, as sedes das empresas deverão ser menores e funcionar como um hub para integração e conexão de funcionários, com uma função mais social do que de trabalho. Além disso, deverá haver uma descentralização dos escritórios, com a criação dos chamados squads, em bairros mais próximos às residências dos funcionários, para que eles não tenham de ir sempre ao quartel general. Os escritórios e as sedes das empresas certamente continuarão a existir no futuro, mas deverão ser bem diferentes do que eram antes da pandemia.

Videoconferências no dia a dia

Durante a quarentena, com milhões de pessoas em home office, as reuniões virtuais por videoconferência se tornaram uma ferramenta indispensável para as empresas se manterem em atividade e seus  funcionários e líderes se comunicarem, traçarem estratégias e entrarem em contato com clientes e fornecedores.

De repente, aplicativos que já estavam disponíveis antes da crise, mas eram usados apenas de forma ocasional ou talvez nem isso, como Zoom, Microsoft Teams Google Meets e até o velho Skype, passaram a fazer parte do dia a dia de milhões de trabalhadores, no Brasil e no mundo. Foi um movimento tão intenso e tão bem sucedido que é difícil imaginar a nossa vida sem eles, mesmo quando a pandemia passar.

As videoconferências trazem economia de custos para as empresas e ganho de tempo para todo mundoZOOM/DIVULGAÇÃO

Graças à tecnologia, em boa medida, foi possível atravessar a fase mais aguda de isolamento social como se os escritórios estivessem funcionando normalmente. Ficou claro, em muitos casos, que é possível se conectar de forma virtual com qualquer um, em qualquer lugar do mundo, para fechar negócios, alinhar ideias e desenvolver relacionamentos de trabalho, sem perder produtividade.

“Num mundo digital, você é capaz, se tiver uma banda larga, de ficar mais próximo de alguém que está do outro lado do mundo do que de quem está perto”, afirma o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). “Sempre vai haver reunião presencial, mas com a opção do acesso remoto e uma presença de vídeo cada vez maior”, diz Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook.

Além de encurtar as distâncias e de permitir a participação de centenas de pessoas na conversa e uma maior interação entre os participantes do que na comunicação por telefone, as videoconferências trazem uma economia de custos substancial para as empresas com viagens, transporte, hotéis e alimentação em tarefas fora do escritório. Há também um ganho considerável de tempo para todo mundo.

“A pandemia promoveu a aceleração de novos hábitos, como a realização de reuniões via videoconferência, que aumentam enormemente a produtividade”, afirma o economista Adriano Pitoli, ex-diretor de análise setorial e regional da Tendências Consultoria e ex-chefe do núcleo da Secretaria de Indústria e Comércio do Ministério da Economia em São Paulo. “Isso não tem mais volta.”

Webinars em série

Antes da pandemia, ir a um seminário a respeito de um tema de seu interesse ou a uma palestra com algum “fera” em seu campo de atuação era um ritual do qual poucos profissionais abriam mão. Não só para ver e ouvir de perto as ideias dos debatedores, mas também pela oportunidade de encontrar profissionais de outras empresas e trocar ideias sobre os negócios e os assuntos em pauta. Muita gente viajava para outra cidade e até para outro País para acompanhar as apresentações presencialmente.

Alguns eventos já eram transmitidos pela internet ou gravados para ser compartilhados depois, mas a iniciativa ainda não tinha decolado para valer no País. De repente, com as restrições impostas à realização de eventos presenciais durante a quarentena, os webinars e as palestras digitais se multiplicaram e se popularizaram, transformando a área de eventos corporativos para sempre.

Os webinars ampliam o alcance das apresentações e deverão fazer parte da rotina de trabalho daqui para a frenteREPRODUÇÃO/YOUTUBE FGV

Os webinars não têm o charme nem o burburinho dos coffee breaks. Nem favorecem o networking, que é um dos pontos altos dos eventos presenciais. Mas permitem que você possa assistir a uma apresentação de qualquer lugar e a qualquer hora, ampliando consideravelmente o alcance das apresentações. “O webinar permite o acesso de um evento e de um road show a um público que eles não tinham antes”, afirma Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook. “Agora, é possível amplificar muito mais os eventos, para diferentes audiências.”

Obviamente, quando a pandemia passar, os seminários e as palestras presenciais vão voltar a acontecer e a atrair um público fiel. A experiência de acompanhar de perto as apresentações e poder interagir com os participantes presencialmente é insubstituível. Os webinars, porém, conquistaram o seu espaço na vida dos profissionais durante a pandemia e farão parte cada vez maior da nossa rotina de trabalho.

A tendência, de acordo com Marcandali, é de os seminários e palestras serem um misto de eventos presenciais e virtuais. “As pessoas hoje estão muito mais familiarizadas com o consumo de vídeo, ferramentas digitais e lives”, diz. “Para o mundo corporativo se conectar com essa audiência agora ficou muito mais fácil.”

Networking digital

Um dos principais efeitos colaterais da quarentena no mundo do trabalho foi praticamente eliminar os contatos de relacionamento, que são fundamentais para “quebrar o gelo” e aproximar as pessoas.  De uma hora para outra, aquele café da manhã ou almoço profissional e aquele papo informal num evento corporativo ficaram inviáveis, deixando muita gente na mão.

Agora, com o relaxamento da quarentena, os encontros de trabalho fora do escritório estão começando a voltar e certamente vão ocupar o seu lugar na rotina dos profissionais. Mas os encontros de trabalho virtuais conquistaram o seu espaço e dificilmente irão perdê-lo daqui para a frente. Ao contrário. A tendência é de eles conquistarem um público cada vez maior.

O networking virtual pode parecer impossível para os mais velhos, mas não é um problema para os nativos digitaisROSE WONG/THE NEW YORK TIMES

Embora pareça impossível para os mais velhos, principalmente, fazer networking de forma digital, para os mais jovens, que tiveram uma experiência digital desde cedo, isso não é um problema. De acordo com  Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho ligada ao Facebook, a necessidade do contato presencial para desenvolver relações profissionais, é uma questão de geração.

“A nova geração, dos nativos digitais, não tem nem e-mail. Eles têm uma conta no Facebook, no Instagram, no WhatsApp, e vão buscar formas de fazer o seu networking de maneira 100% digital”, afirma. “Vão ter os grupos, os fóruns, as suas comunidades digitais, nas quais vão criar esses relacionamentos, esses vínculos. Vão suprir essa necessidade de forma diferente.”.

Na avaliação do economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020), é preciso levar em conta também o aspecto cultural nessa questão. Segundo ele, no Brasil há uma resistência maior do que em outros países ao networking digital. “Para a nossa cultura, é difícil fazer isso virtualmente”, diz. “Outras culturas assimilam melhor a falta de proximidade para poder fechar um negócio ou fazer um contato profissional.”

“As pessoas ainda desconfiam do virtual porque, no Brasil, elas desconfiam da sombra”

Gabriel Pinto, economista e autor do livro Passaporte para o Futuro

Pinto afirma que, de acordo com as pesquisas, o Brasil é “o lugar com a maior taxa de desconfiança interpessoal” e o país “que mais acredita em fake news”. Por isso, em sua visão, há uma necessidade maior de proximidade nos contatos de negócios. “As pessoas ainda desconfiam do virtual simplesmente porque no Brasil elas desconfiam da sombra.”

Ainda assim, mesmo que em ritmo mais lento, o networking digital deve ampliar cada vez mais a sua presença no dia a dia do trabalho no pós-pandemia, com os nativos digitais e até os mais analógicos que, eventualmente, venham a aderir ao sistema.

Viagens de trabalho limitadas

Com as medidas de isolamento social, as viagens de trabalho, em especial as de longa distância, caíram praticamente a zero. Aos poucos, com a flexibilização da quarentena, elas estão voltando. Mas dificilmente deverão retornar ao nível de antes da pandemia – e, se voltarem, ainda levará um bom tempo para isso acontecer.

Na pandemia, com a “descoberta” das videoconferências pelas empresas, ficou claro que é possível fazer reuniões de negócios de forma virtual, sem comprometer os resultados. Deu para ver também que as reuniões virtuais permitem uma economia substancial com passagens de avião, hotéis, alimentação em viagem, táxis e aplicativos de transporte urbano. Permitem também uma economia significativa de tempo para fazer tudo isso.

Com a popularização das videoconferências, as viagens de negócio deverão diminuir muito nos próximos anosWERTHER SANTANA/ESTADÃO

Diante da nova realidade, muitas empresas passaram a avaliar se precisam mesmo que seus funcionários façam tantas viagens quanto faziam antes e estão estudando a adoção das videoconferências de forma permanente na rotina de trabalho.

“As viagens de negócio não vão ser mais as mesmas daqui para a frente”, afirma o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). “Deve haver uma sequela de longo prazo nas viagens de negócios”, diz o economista Adriano Pitoli, ex-diretor de análise setorial e regional da Tendências Consultoria e ex-chefe do núcleo da Secretaria de Indústria e Comércio do Ministério da Economia, em São Paulo.

Segundo Pitoli, a redução nas viagens de trabalho terá um efeito colateral perverso nas empresas aéreas e nos hotéis. Ele lembra que os aeroportos do País receberam pesados investimentos nos últimos anos e provavelmente sofrerão com a redução do tráfego aéreo por uns bons anos. “As viagens de trabalho representam um componente muito importante do negócio tanto para as companhias aéreas quanto para os aeroportos e a área de hotelaria”, afirma.

Na visão do economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, vários negócios que dependem das viagens corporativas terão de ser reinventados e isso levará ao corte de empregos que “não necessariamente” serão absorvidos por outros setores. É uma mudança que, em sua avaliação, “tem um lado negativo que dá medo”.

Roupas casuais para trabalhar

Na quarentena, com a adoção em massa do home office, o “dress code” de trabalho mudou de forma substancial. A formalidade predominante nos escritórios perdeu espaço para as peças mais casuais, mais apropriadas para o trabalho em casa. Mesmo quem tem uma posição executiva deu uma “aliviada” no visual – e é difícil imaginar que, quando tudo isso passar, as coisas vão voltar a ser como no pré-pandemia.

“A gente tinha alguns padrões, que já estavam estabelecidos há muito tempo, e seguia sem pensar. Com todo mundo em home office, as pessoas ficaram mais casuais na maneira de vestir”, diz a empresária e consultora Alice Ferraz, colunista do Estadão e CEO da F*Hits, plataforma de influenciadores digitais nas áreas de moda, beleza e comportamento. “Isso não vai voltar a ser como antes tão rápido. Tenho a sensação de que talvez nem volte.”

Com a adoção do home office pelas empresas, até os executivos ficaram mais casuais na forma de se vestirARQUIVO PESSOAL

Segundo Alice, no Brasil, já predominava uma forma de se vestir mais casual. A nova geração, também, já adotava um código de vestuário bem mais informal. Os executivos, porém, “se vestiam de executivos” e na pandemia acabaram mudando o estilo.

“É esquisito a pessoa estar de terno e gravata numa ‘conference call’, mesmo que seja um executivo, a não ser que tenha um cargo público. As mulheres também não vão usar salto alto para fazer um Zoom”, afirma. “Eu tenho feito Zoom com pessoas que trabalham em banco e em áreas que tinham um ‘dress code’ mais formal antes da pandemia e nunca imaginei que estariam vestidos como estão.”

