O desafio (cada vez mais urgente) da reinvenção de carreiras profissionais


Marcelo Nakagawa – Publicado no Linkedin em 22/11/2020

Innovation and Entrepreneurship Professor @ Insper, FDC, FIA, UNICAMP, Vanzolini, Butantan & Innovation Program Coordinator @ FAPESP

“Senhor Fechado, poderia me ajudar?” Há cerca de 25 anos, meu antigo chefe, recém chegado do Japão, tentava praticar seu português em uma agência bancária. Diante de vários caixas com enormes filas e um, vazio, não teve dúvidas. Aproximou-se do rapaz que estava no guichê, leu seu “nome” na placa do guichê e pediu ajuda…

Desde que comecei a trabalhar em 1990, o número de posições de caixa de agências bancárias não apenas foi reduzido drasticamente, mas a qualidade e a importância do trabalho também se deteriorou. Olhando para trás, muitos sabem o que ocorreu. Concentração bancária (ainda lembro com saudades do BankBoston, BFB, América do Sul, Bamerindus, Sudameris, Tokyo, Crefisul, NMB, CCF, Mitsubishi, Bandeirantes, Chemical, Real, BCN, Lloyds, Indosuez e tantos outros que atendia), ajustes da receita inflacionária para serviços, e avanço da automação bancária. Com isso, o emprego bancário, caiu de 732 mil em 1990 para 393 mil posições em 1999. Mas a experiência do cliente “comum” ao ir a um agência bancária sempre implicou em uma expectativa e, muitas vezes, realidade, de desprazer, algo com um “mal necessário”. David Vélez, por exemplo, ficou tão bravo ao tentar abrir uma conta em um banco no Brasil que viu aí uma oportunidade para empreender o Nubank.

O processo de consolidação bancária continuou com racionalização, e em alguns casos, com até avanço da rede bancária. Em 2009, por exemplo, um dos principais bancos privados brasileiros, atingiu a meta de estar fisicamente presente em todos os municípios brasileiros.

Mas agora, olhando para frente, inclusive impulsionado pela pandemia, a digitalização dos serviços bancários chegou a um patamar de inflexão, de mudança de paradigma nos termos kuhnianos. Mesmo os mais idosos, mais reticentes ao uso de novas tecnologias, estão sendo obrigados a aderir ao “novo normal” dos serviços financeiros digitais. Como isso, todas as instituições financeiras estão se questionando (esta reflexão já era anterior a pandemia) sobre o que fazer com as milhares de agências bancárias em todo o país e as centenas de milhares de funcionários destas unidades (e mesmo das matrizes).

Tenho treinado alguns gerentes de agências bancárias e a lógica é sempre a mesma: Cada vez menos “vendedor de produtos financeiros” e cada vez mais community manager, consultor, mentor e coach de negócios. Mas estes são privilegiados, foram escolhidos para liderarem o novo “normal” da agência bancária. Problema maior são as demais posições que serão terceirizadas, “intermitentezadas”, automatizadas, virtualizadas ou, simplesmente, descontinuadas.

O setor bancário é apenas um exemplo mais abrangente que todos têm alguma familiaridade e podem refletir sobre os impactos nos negócios e nas carreiras profissionais relacionadas.

Reinventar carreiras profissionais (e mais de uma vez) será obrigatório não apenas para muitos bancários, mas para todas as profissões… Isto vale para cada um de nós e, principalmente, para a forma como educamos os nossos filhos.

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Por isso, frequentemente amigos, alunos, ex-alunos e muitos desconhecidos me procuram pedindo orientação sobre como repensar suas carreiras profissionais. Curiosamente, em diversas situações, estão até bem em suas carreiras, mas por algum motivo, se cansaram, estão desmotivados ou já querem se preparar para um futuro cada vez mais desafiador. Em situações assim eu, humildemente, me alinho à Sócrates: “Só sei que nada sei“. E, talvez, mais especificamente aos filósofos que o antecederam como Parmênides (“O ser só existe em função do não ser“) e sua antítese, Heráclito (“A única constante é a mudança“). Muitas saudades das aulas do Professor Alaôr Caffé Alves no Largo do São Francisco nesta área de conhecimento. De qualquer forma, destas interações, em muitos casos vêm a pergunta:

Que curso eu devo fazer para me reinventar?

Veja esta situação: “Estou com 40 anos. Trabalho na área de vigilância. Qual curso que deveria fazer para, meio que, garantir sobrevivência para os próximos anos?

