A colunista Pilita Clark escreve sobre quando é mais sábio permanecer em silêncio nos encontros corporativos
Por Pilita Clark – Valor – 09/05/2022
Quando o “The New York Times” anunciou que um homem chamado Joe Kahn seria seu próximo editor-executivo, fiz o que todos os jornalistas que conheço fizeram e corri para me informar sobre ele.
Meu artigo favorito, na “New York Magazine”, revelou, entre outras coisas, que Kahn é um conhecedor de vinhos muito rico, que fala mandarim e mora em um prédio de apartamentos em Manhattan onde, segundo consta, Marlon Brando já morou.
Mas havia algo mais. Segundo a revista, “nas reuniões de pauta, que são sempre um grande exercício de bajulação, Kahn faz poucos comentários”. Bingo, pensei, acrescentando mentalmente Kahn a uma lista de pessoas que dizem exatamente o que deveria ser dito por muito mais participantes de reuniões: pouca coisa.
Uma das muitas coisas boas de trabalhar em um jornal diário são os prazos implacáveis. Eles tornam difícil para os aspirantes a tergiversadores satisfazer seus instintos nas reuniões porque, em geral, não há tempo suficiente.
Infelizmente, isso não acontece em outros lugares. Além disso, pesquisas mostram que em uma reunião típica de seis pessoas, mais de 60% da conversa é feita por apenas dois participantes. Para aqueles forçados a sentar e prestar atenção, a experiência pode ser dolorosamente tediosa. Não é de admirar que a visão de uma pessoa quieta em uma reunião seja muitas vezes considerada digna de comentários. Felizmente, Joe Kahn está longe de estar sozinho.
Pouco depois de Joe Biden se tornar presidente dos Estados Unidos, o “The New York Times” publicou um longo relato de como ele trabalhava e em quem ele confiava mais na Casa Branca. Um de seus principais conselheiros políticos era Mike Donilon, um assessor experiente que foi descrito como “a consciência, alter ego e cérebro compartilhado” de Joe Biden.
O “Times” relatou que, nas reuniões, Donilon “tende a ficar em silêncio até o final de uma discussão, momento em que Biden geralmente acata qualquer observação que ele tenha feito”.
Donilon não é o primeiro washingtoniano quieto. Dick Cheney foi frequentemente chamado de o vice-presidente mais poderoso da história dos EUA, quando serviu sob George W Bush de 2001 a 2009.
Há, é claro, uma razão muito boa para falar muito nas reuniões, especialmente para aqueles de nós que não têm a posição de vice-presidente ou presidente-executivo. Falar bastante faz você parecer mais líder. De acordo com um artigo publicado em 2004, Cheney era conhecido por sua capacidade de manter seus pensamentos e sentimentos para si. “Pessoas com bom acesso à Casa Branca dizem que ele raramente fala em reuniões e mostra pouca reação a comentários de outros.”
Há também Sir Simon Stevens, o ex-CEO do Serviço de Saúde da Inglaterra. Entre os elogios que choveram sobre ele quando deixou o cargo, em 2021, estava o de um antigo chefe, Jeremy Hung, ex-secretário da Saúde.
Hunt disse que Stevens era um “operador estupendo”, que tinha o dom de “conseguir permanecer em silêncio em reuniões caso não tivesse algo importante a dizer, uma qualidade rara no governo”.
Falar muito em reuniões, principalmente para aqueles que não possuem cargos pomposos, pode revestir a pessoa de uma aura mais forte de liderança. A ligação entre tempo de fala e autoridade é tão consagrada que alguns pesquisadores a chamam de “a hipótese da tagarelice” da liderança. O efeito parece ocorrer independentemente da inteligência ou da personalidade, segundo estudo para o qual me chamou a atenção Madeleine de Hauke, uma consultora que ajuda organizações a realizar reuniões mais produtivas.
Ela destaca que há custos em deixar faladores entediantes dominarem a reunião. Fomentar a inovação, por exemplo, exige diversidade de pensamento. Mas, se as reuniões forem dominadas por uma minoria ruidosa, “você pode ter uma força de trabalho fantasticamente diversificada e deixar de obter diversidade de pensamento”. Essa é uma constatação útil, que dá peso a uma ideia que creio ser atraente: a de reuniões silenciosas.
Em vez de despejar ideias geniais verbalmente, os participantes anotam ideias, que são expostas em um quadro de maneira a não identificar quais ideia são de quem, e então elas são discutidas. Diz-se que o processo galvaniza introvertidos e neutraliza fanfarrões.
Talvez não funcione para todos os tipos de reuniões, reconheço, mas, seja como for, há um velho ditado que diz algo que muitos participantes de reuniões empoladas poderiam considerar: melhor permanecer em silêncio e correr o risco de ser tido como um tolo do que falar e não deixar qualquer dúvida sobre isso.
Pilita Clark é colunista do Financial Times
https://valor.globo.com/carreira/coluna/nao-ha-problema-algum-em-ficar-quieto-nas-reunioes.ghtml
Se você tiver interesse e ainda não estiver inscrito para receber diariamente as postagens de O Novo Normal, basta clicar no link: https://chat.whatsapp.com/Eul2cfBplyz5DbVEN6Ubsi (15) para WhatsApp ou https://t.me/joinchat/SS-ZohzFUUv10nopMVTs-w para Telegram. Este é um grupo restrito para postagens diárias de Evandro Milet. Além dos artigos neste blog, outros artigos de Evandro Milet com outras temáticas, publicados nos fins de semana em A Gazeta, encontram-se em http://evandromilet.com.br/