“O consumo de moda mudou completamente. As marcas terão de se reinventar para se adaptar aos novos tempos”

Alice Ferraz, empresária e CEO da plataforma de influenciadores digitais de moda e beleza F*Hits

Há relatos de executivos que vestem camisas mais casuais com paletó ou uma camisa pólo para trabalhar em casa, mas da cintura para baixo ficam de bermuda e tênis, porque é uma área que não costuma aparecer nas videoconferências.  Um executivo contou que manteve o hábito de vestir um ‘costume’ e uma camisa social para trabalhar em casa, mas, em vez de sapato, usava chinelo.

Numa foto que viralizou nas redes sociais, a editora-chefe da Vogue americana, Anna Wintour, aparece em home office vestindo um estiloso moletom vermelho, com uma faixa branca nas laterais, e um suéter vinho de lã, com largas listras pretas horizontais.”Não há nada como estar em casa para um verdadeiro conforto”, disse a jornalista em seu perfil no Instagram.

Alice afirma que a reação das mulheres e dos homens neste caso é bem diferente. “O homem toma um banho, dá uma arrumada básica, e tudo bem. A mulher, mesmo com uma camiseta mais casual, uma roupa mais confortável, e um sapato flat ou uma rasteirinha, quer estar bem apresentada, colocar um acessório, um brinco, um colar”, diz. “Esse ritual de a mulher se arrumar a anima a passar o dia trabalhando em casa.”

A mudança no guarda-roupa na pandemia traz também alguns efeitos colaterais, que deverão ter um efeito de longo prazo na indústria da moda. As roupas casuais, em geral, são bem mais baratas do que as sociais, reduzindo sensivelmente os gastos dos profissionais com vestuário. “O consumo de moda mudou completamente”, afirma Alice. “Quando a pandemia, passar vamos ter de entender até que ponto será uma mudança permanente e como as marcas terão de se reinventar para se adaptar aos novos tempos.”


CONSUMO

Com o fechamento do comércio durante a quarentena, a nossa forma de comprar e de vender se tornou quase 100% digital. Basicamente, só os hiper e supermercados, além do pequeno varejo de alimentos,  mantiveram as portas abertas num primeiro momento. Mas, mesmo nestes casos, muita gente preferiu fazer as compras online, quando possível.

Agora, com a reabertura do varejo, as lojas de rua, que vinham perdendo espaço nos últimos anos, ganharam novo impulso. Por ora, um contingente considerável de consumidores ainda procura evitar os shoppings, que são espaços fechados e mais propensos a atrair aglomerações.

Como já era esperado, o e-commerce caiu um pouco com a volta do varejo a uma relativa normalidade, mas ainda continua bem acima do nível pré-pandemia. A tendência é de o comércio eletrônico se consolidar no novo patamar e voltar a crescer gradualmente logo mais.

Com o delivery está ocorrendo um fenômeno semelhante. Apesar da ligeira queda na demanda após a reabertura de bares e restaurantes, o delivery continua a ser a alternativa preferida por muitos consumidores.

Expansão do comércio eletrônico

Durante o período de isolamento social, o comércio eletrônico, que já vinha em alta há anos, cresceu em progressão geométrica no País. De repente, todo mundo, inclusive os mais idosos, que tinham maior resistência em aderir ao sistema, passou a comprar quase tudo online.

Agora, com a flexibilização da quarentena e a reabertura do comércio, as vendas pela internet registraram um ligeiro recuo, mas continuam bem acima do nível de antes da pandemia. A tendência, com a crescente digitalização da população, é que o e-commerce se consolide em um novo patamar e volte a crescer com consistência em breve.

Segundo dados da Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), o e-commerce teve um crescimento robusto durante a crise, tanto em faturamento como em número de transações. De janeiro a agosto deste ano, o número de pedidos aumentou 65,7%, passando de 63,4 milhões para 105,1 milhões, enquanto o faturamento cresceu 56,8%, de R$ 26,7 bilhões para R$ 41,9 bilhões.

Em setembro, de acordo com um levantamento feito pela Corebiz, empresa de marketing digital para o varejo, houve uma pequena queda nas transações digitais em relação a agosto. O resultado, porém, ainda ficou bem acima do registrado no mesmo mês do ano passado. No setor de casa e construção, por exemplo, a queda foi de 0,5% em relação a agosto, mas, em comparação com setembro do ano passado, o crescimento ainda alcança 97%. Na área de moda, a redução também foi de 0,5% em relação ao mês anterior, mas o resultado em relação a setembro de 2019 ainda chega a 77%.

“Com a pandemia e tudo o que a gente conseguiu avançar em comércio eletrônico nesse período, o Brasil tem hoje entre 38 milhões e 42 milhões de consumidores online, dependendo da fonte, o que é quase o dobro do que a gente tinha antes”, diz Fernando Gambôa, sócio no Brasil da KPMG, uma empresa internacional de consultoria, e responsável pela área de consumo e varejo. “Mesmo assim, isso representa apenas 20% da população brasileira. O espaço para crescer, portanto, é muito grande.”  (leia a entrevista completa de Fernando Gâmboa sobre o impacto da pandemia nos hábitos de consumo e no varejo) 

Na visão de Gambôa, não é por acaso que, durante a crise, o Mercado Livre se tornou a empresa de capital aberto com o maior valor de mercado da América Latina, de US$ 64,7 bilhões (R$ 368,7 bilhões). “Ninguém esperava isso, porque os ativos de uma Petrobrás e de uma Vale são muito maiores que os do Mercado Livre.”

“Quando o pequeno varejo vai ao e-commerce, abre um tremendo leque de oportunidades”

Fernando Gambôa, sócio da KPMG no Brasil e responsáve pela área de consumo e varejo

Na quarentena, os pequenos negócios, que estavam ausentes do e-commerce, entraram no jogo, associando-se a um market place, como o da Lojas Americanas, o da Magalu e o da Amazon. De acordo com a Abcomm, cerca de 150 mil novas lojas virtuais surgiram entre março e julho, uma média de 30 mil por mês ou quase uma nova loja por minuto, enquanto antes da pandemia a média era de 10 mil lojas por mês. Os pequenos varejistas fincaram também sua bandeira nas redes sociais, para ampliar as vendas online e interagir com a clientela.

Diante do sucesso que alcançaram, segundo Gambôa, muitas empresas de menor porte passaram a questionar se faz sentido manter as lojas físicas, cujos aluguéis custam caro, em vez de ficar só no mundo virtual, instaladas em locais menos valorizados e alcançando um número muito maior de clientes. “Quando o pequeno varejista vai ao e-commerce, abre um tremendo leque de oportunidades”, afirma. “Cria o varejo sem fronteiras.”

“Mesmo para a Amazon é difícil gerar lucratividade no e-commerce”

Adriano Pitoli, economista e consultor, ex-diretor de análise setorial e regional da Tendências Consultoria

Para o economista Adriano Pitoli, ex-diretor de análise setorial e regional da Tendências Consultoria e ex-chefe do núcleo da Secretaria de Indústria e Comércio do Ministério da Economia em São Paulo, a pandemia trouxe também grandes desafios para as grandes redes de varejo, que já estavam estabelecidas no e-commerce.

Embora sejam festejadas pelos investidores e tenham aumentado muito o faturamento no e-commerce durante a pandemia, as grandes redes ainda não comprovaram que seus modelos de negócios digitais são lucrativos. “É duro ganhar dinheiro nesse mercado. Mesmo para a Amazon, é difícil gerar lucratividade”, diz. “Até pouco tempo atrás, o que estava dando lucro para a Amazon era o serviço de nuvem e não o comércio eletrônico.”

Segundo Pitoli, a forte concorrência entre as redes na venda de bens industrializados de alto valor agregado, como as TVs, leva à redução das margens de lucro. “Se um site está oferecendo uma TV da marca ‘X’ por R$ 5 mil e no site vizinho o mesmo aparelho está por R$ 4.999, você clica no de R$ 4.999.”

Além disso, na pandemia, com as lojas fechadas, os próprios fabricantes passaram a oferecer seus produtos diretamente ao consumidor, ampliando ainda mais a concorrência. Como se pode observar, ainda há muito a acontecer nesta área e a disputa pelo mercado só tende a crescer. Melhor para o consumidor, que incorporou de vez o e-commerce em seu dia a dia.

Revitalização das lojas de rua

Um dos principais efeitos da pandemia no varejo foi a revitalização das lojas de rua, que vinham perdendo espaço há anos no País, e a redução na atratividade dos shoppings. Passados quase cinco meses da reabertura, os shoppings ainda não conseguiram retomar o lugar que ocupavam antes da crise e é difícil dizer hoje se algum dia conseguirão fazê-lo.

Embora muita gente esteja agindo como se pandemia tivesse acabado, uma parcela considerável da população continua preocupada com o contágio, procurando manter um certo distanciamento social. Por isso, quando precisa sair de casa para ir às compras, está dando preferência ao varejo de rua, que pode atender os clientes na calçada, se for o caso, em lugar dos shoppings, que são locais fechados e tendem a ter maior aglomeração de consumidores.

Muitos varejistas que haviam deixado de lado as lojas de rua também voltaram a enxergá-las como uma alternativa para rentabilizar os seus negócios, estimulados pelo crescimento do comércio eletrônico e pela queda substancial do movimento dos shoppings em relação ao pré-pandemia.

As lojas de rua permitem a manutenção de um estoque segregado para vendas online sem onerar muito o custoWERTHER SANTANA/ESTADÃO

Com a redução do faturamento das lojas de shopping, a viabilidade econômica de manter um ponto de altíssimo custo ficou em xeque. “Todo mundo entendeu que, migrando para loja de rua, barateia o seu custo e pode criar um estoque segregado para as vendas online, para continuar vivendo do e-commerce”, afirma Fernando Gambôa, sócio no Brasil da KPMG, uma empresa internacional de consultoria, e responsável pela área de consumo e varejo. “Se você usar uma loja de shopping para fazer e-commerce, cada produto que enviar para um cliente vai ter de pagar uma porcentagem para o shopping, coisa que no varejo de rua não acontece.”

Segundo Gambôa, a tendência é haver um aumento na devolução de espaços nos shoppings e uma redução no interesse das marcas por buscar novos empreendimentos do gênero para se instalar. Isso deverá levar a uma redução dos lançamentos de shoppings no País nos próximos meses e anos. “Para lançar um novo shopping agora ficou complicado”, diz.

No exterior, já antes da pandemia, de acordo com ele, os shoppings estavam se reinventando e se transformando em grandes centros de entretenimento, “com umas lojas do lado”. A questão é que, com o coronavírus, esse modelo, que favorece aglomerações ainda maiores do que os shoppings tradicionais, também ficou na berlinda. De um jeito ou de outro, os próximos anos prometem aprofundar as mudanças ocorridas no varejo durante a crise.

Delivery no cardápio

O delivery já era uma realidade no País muito antes da pandemia. Mas, na quarentena, os motoqueiros que prestam serviço de entrega em domicílio tomaram conta das ruas como nunca, impulsionados por aplicativos como iFood, Rappi e Uber Eats. Até bebidas produzidas em bares da moda passaram a ser entregues em casa, ampliando o cardápio à disposição da clientela.