O que você responderia?

Esta situação é didática, porque as questões se repetem, só mudando a função. De vigilância para advocacia, médica, bancária, etc. E abaixo coloco a resposta da Vicky Bloch, consultora de carreiras, para a pergunta acima, não apenas porque admiro muito sua sabedoria como também é a linha de pensamento que também sigo.

Para alguns a reinvenção de carreiras ocorre de forma natural e evolutiva. Fui bancário durante os 10 primeiros anos, depois trabalhei com consultoria estratégica, em seguida, com criação de startups, depois com inovação científica e tecnológica, mais à frente com investimento em novos negócios e em paralelo, também com educação executiva nas principais escolas de negócios do país. Tive a felicidade de sempre trabalhar com boas companhias (empresas, chefias e times) e em funções que exigiam (e exigem) aprendizado contínuo. Aprender sempre fez parte da minha definição de sucesso e felicidade pessoal.

Mas a reinvenção de carreiras profissionais pode ser uma novidade e enorme barreira (aparentemente intransponível) para muitas pessoas. Por isso, o trecho acima, do capítulo em que Yuval Harari fala sobre educação em seu livro “21 Lições para o Século 21” é tão relevante. Outros autores como Alvin Toffler já tinham levantado esta questão. Muitos citam a frase “O analfabeto do Século 21 não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender” e ela tende a ser cada vez mais verdadeira para cada um de nós. O único problema é que frase não é do Toffler, mas do psicológo Herbert Gerjuoy como apontado pelo próprio em seu livro “Future Shock” publicado em 1970.

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“A nova educação precisa ensinar o indivíduo sobre como classificar e reclassificar informação, como avaliar sua veracidade, como mudar categorias quando necessário, como mover do concreto para o abstrato e vice-versa, como lidar com problemas com uma nova direção – como aprender sozinho. O analfabeto de amanhã não será a pessoa que não sabe ler, mas aquele que não aprendeu a aprender”.

Herbert Gerjuoy (1970)

A reinvenção de carreiras, nesta dinâmica, estará, cada vez mais, associada a aprender, desaprender, reaprender. A ilustração gráfica abaixo foi apresentada pelo Professor Fernando Reinach em 2006, representa esta tendência.

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Mas o verdadeiro desafio não é “apenas” aprender per se, mas aprender a aprender. E tudo começa com “por que aprender” (propósito, motivação para aprender). O “como” e “o quê” aprender serão consequências da sua motivação.

Nesta lógica, a reinvenção de carreiras já patina logo na largada. Se ouviu a resposta da Vicky Bloch, percebeu a importância da motivação para você acordar de manhã e sair para trabalhar. Aqui, lembro de outro chefe que havia sido sócio da McKinsey. Físico Nuclear pelo MIT, Pedro Cordeiro, disse certa vez que havia três tipos de trabalho:

“1) Aquele em que você acorda de manhã, coloca as duas mãos no rosto e resmunga em silêncio: Por que eu tenho que trabalhar hoje???

2) Aquele em que você acorda, não pensa muito na vida, toma café, troca de roupa e sai para trabalhar; e

3) Aquele em que você acorda de manhã, coloca as duas mãos no rosto e diz: Por que eu fui dormir ontem… estava tão bacana o que estava fazendo!”

Pedro Cordeiro

De certa forma, eu sempre tive o terceiro tipo de trabalho, mesmo lá no início, quando analisava balanços de bancos e empresas para conceder limites de crédito. Eu era muito feliz com aquela função. Entendia que aquilo ajudava empresas a crescerem, construírem fábricas e lançarem novos produtos. Lembro, por exemplo, com carinho da primeira fábrica de MDF da Duratex e da de Estação Rádio Base da Lucent em Campinas.

Mas este terceiro tipo de trabalho, principalmente lá no início foi mais sorte do que planejamento. A reinvenção de carreiras patina porque não refletimos o quê, verdadeiramente, nos deixa feliz no trabalho (e na vida) e, principalmente, o por quê disso.

Todos nós queremos ser felizes, mas são raros os casos das pessoas que estudam mais sobre o assunto. Todos buscam a felicidade, mas não aprendemos isso em nenhum momento da vida. Se a felicidade é o objetivo, deveríamos estudar mais este assunto. Faculdades, por exemplo, deveriam pensar em algo a respeito. Eu inclui conteúdos de sucesso, felicidade e propósito na disciplina que ministro na graduação e os retornos dos alunos são sempre muito gratificantes porque nunca foram instigados a refletir sobre como podem (e deveriam) ser mais felizes em suas vidas. Em algumas das principais universidades do mundo como Harvard, Yale e Stanford, a disciplina de felicidade está entre as mais populares.