Em São Paulo, restaurantes estrelados, como o Fasano, e chefs famosos, como Erick Jacquin, do Presidént, e Carla Pernambuco, do Carlota, que nunca haviam aderido ao sistema, entraram na dança, para manter o negócio em funcionamento durante a fase mais aguda de isolamento social.

Com a adesão de nomes de destaque da cena gastronômica ao delivery, as velhas quentinhas de alumínio ou isopor cederam espaço a embalagens mais sofisticadas e mais criativas. Além de manter a textura dos ingredientes e o visual dos pratos, elas ainda deram um toque de classe ao serviço.

Na pandemia, restaurantes estrelados, como o Fasano, criaram embalagens mais sofisticadas para o deliveryPATRÍCIA FERRAZ/ESTADÃO

Mesmo com a reabertura de bares e restaurantes para atendimento presencial, o movimento ainda está bem abaixo do que no pré-pandemia. Muita gente ainda não se sente segura em fazer as refeições num ambiente fechado, com as mesas frequentemente distribuídas em desacordo com o protocolo e com todos os clientes sem máscara. A tendência, portanto, é o delivery continuar a turbinar o faturamento, que continua bem mais baixo do que antes da crise.

Em outubro, segundo a Cielo, uma das principais empresas de administração de cartões de crédito, a receita de bares e restaurantes ainda foi 26,8% menor do que antes da covid-19, mesmo com o delivery, e a previsão é de que ainda levará um bom tempo para retornar ao patamar anterior.

De acordo o Instituto Foodservice Brasil (IFB), uma organização que congrega as principais empresas do setor de alimentos – fabricantes, prestadores de serviço e operadores –, os gastos com refeições preparadas fora de casa deverão ficar em R$ 137 bilhões em 2020 e em 187,2 bilhões em 2021. Se isso se confirmar, a queda no faturamento deverá alcançar 36,2% em 2020 e 13% no ano que vem em relação aos R$ 215 bilhões registrados em 2019. “Muitas empresas continuarão a manter os funcionários em home office e aquele movimento que havia perto dos escritórios pode nunca mais voltar a ser o mesmo”, diz Ingrid Devisate, diretora executiva do IFB.


A ideia de estar no mesmo ambiente com várias pessoas sem máscara ainda assusta muita gente


Não por acaso o Burger King abriu no Brasil a primeira ghost kitchen (“cozinha fantasma”) da rede no mundo, para atender o aumento na demanda pelo delivery e otimizar a entrega presencial nos restaurantes do grupo. O iFood, por sua vez, recebeu aval da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para começar a operar com drones. A ideia é usar os equipamentos para fazer a primeira parte do trajeto, até um posto intermediário, onde os pedidos serão distribuídos os entregadores, para ser levados aos endereços dos clientes. São  apostas que reforçam a percepção de que o delivery deverá continuar a ter uma presença relevante na  vida de todos nós mesmo depois que a pandemia se for.


COTIDIANO

Além das mudanças ocorridas na economia, nas relações de trabalho e no consumo, a pandemia provocou uma profunda transformação na área educacional, nas consultas médicas e nos hábitos de higiene da população.

O ensino a distância e a telemedicina, que já vinham ganhando espaço antes da crise, ainda que em forma lenta e gradual, entraram de vez no dia a dia de professores e alunos, médicos e pacientes. As máscaras e o álcool gel passaram a fazer parte do nosso cotidiano, apesar de muita gente já ter deixado de usá-los como deveriam, em franco desrespeito às recomendações sanitárias.

Adoção do ensino virtual

Antes do coronavírus, muitos cursos livres já eram realizados de forma 100% virtual, embora ainda fossem raras as experiências do gênero na educação formal do País. De repente, com a pandemia e o fechamento de escolas e universidades, as aulas digitais tornaram-se uma realidade para alunos, professores e instituições de ensino. Mesmo diante das dificuldades trazidas por uma mudança desta natureza, os resultados foram promissores e transformaram para sempre a educação no País.

No pós-pandemia, deverá predominar o ensino híbrido, que combina educação a distância e presencialRENATO CUKIER/ESTADÃO

Hoje, apesar de a maioria das escolas e universidades já terem retomado as aulas presenciais, a situação ainda está longe de voltar à normalidade. Para garantir o distanciamento mínimo em sala de aula, as escolas ainda não estão recebendo todos os alunos ao mesmo tempo – e é difícil prever quando isso vai acontecer. Muitas instituições estão mantendo, em alguma medida, o ensino virtual e deverão incorporar o sistema em definitivo, como uma ferramenta preciosa de ensino, quando a pandemia passar.

“Acho que o ensino a distância, acelerado pela pandemia, é uma tendência sem volta”, afirma a empresária Ana Maria Diniz, uma das fundadoras do movimento Todos pela Educação, parceria público-privada que visa a melhorar a qualidade da educação básica,  e presidente do conselho do Instituto Península, braço social dos negócios de sua família, que mantém o Instituto Singularidades, voltado para a formação de professores.

Segundo Ana Maria, também colaboradora do Estadão, daqui para a frente deverá predominar o ensino híbrido, que combina a educação presencial e a distância. “As atividades individuais, como fazer pesquisas e assistir vídeos, usando a tecnologia para isso, poderão ser feitas remotamente”, diz. “Agora, o desenvolvimento da criatividade coletiva e da parte socioemocional das crianças, que depende do contato com os colegas, com o professor e com a hierarquia das escolas e que é muito importante para a formação do caráter, terá de ser necessariamente presencial.”

“O ensino a distância funciona, é produtivo e permite que quem trabalha possa estudar na hora que lhe convém”

Ana Maria Diniz, empresária, fundadora do movimento Todos pela Educação e presidente do conselho do Instituto Península

No caso das universidades, a legislação só permite hoje que até 20% dos cursos sejam dados a distância, mas esse porcentual tem de ser ampliado, de acordo com Ana Maria, para 40% ou 50% ou até mais. “Esse limite não faz sentido”, afirma. “O ensino a distância funciona, é produtivo e permite que o aluno possa estudar na hora que lhe convém e que quem trabalha consiga administrar melhor a sua agenda.”

Em sua avaliação, há duas questões relevantes que surgiram durante a quarentena e que terão de ser endereçadas a partir de agora: o treinamento dos professores, para que haja melhor uso da tecnologia no ensino, e o aumento da desigualdade entre os estudantes das escolas privadas e os das escolas públicas, que não têm computadores ou tablets nem conexão à internet.

A ampliação do ensino a distância nos próximos anos, de acordo com Ana Maria, deverá levar também a um questionamento sobre o tamanho das escolas. Como todas as crianças não precisarão ir à escola ao mesmo tempo, os prédios e as salas de aula poderão ser menores. Isso permitirá a expansão do ensino em período integral, especialmente nas escolas públicas, às quais faltam recursos para implementar o sistema de forma 100% presencial.

Adesão à telemedicina

Com o coronavírus à espreita e a multiplicação dos casos graves de contágio no País, o acompanhamento dos portadores de doenças crônicas e as consultas presenciais de quem estava com um problema ocasional de saúde viraram atividades de altíssimo risco para médicos, pacientes e suas famílias.

Mas, graças à telemedicina, foi possível contornar as dificuldades do momento e prestar algum tipo de assistência médica, mesmo que fosse apenas para monitorar a situação dos pacientes, dar alguma orientação ou solicitar exames que permitissem um diagnóstico mais preciso de sintomas apresentados por eles.

Embora muitas organizações do setor de saúde resistissem há anos à adoção das consultas remotas de forma massificada, elas se transformaram subitamente na única opção segura para o sistema continuar funcionando e para que pacientes e médicos evitassem o contato físico na pandemia.

Sem alternativa, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não teve outra saída, então, a não ser a de reconhecer, em 19 de março, a necessidade de ampliar a prática da assistência médica remota no País, o que levou o Ministério da Saúde a publicar no dia seguinte uma portaria liberando, “em caráter excepcional e temporário”, o uso da telemedicina.

Na crise, a telemedicina mostrou que pode desempenhar um papel relevante no sistema de saúdeFABIO H MENDES/E6 IMAGENS/EINSTEIN

Com a popularização de seu uso na quarentena, a telemedicina mostrou que muitas das restrições levantadas contra ela por profissionais de saúde tinham mais a ver com preconceitos contra a tecnologia do que com problemas concretos apresentados pelo atendimento remoto. Deu para a telemedicina mostrar, também, a sua eficácia, para quem ainda tinha alguma dúvida sobre o papel que ela pode representar no sistema de saúde daqui para a frente.

“Houve uma grande aceitação da telemedicina não só por parte dos pacientes, mas também dos médicos”, afirma Fernando Pedro, diretor técnico da Amil, uma das principais empresas de assistência médica do País, que adotou o sistema de forma ampla na pandemia (leia a entrevista completa de Fernando Pedro). “A telemedicina contribuiu muito para garantir tranquilidade e segurança na prestação de assistência médica durante a crise.”

Segundo Pedro, a Amil completou recentemente meio milhão de acessos ao sistema de consulta digital. Os atendimentos passaram de 15 por dia antes do coronavírus, quando o sistema ainda estava em fase experimental, para 2.800 atendimentos por dia, no fim de setembro. Até os pacientes com mais de 65 anos, que em geral são mais resistentes ao uso da tecnologia, em especial na área de saúde, passaram a recorrer à telemedicina na pandemia, representando 16% do total de atendimentos remotos da Amil. “É outra realidade que a gente está vivendo”, diz Pedro.

“O médico tem de estar num ambiente em que o paciente se sinta seguro e possa criar um elo de confiança com ele”

Fernando Pedro, diretor médico da Amil

Além de garantir o acesso de pacientes ao sistema de saúde durante a pandemia e de mantê-los distantes de quem precisava de cuidados urgentes, a telemedicina apresentou outras vantagens. Ao evitar os deslocamentos e as longas jornadas na sala de espera de consultórios, otimizou o tempo de médicos e pacientes e trouxe maior conveniência para ambos, ao permitir que pacientes de uma região das grandes cidades ou de outros municípios tivessem acesso aos médicos de sua preferência que atendem em outras localidades.Com tudo isso, levou a um aumento de produtividade e de redução geral de custos no sistema.

Mas, na avaliação de Pedro, a telemedicina deve ser vista “como mais um canal” de comunicação entre médico e paciente, que precisa ser regulamentada, para garantir qualidade e segurança aos usuários, e não como uma solução única, que sirva para todas as ocasiões e substitua a consulta presencial


No pós-pandemia, a regulamentação de telemedicina tem de levar em conta as experiências de sucesso na crise


Para ele, a telemedicina deve ser entendida como um ato médico, com toda a liturgia a ele associada. “O médico tem de estar num ambiente em que o paciente se sinta seguro e crie um elo de confiança com ele”, afirma. “O médico não pode prestar um atendimento e de repente o paciente ver que ele está atendendo o telefone ou respondendo mensagens de WhatsApp”, afirma. “A gente também não pode correr o risco de o médico fazer um atendimento remoto no carro ou de a consulta virtual ser interrompida pelo seu filho ou por sua mulher”.

De qualquer forma, pelo que se viu na pandemia, a telemedicina deverá ocupar um espaço cada vez maior no sistema de saúde do País e ser incorporada, com menos resistência, ao relacionamento cotidiano de médicos e pacientes.

Opção pelo carro próprio

A pandemia provocou uma inversão radical de comportamento em relação à mobilidade. Ao contrário do que acontecia antes, quando se observava uma tendência de aumento no uso do transporte coletivo, de aplicativos como o Uber e até de veículos compartilhados, o interesse pelo carro próprio voltou a crescer.

De repente, a preocupação de muita gente com o efeito das emissões de carbono no aquecimento global cedeu lugar à busca por segurança e proteção contra o contágio pela covid-19. Quem tinha condições de fazer seus deslocamentos diários com carro próprio passou a fazê-lo. Não só em deslocamentos urbanos do dia a dia, mas também nas viagens de lazer e de trabalho mais curtas, que ganharam espaço com a pandemia, para reduzir o risco de uma exposição ao vírus em aviões e até em ônibus interurbanos e interestaduais usados nas viagens mais longas. o carro virou até opção de entretenimento, com o renascimento dos cinemas drive-in.

Enquanto durar a pandemia, quem puder vai continuar privilegiando o transporte individual, para reduzir o risco de contágioSHUTTERSTOCK

Não dá para dizer no momento se essa tendência terá vida longa, mas não há dúvida de que, ao menos por mais alguns meses ou enquanto durar a pandemia, quem puder vai continuar a dar preferência para o transporte individual. Muitas pessoas usam máscaras até em seus próprios carros, como recomenda o protocolo, e evitam o uso de estacionamentos, para não ter de compartilhar o veículo com manobristas que nem sempre tomam as medidas de proteção necessárias contra o vírus.

Se a pandemia levou ao fechamento de revendas e derrubou as vendas de carros particulares nos primeiros meses, agora ela está estimulando, junto com os juros baixos, os negócios. Segundo informações da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos), a venda de veículos registrou a sexta alta mensal consecutiva em setembro.


No crise, o contingente de chineses que não têm carro e querem comprar um aumentou de 34% para 66%


Em outros países, a tendência é a mesma, para desespero dos ecologistas. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria francesa Capgemini com 11 mil pessoas em 11 países, 35% dos entrevistados disseram que querem comprar um carro novo ainda em 2020. Na China, epicentro da epidemia, um levantamento feito pelo Instituto Ipsos mostrou que 66% dos chineses que não têm veículo próprio querem comprar um carro, quase o dobro do índice registrado no pré-pandemia.

Higienização contínua

Com a pandemia, os hábitos de higiene e limpeza ganharam ainda mais importância, para reduzir as chances de contágio de cada um de nós. Alguns produtos, como as máscaras, usadas principalmente por profissionais de saúde no pré-pandemia, tornaram-se um acessório indispensável da noite para o dia. O álcool gel, que tinha uso limitado, virou um artigo de primeira necessidade e passou a ser oferecido gratuitamente em locais públicos, estabelecimentos comerciais, escritórios e em bares e restaurantes.

Embora muita gente já se comporte como se a pandemia tivesse passado, apesar das centenas de mortes e milhares de novos casos de contaminação por coronavírus registrados a cada dia, os novos hábitos de higiene e limpeza foram incorporados por uma parcela significativa da população e deverão prosseguir mesmo depois que a crise passar.

Os produtos da “cesta covid-19 de consumo”, como o álcool em gel, viraram artigos de primeira necessidade na vida de todos nósTIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Percebemos uma mudança de comportamento do brasileiro tanto dentro de casa como na retomada gradual das atividades”, afirma João Carlos Basílio, presidente executivo da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).

No primeiro semestre de 2020, segundo dados da entidade, houve um crescimento de 2.067% no consumo de álcool em gel em relação ao mesmo período do ano passado. Outros itens da chamada “cesta covid-19 de consumo” também registraram um aumento expressivo nas vendas no período, como lenços e toalhas de papel, papel higiênico e sabonete líquido, com alta de 75%, 39,5%, 20,5% e 18,2%, respectivamente.

A preocupação em reduzir o risco de contágio se refletiu também no maior uso de produtos para limpeza doméstica, como desinfetantes, águas sanitárias e o próprio álcool em gel, e para higienização de ambientes coletivos, como shopping centers, trens, metrô e ônibus. Muitas pessoas passaram a higienizar até os produtos comprados nos supermercados antes levá-los para dentro de casa, seguindo as recomendações de médicos e sanitaristas.


Mesmo com a volta dos profissionais às empresas, o consumo de produtos de limpeza deve continuar alto


“Nós tivemos uma mudança de comportamento das pessoas em relação a limpeza”, diz Paulo Engler, diretor executivo da Abipla, que reúne os fabricantes de produtos de higiene, limpeza e saneantes para uso doméstico e profissional. “Acredito que as pessoas agregaram ao seu cotidiano um cuidado maior com a higiene pessoal e a limpeza do ambiente doméstico e de trabalho, e deverão manter isso pelo menos nos próximos anos.”

Segundo Engler, mesmo que a volta dos profissionais às empresas provoque uma queda no uso de produtos de limpeza doméstica, ela será compensada pelo aumento do consumo de itens de uso profissional e empresarial. Diante do “choque” provocado pela pandemia, ainda vai levar um bom tempo, se é que isso vá mesmo acontecer algum dia, até que todo mundo se sinta à vontade para sair por aí sem se proteger de forma adequada e para que as medidas de higienização e de prevenção de contágio nos locais públicos sejam relaxadas.


LAZER E ENTRETENIMENTO

Em meio à pandemia, com a proibição de público nos grandes shows, as lives conquistaram um espaço próprio no cardápio do entretenimento, que dificilmente será perdido.

Diante das restrições de muitos países ao turismo internacional e das precauções das pessoas e das famílias contra o contágio, as viagens de curta distância, feitas de carro, para locais mais isolados e de menor risco, como sítios, fazendas e casas de campo, seduziram muita gente, aquecendo o uso de serviços como o Airbnb. Os aluguéis de casas de temporada em locais próximos da natureza e das grandes metrópoles viraram uma opção para quem ficou confinado em home office e pode trabalhar de qualquer lugar.

Embora as academias tenham voltado a funcionar, a demanda ainda está bem abaixo do pré-pandemia. A prática dos esportes coletivos por atletas amadores ainda preocupa muita gente e continua proibida em São Paulo. A saída preferida por um grande número de pessoas para se exercitar ainda continua ser a prática de modalidades de menor risco, como a corrida, o ciclismo e o tênis.

Cultura em domicílio

O impacto da pandemia no mundo do entretenimento foi colossal, tanto do ponto de vista do público como da indústria cultural, cujos prejuízos se contam na casa das dezenas de bilhões de dólares. Com a proibição de realização de eventos artísticos e culturais, além do fechamento de museus, cinemas, teatros e galerias de arte, os artistas e toda a cadeia de produção do setor ficaram “a ver navios” — e a nossa vida tornou-se mais pobre e sem graça.

Embora a internet já fosse usada pela indústria cultural antes da crise, a pandemia favoreceu a sua incorporação definitiva como um canal de difusão do entretenimento e das artes. Neste período, a indústria cultural ampliou de forma considerável a sua digitalização, oferecendo ao público, em qualquer lugar do planeta, acesso a uma programação diversificada para se divertir e alimentar o espírito. Até companhias de dança aderiram às transmissões digitais de suas apresentações.

Depois que tudo isso passar, as lives deverão manter um lugar de destaque na nossa vidaYOUTUBE/SANDY&JUNIOR

As lives de música se multiplicaram, com o patrocínio de shows virtuais, de grandes artistas nacionais e internacionais, por grandes empresas. No Brasil, as lives se tornaram um case global. Sete das dez maiores lives de música do YouTube no mundo em todos os tempos são brasileiras, segundo a Alphabet Inc., controladora do Google. Fazem parte da lista Marilia Mendonça, a campeoníssima, com 3,3 milhões de visualizações, Jorge e Mateus, os vice-campeões, Gustavo Lima, o quarto colocado, e Sandy e Júnior, que ficaram na quinta posição.

O fenômeno foi tema de uma reportagem da agência Reuters, publicada pelo New York Times, no final de abril. “As lives se tornaram o novo horário nobre dos brasileiros”, diz Sandra Jimenez, responsável pelas parcerias de música do YouTube na América Latina, na reportagem.

Os serviços de streaming de filmes, que já vinham atraindo um público significativo antes da crise, conquistaram uma legião de novos telespectadores e assinantes em poucos meses. Só a Netflix ganhou 10,1 milhões de associados em todo o mundo no auge da pandemia, entre abril e junho, de acordo com dados da empresa, o equivalente a 5,5% do total de 182,8 milhões de assinantes amealhados pelo serviço desde a sua criação, em 2010.

“Esse mundo digital, em que você compra até roupa para ficar mais bonito virtualmente, agora é o lugar do entretenimento”

Ricardo Dias, vice-presidente de marketing da Ambev

No Brasil, as buscas de conteúdo da  Amazon Prime Video tiveram um crescimento exponencial, de 200%, segundo uma pesquisa feita pela Just Watch, plataforma de buscas de filmes por streaming e de vídeos on demand, embora a plataforma ainda seja menos procurada que a da Netflix. Algo parecido aconteceu, em menor escala, com o Telecine Play, a Globoplay e a HBO Go.

É claro que, para os artistas, nada substitui o contato direto com os fãs. Para o público, nada substitui a experiência de assistir a uma performance dos nossos artistas favoritos ou ver a obra dos grandes pintores presencialmente. Ou até a experiência de assistir um filme numa tela grande e numa sala escura. Mas, mesmo depois que a pandemia passar, os eventos artísticos e culturais digitais deverão manter um lugar de destaque na nossa vida, ao permitir que a gente tenha acesso remoto a apresentações e exibições que, de outra forma, jamais teríamos, e ao disponibilizar uma audiência global para artistas e produtores culturais.

“Eu realmente acredito que as lives vieram para ficar. Esse mundo digital, em que você compra até roupa para ficar mais bonito virtualmente, agora é o lugar do entretenimento”, afirmou recentemente Ricardo Dias, vice-presidente de marketing da Ambev, que patrocinou as principais lives de música sertaneja na pandemia, durante bate papo com o apresentador e narrador de games William Gordox, no canal da empresa no YouTube. “É óbvio que você vai ter a volta dos shows ao vivo. Isso não vai mudar. É uma necessidade básica do ser humano, mas as lives vão continuar acontecendo.”


A pandemia acabou antecipando o futuro do entretenimento no mundo


Agora, para o modelo ser sustentável, ainda falta encontrar uma forma de garantir um retorno financeiro recorrente  aos eventos virtuais. Mesmo levando em conta que o custo de produção e distribuição é muito menor do que o de eventos presenciais, é preciso encontrar uma maneira de “monetizá-los”, como se diz no meio digital, para garantir um fluxo diversificado de projetos e viabilizar a organização de eventos em grande escala.