No livro “A Arte da Felicidade”, o psiquiatra norte-americano Howard Cutler entrevista o Dalai Lama sobre este tema. Cutler explica que “no Ocidente, o conceito de alcançar a verdadeira felicidade sempre pareceu mal definido, impalpável, esquivo. Até mesmo a palavra happy é derivada do termo happ em islandês, que significa sorte ou oportunidade. Parece que a maioria de nós encara da mesma forma a misteriosa natureza da felicidade. Naqueles momentos de alegria que a vida proporciona, a felicidade dá a impressão de ser algo que caiu do céu.” Porém, ao interagir com o Dalai Lama por tanto tempo, o psiquiatra percebeu que a felicidade é algo mais simples, que pode ser aprendido, praticado e, principalmente, vivenciado. Felicidade é o caminho e não um destino.

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Desta forma, o processo de reinvenção profissional começa a pergunta mais difícil de responder:

Quem é você?

Celso Loducca, que apresenta o programa na Rádio Eldorado “Quem somos nós?” sempre começa com este questionamento para seus convidados. E em geral, eles começam respondendo o que fazem na vida, não quem são. Daí o nome do programa…

Quem somos nós, leva a outra pergunta ainda mais difícil: Por que existimos? Mark Twain, um dos principais escritores norte-americano, costumava dizer que os dois dias principais da sua vida são o dia em que nasceu e o dia em que descobriu por quê!

Muitas profissionais não conseguirão se reinventar porque não saberão responder quem são e, principalmente, quais são os propósito das suas existências. Mas aqui há uma pegadinha! Por desconhecimento, muitos ficam presos em seus Mitos da Caverna. Minha colega de trabalho, a neurocientista Claudia Feitosa Santana, explica no programa Quem Somos Nós que a realidade não existe. O que existe é a nossa percepção da realidade. Mas se tivermos a coragem para sair da nossa caverna e vivenciarmos outras realidades, talvez, possamos encontrar alguma que se alinhe ao que “achamos” que seja o nosso propósito. Ela própria largou uma carreira de arquiteta para se reinventar brilhantemente em neurociência.

Assim se precisa ou quer se reinventar, neste caso profissionalmente, comece por estudar profundamente aquilo que não precisa ser mudado ou reinventado em você: Ou seja, o que te faz feliz, qual é o seu propósito de vida! Isto pode estar escondido, esquecido lá dendro de de uma caixa (que talvez até esteja fechada) que é a sua vida.

Marcelo Nakagawa é Professor de Inovação e Empreendorismo do Insper, FDC, Unicamp, FIA, Fundação Vanzolini, Instituto Butantan, entre outras escolas de negócio. Também é coordenador de pesquisa para inovação da FAPESP.

Material adicional para estudar (um pouco mais) sobre a felicidade (Spoiler: muitos falam para você pensar “fora da caixa” quando for precisar se reinventar profissionalmente. Mas isto será inútil se não conhecer, organizar, vivenciar e respeitar o que verdadeiramente está dentro da sua caixa)

Eu sou e sempre serei aluno neste tema. Neste assunto, o ponto alto das minhas aulas é a participação do Vinícius Kitahara, fundador da Vinning, que sempre nos deixa mais que felizes, nos deixa mais bem preparados para sermos mais felizes.

Publicado por

Marcelo Nakagawa

Marcelo Nakagawa

Innovation and Entrepreneurship Professor @ Insper, FDC, FIA, UNICAMP, Vanzolini, Butantan & Innovation Program Coordinator @ FAPESP

Hoje, minha filha de 7 anos veio me entrevistar porque tinha que fazer um trabalho para a escola sobre “profissões que deixarão de existir”. Enquanto isso, a mais velha, de 11 anos, acordou cedo porque o trabalho de final de semana dela era programar o jogo Space Invaders e estava dando “bug” – segundo suas próprias palavras. Minha esposa, sentou com ela e explicou como poderia verificar o código, rotina por rotina até identificar o tal bug. Duas horas depois, o jogo estava funcionando e minha filha estava radiante (bom… até o próximo bug). Não sei quais serão as profissões que seguirão no futuro, mas nosso compromisso em relação à educação é que ambas gostem de aprender a aprender…

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