Talvez, o caminho esteja no patrocínio das lives pelas grandes marcas, como fez a Ambev, com  a distribuição gratuita do conteúdo. Provavelmente, outros modelos surgirão nos próximos meses e anos. Agora, independentemente de quais modelos irão moldar o show business, o que se pode dizer, desde já, é que a pandemia acabou antecipando o futuro do entretenimento no mundo.

Turismo de curta distância

Diante das restrições à entrada de estrangeiros ainda em vigor em muitos países e do receio de viajar de avião, ônibus e trem, para evitar uma eventual exposição ao coronavírus, o turismo sofreu uma guinada radical.

Em vez das viagens para a Disney, Nova York, Londres, Paris ou Buenos Aires, as viagens mais curtas, para locais mais isolados e próximos da natureza, como sítios, fazendas e casas de campo, passaram a ser a opção preferida de muita gente.

Apesar de milhares de pessoas não estarem preocupadas em frequentar praias lotadas nos fins de semana e feriados, como se não houvesse mais qualquer risco de infecção, um contingente considerável ainda prefere seguir o protocolo e manter certo isolamento social.

Ao menos nos próximos meses, muitas famílias ainda devem dar preferência à hospedagem em lugares mais isoladosARQUIVO PESSOAL

Mesmo agora, com a flexibilização das restrições ao funcionamento de hotéis e pousadas, a demanda por hospedagem num local mais reservado, sem uma horda de hóspedes por perto, deve se manter em alta pelo menos nos próximos meses e enquanto o coronavírus estiver por aí. “As pessoas não vão parar de viajar. Elas vão procurar fazer viagens de carro e já vemos isso acontecer nos Estados Unidos”, disse o presidente do Airbnb no Brasil, Leonardo Tristão, em entrevista ao repórter Bruno Romani, do Estadão.

No auge da pandemia, com o isolamento social, até o Airbnb levou um tombo e teve de demitir 1.900 funcionários pelo mundo afora. Milhares de anfitriões que usam o aluguel dos imóveis como complementação de renda pessoal ou familiar – um grupo que representa cerca de 50% do total no Brasil, conforme dados da plataforma – também sofreu um baque doloroso. Em seguida, porém, o movimento foi voltando, ainda que com esse novo perfil, e deverá prosseguir assim por um bom tempo.

“As pessoas vão aprender que podem fazer turismo em cidades menores, que não são ícones turísticos”

Leonardo Tristão, presidente do Airbnb no Brasil

Segundo Tristão, três grandes tendências devem marcar o turismo nos próximos meses e talvez até anos. Uma é o turismo “ultralocal”, para cidades perto dos grandes centros ou de onde a pessoa vive. A segunda é o que ele chama de “descentralização do turismo”, caracterizada por menos turismo de massa, para locais que atraíam muito público, e mais para cidades situadas fora do eixo turístico tradicional. A terceira tendência tem a ver com o aspecto de limpeza e higienização das propriedades, que se tornou uma preocupação recorrente dos hóspedes. Para permitir a higienização adequada das instalações, o Airbnb passou a exigir intervalos de 24 a 72 horas entre as reservas desde meados de junho.

Para o Natal e o Réveillon deste ano, a plataforma já identificou que a preferência por viagens curtas está se mantendo e as buscas já estão no mesmo nível de 2019. “As pessoas vão aprender que podem fazer turismo em cidades menores e que não são necessariamente ícones turísticos”, afirma Tristão. Mas, mesmo que as viagens de curta distância tenham o seu charme e tenham conquistado muita gente na pandemia, é provável, que os horizontes voltem a se alargar novamente quando tudo isso passar.

Esportes de baixo risco

Com a reabertura de clubes, parques e academias, a prática esportiva está retomando, gradualmente, o seu espaço. Diversos Estados e municípios já liberaram até a prática de esportes coletivos e o funcionamento das quadras de futebol e de outras modalidades, como vôlei e basquete, embora em algumas cidades, como São Paulo, as duas atividades continuem proibidas.

Apesar de muita gente ter aproveitado a liberação dos esportes coletivos pelo Brasil afora para voltar à ativa, ainda há um contingente considerável que prefere praticar modalidades de menor risco, como caminhada, corrida, ciclismo e tênis, de preferência em locais abertos, ou fazer exercícios em casa mesmo, em vez de malhar nas academias — e a tendência, enquanto o coronavírus estiver por aí, é de o quadro atual se manter.

As academias, por exemplo, retomaram as atividades em São Paulo há quatro meses, com agendamento prévio, e agora já podem ter uma ocupação de 50% do espaço, com um cliente a cada seis metros, mas a demanda ainda está muito abaixo da que havia no pré-pandemia. O mesmo está acontecendo com as escolinhas de futebol para crianças e adolescentes, que retomaram as atividades em julho.

Por oferecer risco menor de contágio, modalidades como tênis, ciclismo, corrida e caminhada ainda devem atrair mais o públicoDANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO

Na capital paulista, as empresas que administram quadras de futsal e de outras modalidade têm feito pressão pela reabertura, mas a Secretaria Municipal de Esportes reafirmou recentemente que as modalidades coletivas e as quadras só serão liberadas na fase azul do Plano São Paulo – no momento o município está na fase anterior, a verde, e não há previsão de quando isso irá se alterar.

Os centros esportivos da cidade até reabriram em julho, mas só para caminhadas ao ar livre. Os parques municipais, que foram reabertos também nos fins de semana no começo de novembro e tiveram a prática de esportes coletivos liberada, como o Ibirapuera, decidiram voltar a interditar as quadras, seguindo orientação da Prefeitura, devido à concentração de atletas e ao desrespeito ao protocolo, como o uso de máscaras.

Na esfera profissional, o mundo dos esportes foi um dos mais afetados pela pandemia, com a suspensão dos eventos e até dos treinamentos por vários meses. Ainda hoje, apesar de muitos campeonatos já terem sido retomados, o público continua distante das arenas e é difícil prever quando poderá voltar a ocupar as arquibancadas. Por ora, para acompanhar os jogos, o jeito é assinar o pay-per-view ou os canais de esportes da TV que têm exclusividade de transmissão de certos campeonatos. É uma nova realidade que deverá se prolongar por um bom tempo, com a vibração da torcida restrita às gravações reproduzidas pelo sistema de som das arenas.

https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,24-mudancas-trazidas-pelo-coronavirus-que-devem-sobreviver-a-pandemia,1122998

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Além dos artigos neste blog, outros artigos de Evandro Milet com outras temáticas, publicados nos fins de semana em A Gazeta, encontram-se em http://evandromilet.com.br/

Controle digital da maior vacinação em massa da civilização

Guilherme Hummel, Coordenador Científico – HIMSS@Hospitalar 03 Dez, 2020

A vacinação da Covid-19 que se inicia em alguns países nas próximas semanas ou meses, será a maior operação logístico-imunológica da civilização. Com 7,4 bilhões de seres humanos, é preciso vacinar cerca de 4 bilhões deles nos próximos meses e anos para obter algum tipo de imunidade coletiva. Será a mais colossal operação de saúde pública da história, sendo também a mais cara, a mais desafiadora, a mais complexa, etc. Será um teste à capacidade humana de lutar contra um inimigo biológico comum, mas também contra um inimigo socioeconômico mais comum ainda: a iniquidade social, que pode atrasar (ou excluir) a vacinação da maioria dos habitantes dos países de baixa renda (segundo pesquisadores do Global Health Innovation Center da Duke University as populações mais pobres podem ter de esperar até 2024 para receberem qualquer tipo de vacina). 

Milhares (talvez milhões) de pesquisadores, sanitaristas, infectologistas, especialistas em logística e uma legião de outros profissionais trabalham dia e noite para preparar a maior operação de imunização de todos os tempos. Enquanto bilhões de vacinas são produzidas ao redor do mundo (podendo levar de 3 a 4 anos para termos uma quantidade suficiente para imunizar a população-alvo), um cortejo ‘logístico-imunológico’ se move para a distribuição global das doses.

Executivos das companhias aéreas, por exemplo, já avisaram que transportar uma vacina a todos os terráqueos ao redor do planeta pode levar até 2 anos (“o maior desafio de todos os tempos da indústria de transporte aéreo”). Segundo a IATA (Agência Internacional de Transporte Aéreo), um programa de vacinação com apenas uma dose por pessoa necessita algo como 8 mil aviões Boeing 747 e um apoio monumental das companhias aéreas, aeroportos, organizações internacionais de saúde, empresas farmacêuticas, Governos, etc. 

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Outra questão que flutua no ar é que teremos mais de uma vacina (fórmula), o que exige múltiplas estratégias de distribuição e armazenamento. Sem falar que alguns dos imunizantes em processo de aprovação carecem de “temperaturas glaciais” para se manterem ativos (a Global Alliance for Vaccines and Immunization estima que apenas 10% dos Centros de Saúde nos países mais pobres têm fornecimento confiável de eletricidade, com menos de 5% deles com algum refrigerador qualificado para vacinas). O COVAX ainda é a principal esperança de acesso aos mais frágeis.

Mas nada disso se compara ao envolvimento de milhões de profissionais de saúde que estarão centrados na vacinação. Também será deles que emanará a matriz assistencial à bilhões de indivíduos após a vacinação em massa. Cada um dos vacinados, em cada uma das vacinas, pode encontrar alguns sintomas (ainda que mínimos) e vai conviver com um ‘novo status’ imunológico, compartilhando a vacina com suas comorbidades. Um rastreamento imunológico populacional certamente será feito por cada provedor, distribuidor ou ‘vacinador’, embora na escala individual é com os médicos que as pessoas irão realmente se aconselhar e saber se podem seguir com suas vidas.  

A boa notícia é que essa ‘marcha imunológica global’ acontece ao mesmo tempo em que outro fenômeno ocorre na Saúde: o avanço das tecnologias em digital health. Em nenhum outro período da história pudemos contar com uma densidade tão abrangente de ferramentas tecnológicas para monitorar uma vacinação em massa. 

Para apoiar essa imensa jornada, existe (ou está em desenvolvimento) uma abundante carga tecnológica para suportar também o pós-vacinação. No caso da Covid-19 a exigência é gigante. O processo de vacinação de 1,4 milhão de trabalhadores do NHS (Reino Unido), por exemplo, carece de instrumentos digitais que agilizem o fluxo de vacinação em todos os 217 NHS Trusts, que empregam cerca de 800 mil dos 1,2 milhão de funcionários do sistema público britânico de saúde, que em boa maioria estão na linha de frente contra a Covid-19. 

Um dos aplicativos de Artificial Intelligence para suportar a tarefa de agendamento, por exemplo, é o DrDoctor, que permite ao NHS escolher datas, horários, locais, circunstâncias e aparato logístico que não impacte os cuidados aos pacientes. Ninguém espera que ocorra nas unidades de atendimento de Londres filas quilométricas para vacinação de seus intensivistas, com pacientes sendo atendidos precariamente nesses períodos. Sem um “quick-book digital” essa operação poderia levar meses. Como no Reino Unido, todos os Sistemas Públicos e Privados de Saúde precisam de sistemas inteligentes para integrar a vacinação dos profissionais de saúde com todas as práticas funcionais deles.

Muitos países arregimentaram milhares de especialistas para apoiar o monitoramento e a segurança da vacinação, mesmo depois dela ocorrer. No Canadá, por exemplo, equipes estão testando novos aplicativos que rastreiam os registros de imunização. Um dos sistemas, criado pela CANImmunize e denominado Clinic Flow, será usado para agendar a vacinação da população nas clínicas de saúde, minimizando a burocracia associada à vacinação. As pessoas podem ‘virtualmente’ marcar sua vacinação, preencher a triagem para Covid-19 e assinar formulários de consentimento vacinal, tudo antes de entrar presencialmente em uma clínica. Essas informações serão enviadas ao paciente e ao Departamento de Saúde Ocupacional para suporte ao rastreamento pós-vacina. Com vários imunizantes entrando no mercado, essa informação em tempo real será de fundamental importância ao apoio imunológico coletivo.  

Outra questão debatida em quase todos as nações é a utilização dos sistemas de drive-through” para vacinação em massa. Um aplicativo desenvolvido no Reino Unido pela Substrakt Health apoia as redes de atenção primária (NHS) que executam programas de ‘drive-through-vaccination’, podendo, por exemplo, vacinar e atualizar simultaneamente o Banco de Dados Nacional de Imunização. Antes da sessão de vacinação, o aplicativo envia a cada indivíduo um código exclusivo em QR (SMS), sendo ele coletado pelo tablet do médico, que recupera automaticamente as informações do paciente, podendo então selecionar o número do lote e o local da injeção. 

O centro de vacinação Heathcot Medical Practice (sede em Woking, arredores de Londres), por exemplo, já tem usado esse aplicativo em suas clínicas drive-through, que vacinam mais de 7 mil pacientes/dia em 70 diferentes tipos de vacina. O aplicativo é capaz de administrar e concluir uma consulta-vacinal em cerca de um minuto, atualizando automaticamente os registros do paciente. Nem nos melhores serviços de take-away alimentar (Mcdonald’s, por exemplo) a dispensação do produto é tão rápida.

Outra quase-polêmica, pelo menos nos países emergentes, veio da manchete do jornal The Wall Street Journal (29/11/20): “Farmácias adicionam freezers e treinam funcionários para operarem como unidades de vacinação na Covid-19”. Se no Brasil esse tema continua controverso, nos EUA já está claro que as farmácias, notadamente as de supermercado, serão provedoras de vacinação em massa, quiçá sejam os principais agentes de vacinação do país. 

O varejo farmacêutico corre para garantir o equipamento necessário, bem como treinar seus profissionais para imunização em massa. Além da disponibilidade física (PDV), eles preparam uma mega estrutura de serviços on-line para agendamento e FAQ. Grandes redes varejistas (Kroger, Albertsons, CVS, etc.) estão no detalhamento final para disparar seus serviços tão logo a FDA homologue as vacinas. Sempre fica a dúvida de como o Brasil pretende vacinar em curto espaço de tempo mais de 100 milhões de indivíduos sem utilizar o seu vasto parque fármaco-varejista.

Também não faltam opções de larga envergadura tecnológica. Mark Treshock, líder de soluções em healthcare-blockchain da IBM, explicou recentemente como a tecnologia pode ser usada para validar a cadeia de suprimentos de vacinas, bem como os registros pessoais de vacinação. “Essencialmente, cada uma dessas vacinas requer duas doses para cada pessoa no mundo, algo como 15 bilhões de doses. Esses medicamentos serão os mais procurados, falsificados e provavelmente os mais desviados nos primeiros 6 a 12 meses após o seu lançamento”, explicou Treshock. 

Esse risco pode ser mitigado com o auxílio de blockchain. Ele explica que a funcionalidade da ferramenta está ajudando na integridade da cadeia de suprimentos sanitários, tendo o potencial de rastrear as vacinas e garantir que não sejam comprometidas. “O que você realmente precisa é pegar um frasco da vacina e ter uma visão do ‘caminho’ que ele tomou (tracking), garantindo que nesse percurso sua integridade (temperatura, validade, desvios, etc.) tenha sido mantida”, explica ele. 

Além disso, as plataformas de blockchain podem ajudar os pacientes a controlar seus registros-vacinais e fornecer comprovantes para viagens, escolas e inúmeras outras demandas. “A ideia é que eu possa no meu celular, por exemplo, ter uma credencial verificável e imutável que represente e comprove minha vacinação. Uma companhia aérea, por exemplo, pode digitalizar essa confirmação da mesma forma que digitaliza o cartão de embarque. A estrutura blockchain é imutável e está vinculada a um único registro, que pode ser verificável, assegurando meu status de vacinado”, completa Treshock. 

O passe IBM Health Pass, por exemplo, é desenvolvido em blockchain para o status-checking da Covid-19 de uma pessoa. Ele é baseado em um conjunto de padrões abertos (W3C), que define como a privacidade federada é armazenada e compartilhada, sendo o passe totalmente interoperável com outros sistemas que seguem o mesmo padrão. Cada dose da vacina (uma ou mais) seria rastreada por indivíduo, emitindo on-line a sua confirmação e o registro da dose. Não falta tumulto quando o debate caminha para o tal “passaporte de imunizado”, que além de polêmico (privacidade) é de difícil implementação, exigindo infraestrutura, conectividade e competência tecnológica para mantê-lo operacional 24 x 7.

Outra aplicação digital de grande amplitude são os “buscadores de vacina”. São apps que pesquisam para o usuário onde há um posto de vacinação, e qual vacina está disponível. O Vaccine Finder, por exemplo, sistema desenvolvido pelo Google há uma década para ajudar na implantação da vacina H1N1, deve ser um driver para aplicações similares. Ele não coleta dados pessoais, que seriam necessários para enviar lembretes aos indivíduos sobre a segunda dose. Por outro lado, a não identificação protege a privacidade do usuário. 

Como as vacinas devem causar efeitos colaterais leves (por si só uma boa notícia, significando que o sistema imunológico está funcionando), existe a preocupação de que essa colateralidade possa inibir as pessoas a voltar para a segunda dose. Também a agência federal norte-americana CDC (Centers for Disease Control and Prevention) vai disponibilizar um aplicativo de smartphone (V-SAFE) para rastrear quaisquer efeitos colaterais das vacinas. O app deverá enviar textos diários às pessoas que forem vacinadas, direcionando-as à portais na web para relatarem sintomas potenciais após a vacinação. Esse ‘verificador de saúde pós-vacinação’ fornecerá também acompanhamento telefônico a qualquer pessoa que relatar eventos adversos mais significativos.

Isaac Newton observou que todo cientista que avança em seu campo de atuação está “sobre os ombros de gigantes”. No caso da Covid-19, existem muitos gigantes que trabalharam nos últimos meses, continuarão nos próximos, e permanecerão discretos quando a pandemia virar livro de história. São milhões deles, sentados em suas bancadas ou clinicando no front pandêmico. Merecem a nossa gratidão. Não é possível saber o que alcançaram individualmente, ou quais foram suas vitórias ou derrotas. A única coisa que podemos ter certeza é que só conseguiram lograr êxito porque em todos os momentos tiveram ao seu alcance um “computador”.

 Guilherme S. Hummel Coordenador Científico – HIMSS Hospitalar Forum

eHealth Mentor Institute (EMI) – Head Mentor

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Cidades onde tudo está ao alcance em 15 minutos: uma utopia distante?

Metrópoles como Barcelona, Melbourne e Paris querem seus habitantes resolvendo tudo a até 15 minutos de casa. Dará certo?

Por Feargus O’Sullivan e Laura Bliss, Bloomberg BusinessWeek Publicado em: 03/12/2020 

A cidade de 15 minutos representa um distanciamento grande do passado recente, e um número cada vez maior de cidades vem se tornando uma marca poderosa para urbanistas e políticos desesperados por convencer moradores a adotar uma existência de baixo carbono (Orbon Alija/Getty Images)

O cortiço de Minimes, em Paris, não parece muito o futuro das cidades. Um sisudo complexo de tijolos e pedras calcárias constituído em 1925 em um beco no distrito de Marais, é o tipo de estrutura que, em um lugar fotogênico como Paris, as pessoas geralmente atravessam sem prestar muita atenção. Um olhar mais atento ao pátio do imóvel, porém, revela uma transformação notável. O antigo estacionamento do local virou um jardim público com mudas de plantas. Os prédios ao redor estão sendo convertidos em 70 atraentes apartamentos de moradia pública, por um custo de 12,3 milhões de euros. Em outra parte do complexo renovado estão escritórios, uma creche, oficinas artesanais, um consultório e um café operado por pessoas com autismo.

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A abordagem verde, de uso misto e comunitário, estende-se além daquelas ruas. A 5 minutos dali, a vasta Praça da Bastilha está sendo reformada como parte de uma renovação de sete grandes praças, ao custo total de 30 milhões de euros, bancado pela cidade. Não mais uma ilha de trânsito barulhento, o lugar hoje é voltado principalmente para pedestres, com filas de árvores onde antes só havia asfalto.

Um mar de bicicletas transborda pela praça na recapeada e protegida “coronapista” — uma das ciclovias criadas para facilitar o deslocamento com bicicleta em toda a Grande Paris durante a pandemia de covid-19. De lá para cá, a prefeitura anunciou que as pistas serão permanentes, financiadas por 300 milhões de euros em verba contínua da região e complementos de outras prefeituras e do governo francês.

Mulher caminha em Paris: o plano é ter uma cidade mais descentralizada

Mulher caminha em Paris: o plano é ter uma cidade mais descentralizada (Dmitry Kostyukov/Bloomberg)

Juntas, as novas árvores e ciclovias, instalações comunitárias e habitação social, casas e locais de trabalho refletem uma visão potencialmente transformadora para urbanistas: a cidade de 15 minutos. “A cidade de 15 minutos representa a possibilidade de uma cidade descentralizada”, diz Carlos Moreno, diretor científico e professor especializado em sistemas complexos e inovação na Universidade Paris 1. “O coração da ideia é misturar funções sociais urbanas para criar uma vizinhança viva” — reproduzida, como fractais, ao longo de toda a extensão urbana. 

Nomeado representante especial de cidades inteligentes pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, Moreno vem se tornando uma espécie de vice-filósofo na prefeitura, à medida que seus esforços transformam a capital francesa no que ele chama de “cidade de proximidades”. Seu conceito de 15 minutos foi idealizado, em primeiro lugar, para diminuir as emissões urbanas de carbono, reimaginar nossas cidades não como um lugar dividido em zonas discretas para viver, trabalhar e se divertir, mas como mosaicos de vizinhanças em que quase todas as necessidades dos moradores podem ser contempladas a 15 minutos da casa deles a pé, de bicicleta ou de transporte público.

À medida que escritórios, lojas e casas são trazidos para mais perto, libera-se o espaço da rua anteriormente dedicado a carros, eliminando a poluição e abrindo caminho para jardins, ciclofaixas e instalações de esportes e lazer. Tudo isso permite aos moradores levar suas atividades diárias para fora de suas casas (que em Paris tendem a ser pequenas), em ruas e praças seguras e convidativas.

Ideias semelhantes têm existido há muito tempo, inclusive em Paris. Bairros e vilas caminháveis eram a regra muito antes de os automóveis e as leis de zoneamento se espalharem e dividirem as cidades no século 20. No entanto, a cidade de 15 minutos representa um distanciamento grande do passado recente, e um número cada vez maior de cidades vem se tornando uma marca poderosa para urbanistas e políticos desesperados por convencer moradores a adotar uma existência de baixo carbono.

Líderes em Barcelona, Detroit, Londres, Melbourne, Milão e Portland (Oregon) estão trabalhando com visões parecidas. A pandemia os encorajou ainda mais, com prefeitos do mundo todo defendendo o modelo do relatório de julho do C40 Cities Climate Leadership Group (“Grupo de Lideranças Climáticas Municipais C40”, numa tradução livre) como algo central para seus projetos de recuperação.

 (Arte/Exame)

Com as mudanças climáticas, a covid-19 e o descontentamento político combinados para desafiar os ideais do globalismo, a esperança é reinventar as cidades, em primeiro lugar, como locais onde as pes­soas possam andar, pedalar e passar o tempo, em vez de só pegar transporte para chegar a algum lugar. A cidade de 15 minutos pede um retorno a um modo de vida mais local e de certa forma mais lento, no qual o tempo de deslocamento é investido em relações mais ricas com o que está ao redor.

“Crises como a que estamos vivendo nos mostram a possibilidade de redescobrir a proximidade”, diz Moreno. “Como agora temos a possibilidade de ficar mais perto de casa, as pessoas estão redescobrindo o tempo útil — outro ritmo de vida.”

É uma visão utópica em uma era de desconforto social profundo — mas uma visão que pode piorar as desigualdades já existentes caso seja implementada de modo fragmentado, sem focar a igualdade. Os céticos também se perguntam se uma cidade que não se organiza mais em torno de chegar ao trabalho é mesmo uma cidade.

Sonhos de acabar com o planejamento urbano segmentado que dominou o século 20 — com a indústria nas periferias, áreas residenciais dando brilho à cidade, o comércio no centro e malhas viárias conectando as longas distâncias — não são novidade, é claro. Pensadores urbanos têm defendido a preservação ou a volta dos bairros caminháveis, socialmente mistos, pelo menos desde a publicação, em 1961, da homenagem de Jane Jacobs ao Greenwich Village de Manhattan, The ­Death and Life of Great American Cities (“Morte e vida de grandes cidades americanas”, numa tradução livre).

 (Arte/Exame)

Esse ativismo, aos poucos, foi filtrado na ortodoxia dominante do planejamento. Em 1962, Copenhague, na Dinamarca, transformou sua principal rua comercial em calçadão, tornando-se a primeira de muitas cidades europeias densamente construídas a adotar essa abordagem. Nos Estados Unidos, o Novo Urbanismo, das décadas de 1980 e 1990, criou um modelo de planejamento (100% implementado pela primeira vez em Seaside, na Flórida) que dava preferência a casas e apartamentos geminados em vez de imóveis isolados, além de favorecer ruas caminháveis e arborizadas e uma cuidadosa distribuição de escolas, lojas e parques para diminuir a ­necessidade de dirigir.

Desde a virada do milênio, preocupações crescentes quanto à poluição do ar e ao aquecimento global trouxeram novas inovações, como a taxa de congestionamento implantada em Londres em 2003 para carros se dirigem ao centro e as ampliações robustas de redes de trânsito público em cidades que vão de Moscou a Medellín.

O conceito de cidade de 15 minutos inclui todas essas tendências em um programa intuitivo que moradores comuns podem comparar com suas próprias experiências. Ele também tem servido de resposta às pressões causadas pela especulação imobiliária e pela alta do turismo, que estão aumentando aluguéis e forçando moradores e empresas a sair de antigas comunidades. A cidade de 15 minutos busca proteger a vitalidade que inicialmente tornou atraentes bairros diversos e de orientação local.

Paris tem seguido nessa direção há algum tempo. Na gestão de Hidalgo, prefeita do Partido Socialista eleita pela primeira vez em março de 2014, a cidade proibiu os veículos mais poluentes, transformou vias movimentadas às margens do Rio Sena em um parque linear e, numa tentativa de manter comunidades socialmente mistas, ampliou a rede de habitação social da cidade para as regiões mais ricas. Foi só em 2020, porém, que Hidalgo reuniu esses esforços sob o guarda-chuva da cidade de 15 minutos, transplantando a expressão do mundo acadêmico e dando-lhe nova urgência política.

Durante sua campanha de reeleição, Hidalgo se juntou ao criador do conceito, Moreno, um ex-especialista em robótica que descobriu que seu interesse primário era no ambiente em que robôs funcionam. Hidalgo já havia preparado boa parte do terreno político para o modelo de Moreno em seu primeiro mandato; agora, ela poderia unir todas aquelas ciclofaixas e fechamentos de pistas para carros a uma visão comparável à animação e à conveniência de uma metrópole com a facilidade e o verde de uma vila.

Desde que ganhou a reeleição, em junho, Hidalgo dobrou a aposta, nomeando uma comissária para a cidade dos 15 minutos, Carine Rolland. Vereadora do Partido Socialista que já desempenhou um papel voltado à cultura na 18ª arrondissement (divisão francesa equivalente a distrito ou região), Rolland também se tornou comissária de cultura da Paris. “É verdade que Paris, até certo ponto, já é uma cidade de 15 minutos”, diz ela, “mas não do mesmo jeito em todos os bairros e não em todas as áreas públicas.”

Há muito a fazer nos distritos operários no extremo leste de Paris e em muitas áreas próximas ao anel viário do Boulevard Périphérique, por exemplo. Em áreas como essas, torres de habitação social frequentemente prevalecem, e mercearias e instalações comunitárias como centros esportivos e clínicas são escassos. Isso tem consequências particularmente graves para pessoas mais velhas e aqueles com limitação de mobilidade, destaca Rolland.

Perto do coração de Paris, diz ela, estão as áreas “caracterizadas pelo que chamamos de ‘monoatividade’ — uma única atividade comercial que ocupa a rua inteira”. Tais áreas ficam visivelmente ao redor da região leste do anel interno de avenidas e são dominadas por escritórios e pequenas lojas. Com isso, as ruas que, durante a semana, são animadas se tornam quietas e pouco convidativas durante as noites e fins de semana.

O cargo de Rolland como comissária da cidade de 15 minutos envolve coordenar esforços relacionados de diferentes departamentos. Em setembro, por exemplo, dez pátios de escolas reabriram como “quintais-oásis” verdes, elevando o total para 41 desde o lançamento da iniciativa em 2018. Cada pátio teve árvores plantadas e foi remodelado com superfícies macias e hidrófilas que absorvem a água da chuva e ajudam a combater o calor do verão.

Os pátios são liberados após as aulas para uso como jardins públicos ou campos esportivos, e abertos em “ruas escolares” reformuladas, onde carros são banidos ou têm circulação bastante limitada, além da instalação de árvores e bancos. Transformações desse tipo, segundo Rolland, envolvem reunir departamentos responsáveis por educação, esportes, estradas e parques, além de comerciantes e organizações comunitárias locais.

Paris está longe de ser a única a tentar esse tipo de transformação. As novas “mini-Holandas” de Londres importam ideias de planejamento holandesas que visam reduzir ou bloquear o acesso de carros a polos comerciais locais. Barcelona vem transformando quarteirões de 400 por 400 metros nas estradas, localizados em áreas repletas de torres de apartamentos, em “superquarteirões”, na maioria livres de carros.

Madri já declarou ter planos de copiar a ideia ao manter sua meta de se tornar uma “cidade de 15 minutos” à medida que se recupera da pandemia. Milão tem dito o mesmo, e a expectativa é tornar permanentes as ciclovias e as calçadas quando a economia for restabelecida. Porém, transformar a cidade de 15 minutos num movimento de fato global exigirá uma grande batalha em torno de uma tensão urbana fundamental: a supremacia do automóvel.

Uma coisa é transformar uma Paris ou uma Barcelona — cidades que estavam quase completamente formadas antes da invenção do automóvel — em uma utopia bairrocêntrica. Transformá-las é quase como mudar o visual de uma supermodelo. O desafio é muito maior nos tipos de cidades mais jovens e dispersas encontradas na América do Norte ou na Austrália, onde carros continuam a ser a forma predominante de transporte.

Alguns já vêm tentando. Desde 2017, Melbourne trabalha em um projeto de planejamento de longo prazo centrado na “vizinhança de 20 minutos”. Porém, embora as aspirações da cidade sejam semelhantes às de Paris, os problemas na implementação do projeto dificilmente poderiam ser mais diferentes, em particular nas áreas mais afastadas do já adensado centro e nos subúrbios.

“Alguns subúrbios de classe média são bem servidos pelo transporte público e começam a experimentar adensamento, mas outros não estão na mesma situação”, afirma Roz Hansen, urbanista que supervisionou a preparação do projeto de Melbourne. “Enquanto isso, os subúrbios mais afastados ainda têm densidade demográfica muito baixa, em parte por causa da escassez de interligações de transporte público.”

Detroit, nos Estados Unidos: a cidade foi projetada para funcionar com carros

Detroit, nos Estados Unidos: a cidade foi projetada para funcionar com carros (Anthony Lanzilote/Bloomberg/Getty Images)

A cidade vem tentando melhorar as opções de transporte e emprego nos subúrbios mais distantes, que se caracterizam por casas que abrigam só uma família. Alguns dos subúrbios de classe média receberam projetos piloto em que há incentivo a empreendimentos comerciais e residenciais, e as ruas são remodeladas para aumentar o espaço para bicicletas e melhorar a caminhabilidade.

Porém, para criar e conectar bairros de 20 minutos de verdade, será essencial investir em transporte público. “Burocratas continuam a pensar: ‘Ah, a ideia é fazer uma viagem de 20 minutos de carro’, mas não tem nada a ver com o carro”, diz Hansen. “A ideia do bairro de 20 minutos é ter modais de transporte ativo e aumentar a captação de acessibilidade de uma região. Se você anda, sua captação é de 1 a 2 quilômetros. Se você vai de bicicleta, pode ser de 5 a 7 quilômetros. Com o transporte público, pode ser de 10 a 15 quilômetros.”

Cidades dos Estados Unidos com projetos igualmente otimistas também vêm lutando para encontrar um equilíbrio entre visão e realidade. Em 2016, o então prefeito de Detroit, Mike Duggan, apresentou um plano para transformar em bairros de 20 minutos os corredores de alta densidade fora do distrito comercial central dessa cidade dispersa, de 362 quilômetros quadrados.

A principal inovação da cidade até o momento é uma obra de 17 milhões de dólares para pedestres na região de Livernois-McNichols, cerca de 15 quilômetros a nordeste do centro. O projeto terminou no início de 2020, enfatizando ruas mais estreitas, calçadas mais largas para receber mesas de cafés e nova iluminação. Moradores e comerciantes, em geral, têm gostado das melhorias; uma caminhada ao supermercado atualmente é uma tarefa muito mais agradável.

Porém, essa função urbana básica está fora do alcance da grande maioria na cidade. Estima-se que 30.000 cidadãos não tenham acesso a uma mercearia que ofereça todos os serviços, segundo um relatório de 2017 do Conselho de Política Alimentar de Detroit. Katy Trudeau, vice-diretora municipal de planejamento e desenvolvimento, diz que um grande número de pessoas, não faz muito tempo, tinha de se deslocar até os subúrbios para fazer compras e outras coisas.

De modo geral, isso melhorou, e outros nove distritos foram escolhidos para melhorias nos moldes das de Livernois-McNichols. Contudo, problemas fiscais crônicos e a existência de um grande número de estruturas em ruínas e abandonadas, que foram surgindo à medida que a população da cidade diminuía, têm tornado improvável uma transformação rápida.

Até o momento, a maioria dos feitos de Detroit no que se refere à cidade de 20 minutos tem sido modesta, inclusive os passos rumo a um plano de transportes abrangente e os investimentos contínuos em iluminação e recapeamento. Trudeau também destaca um novo fundo público-privado de moradia, de 50 milhões de dólares, destinado à habitação acessível, para ajudar moradores de baixa renda a continuar onde estão à medida que o valor dos imóveis subir nos bairros reestruturados.

“Essas coisas podem parecer muito básicas em Paris, mas aqui sofremos demais com as perdas populacionais e com a incerteza financeira decorrente de falências”, diz ela. “Temos de equilibrar essas estratégias concentradas com estratégias municipais que melhorem a qualidade de vida de todos.” O rótulo de 20 minutos tem servido principalmente como um jeito mais fácil e útil de comunicar as metas da cidade a moradores e investidores. Trudeau espera que iniciativas como o fundo habitacional garantam que isso inclua vários segmentos da população.

Os planos de Detroit foram parcialmente inspirados por Portland, no estado de Oregon, celebrada em círculos urbanistas como um modelo de planejamento municipal nos Estados Unidos. Portland tem a maior taxa de circulação de bicicletas entre as metrópoles americanas e uma fronteira estreita que define quanto ela pode ser ampliada, além de políticas progressistas com foco em encorajar a produção de moradias densas e de baixo custo. “Toda hora nos confundem com Paris”, brinca Chris Warner, diretor da Secretaria de Transportes de Portland.

No entanto, mesmo Portland levará anos para atingir o nível de condensação de um “bairro completo”, como definiu a meta do plano de 2013 da cidade. Em torno de três quartos do terreno residencial de Portland são ocupados principalmente por casas de uma única família, e mais da metade de sua população se desloca de carro. Um relatório recente da Brookings Institution sobre comportamentos locais de viagem descobriu que, entre seis áreas­ metropolitanas dos Estados Unidos, ­Port­land tinha a menor distância média percorrida por pessoas que se deslocam para trabalhar, fazer compras e tratar de outros assuntos.

Porém, essa distância ainda era de quase 10 quilômetros, longe de ser uma caminhada de 15 minutos ou uma pedalada até o dentista ou a lavanderia. Para combater isso, a Secretaria de Transportes está investindo a maior parte de seu orçamento de 150 milhões de dólares em grandes obras de infraestrutura para bicicletas e para a circulação de pedestres no interior de bairros completos, e em meios de transporte para conectá-los. 

Adie Tomer, pesquisador do Programa de Políticas Metropolitanas da Brookings e coautor do relatório, diz que o conceito de 15 minutos não funciona na América porque “as pessoas nos Estados Unidos já vivem em uma cidade de 15 minutos; o que acontece é que elas estão usando o carro para percorrer longas distâncias”. Urbanistas preocupados com a qualidade de vida urbana e com as emissões de carbono crescentes poderiam focar a distância em vez do tempo, segundo ele. Tomer sugere que talvez a “cidade de 3 milhas” (4,8 quilômetros) tenha mais receptividade.

Independentemente de como o conceito é apresentado, Art Pearce, diretor de Planejamento de Políticas e Projetos da Secretaria de Transportes de Portland, vê sinais de que os moradores da cidade estão mantendo seus deslocamentos mais perto de casa à medida que a pandemia muda o modo como se relacionam com seus arredores. “Temos visto muita gente ajustando seu comportamento para focar mais sua comunidade”, diz Pearce. “Isso gera uma oportunidade de fortalecer esses laços à medida que as pessoas retomam uma vida mais normal.”

Um ponto com que qualquer município que busca ser uma cidade de 15 minutos, em qualquer lugar, terá de lidar é o da igualdade social — e o da moradia acessível em particular, como destaca Trudeau, de Detroit. Muitos serviços locais dependem de trabalhadores de baixa renda, que, em geral, fazem longos deslocamentos, e uma cidade de 15 minutos não fará jus ao nome se beneficiar somente os endinheirados.

Por isso, Paris pretende ter 30% de sua reserva habitacional em domínio público até 2030 e vem aumentando a proporção até mesmo nos distritos mais ricos, apesar da resistência dos vizinhos afortunados. “É parte integral do programa de Anne Hidalgo resistir à pressão imobiliária, manter a moradia pública e diversificar a oferta habitacional para a classe média”, diz Rolland, comissária das cidades de 15 minutos.

Tais medidas podem, até certo ponto, compensar a tendência em Paris de aluguéis altos e polarização social. Mas, numa cidade em que os preços de imóveis subiram mesmo na pandemia, é improvável que tais providências prevaleçam completamente. Além disso, outras metas da cidade de 15 minutos, como “ecologizar” e criar zonas de pedestres no coração de Paris, podem afastar os moradores de subúrbios de baixa renda que vão à região.

Essa acusação foi feita contra o governo Hidalgo em 2016, após a prefeitura modificar o cais da parte de baixo do Sena e eliminar uma rota-chave para carros. Valérie Pécresse, presidente da câmara regional de Île-de-France (que engloba os subúrbios de Paris), acusou Hidalgo de agir de “modo egoísta” ao impor o fechamento de ruas, destacando que “algumas pessoas não têm outra opção a não ser dirigir até Paris para trabalhar, porque não têm como viver lá”.

Outros ressaltaram uma preocupação semelhante: ao priorizar a infraestrutura local, os governos vão deixar de lado investimentos regionais bastante necessários, como em sistemas de transporte público para os trabalhadores que moram mais longe.

Moreno reconhece que grandes segmentos da população podem nunca desfrutar da vida desacelerada e localizada que ele vislumbra. “Claro que temos de adaptar esse conceito a diferentes realidades”, diz ele. “Nem todo mundo tem a possibilidade de morar a 15 minutos do trabalho.” Porém, ele enfatiza que as condições de muitas pessoas podem ser profundamente alteradas — algo que ele acredita que já estejamos vendo em razão dos deslocamentos evitados pela pandemia. Na avaliação de Moreno, escritórios centralizados são coisa do passado; teletrabalho e constelações de polos de ­coworking são o futuro.

Portland, nos Estados Unidos: modelo de planejamento urbano no país

Portland, nos Estados Unidos: modelo de planejamento urbano no país (Gregory Rec/Portland Press Herald/Getty Images)

A cidade de 15 minutos também poderia ser identificada com o que o escritor Dan Hill definiu como uma forma de “urbanismo pós-traumático” — um modo de se recuperar dos massacres promovidos por fatores como especulação imobiliária, turismo em excesso e, agora, a pandemia. Já está se tornando óbvio para Paris, segundo Rolland, que a cidade precisa de uma rede médica mais regionalizada “para as pessoas pararem de achar que têm de ir direto ao pronto-socorro”.

Após os intermináveis traumas de 2020, há uma tentadora nostalgia por uma ênfase renovada em bairros, mesmo que isso cuide de apenas parte dos desafios contemporâneos das cidades. Moreno também reconhece isso, apontando mais uma vez as possibilidades recuperativas de sua ideia, acima de tudo. “A cidade de 15 minutos é uma jornada, um guia, uma possibilidade de transformar o paradigma de como vivemos no decorrer de várias das próximas décadas”, afirma. “Antes, as pessoas estavam perdendo tempo útil. Com a cidade de 15 minutos, queremos que elas o ganhem.” 

Tradução de Fabrício Calado Moreira 


MUITO ALÉM DO DIGITAL

Para Östen Ekengre, da Smart City Sweden, cidades inteligentes são as que buscam ser sustentáveis | Rodrigo Caetano

Östen Ekengre, CEO da Smart City Sweden: a tecnologia sozinha não resolve

Östen Ekengre, CEO da Smart City Sweden: a tecnologia sozinha não resolve (Divulgação/Divulgação)

A Suécia é uma referência mundial no conceito de cidades inteligentes. O desenvolvimento de tecnologias para gerir o dia a dia da municipalidade é uma política de Estado, inclusive com o objetivo de vender as soluções a outros países. À frente desse esforço está Östen Ekengre, presidente da Smart City Sweden, plataforma criada pelo governo para exportar tecnologias urbanas em áreas como clima, energia, mobilidade e planejamento. Nesta entrevista exclusiva, Ekengre fala sobre os planos suecos para o pós-pandemia.

O que define uma cidade inteligente? 

A cidade precisa oferecer ao cidadão ar limpo, energia limpa, água, um bom transporte, lazer e cultura. A digitalização é uma ferramenta para chegar a isso. Porém, somente a tecnologia não resolve. Se os deslocamentos dependem de carros, os dados não ajudam muito. O conceito que usamos é o de cidade sustentável, e a cidade inteligente é um dos passos para atingir esse objetivo. 

O que é mais importante para o sucesso da Suécia no planejamento urbano?

Pensamos nossas cidades de maneira que as diversas infraestruturas urbanas colaborem entre si. Usamos os resíduos domésticos para produzir energia. Assim, transformamos um problema em uma solução. Usamos a água como um recurso que precisa ser renovado. No setor de transporte, combinamos a eletrificação com o uso de combustíveis alternativos. Na Suécia, o biodiesel, o etanol e o biogás já representam metade do que é consumido. Mas o que precisamos agora é compartilhar. Tenho um carro híbrido, que uso 2% do tempo. Com as novas gerações, teremos um transporte menos dependente do carro. 

A solução para o problema do trânsito é o transporte público? 

Planejamos nossas cidades para os carros, os ônibus e outros transportes motorizados. Mas descobrimos que precisamos de mais bicicletas. Teremos de replanejar. As ruas precisam ser compartilhadas com as bicicletas. A maior parte dos deslocamentos em cidades como Estocolmo é de curta distância, de até 6 quilômetros. Pedalar é melhor para a saúde e para o meio ambiente. De qualquer forma, a base é o transporte público e, nas grandes cidades, o metrô. Não dá para colocar tudo na superfície. 

A pandemia mudará a maneira como as pessoas se locomovem? O transporte individual será fortalecido? 

Pensamos cada vez mais nisso. A mobilidade é um setor complicado. Nos ônibus e no metrô, as pessoas viajam muito próximas. Então, o governo recomenda não usar. O número de ciclistas e de pessoas trabalhando de casa aumentou. Entretanto, algumas pessoas não podem fazer home office. Temos de repensar essa infraestrutura, até porque a pandemia atual não será a última. E há a questão das compras online, que cresceram muito, colocando mais caminhões nas ruas e gerando mais lixo. 

https://exame.com/revista-exame/tudo-em-15-minutos-uma-utopia/

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