(*) Paulo Milet
Kai-Fu-Lee, no seu excelente livro Inteligência Artificial (IA), lançado em 2018, isto é, bem antes do “lançamento” do coronavírus, preocupado com o possível desemprego causado pelo avanço da IA, propõe a adoção das medidas que ele chamou de “Os três Rs: Reciclar (o conhecimento das pessoas), Reduzir (a carga de trabalho) e Redistribuir (a renda)”, ao longo dos próximos anos.
Inteligentemente, Lee não considera a idéia fechada. Antes pelo contrário, ele diz claramente que essas três possibilidades devem ser bem pensadas e devem incorporar “comos” e ideias do maior número de pessoas. Eu, pessoalmente, acredito que esses três verbos são totalmente aplicáveis quase que de imediato, em paralelo ou assim que a crise entrar na sua fase descendente (algumas semanas? meses?).
RECICLAR: Atualização de conhecimentos. As novas funções, atividades e profissões não estão sendo cobertas pelas entidades educacionais convencionais. O conceito de Life Long Learning (aprendizagem ao longo de toda a vida) precisa ser imediatamente considerado e priorizadas essas novas funções e profissões. Além dos novos conhecimentos, recuperar os que evadiram (dropout recovery) do ensino convencional e disponibilizar para esses, de modo online e gratuito, todas as trilhas de conhecimento necessárias para fechar seus ciclos nos ensinos fundamental e médio (São mais de 50.000.000 os que abandonaram os estudos nesses níveis).
REDUZIR: A redução de carga de trabalho normalmente não aparece entre as soluções possíveis para o desemprego, mas a matemática torna isso óbvio. Simplificadamente, se 100 milhões querem trabalhar e 10% não conseguem, se reduzirmos a carga de trabalho na mesma proporção, o trabalho ocupará toda a PEA. Claro que isso teria que ser sincronizado com o R anterior (Reciclagem). Estamos acostumados com uma jornada de trabalho de 40/44h por semana, ou 8h por dia, como se isso fosse uma lei universal com uma lógica imutável. Nada mais enganoso. Vários países no mundo adotam cargas diferenciadas, por exemplo: Holanda, Dinamarca, Alemanha e França ficam no limite de 35h. E de onde veio essa carga? É relativamente recente. Basicamente vem do início do século XX, como uma correção nas cargas abusivas da revolução industrial. Em 1919 a OIT definiu 48h e em 1935 corrigiu para 40h.
Ora, se estamos no limiar de uma nova revolução, porque não ousar nesses campos? Podemos buscar inspiração não no futuro, mas no passado, mais precisamente na Ilha de Utopia descrita em 1516 por Thomas Morus: ” Se todos trabalharem, a carga horária diminui para todos. Havendo seis horas apenas para trabalhar, esse tempo é suficiente para produzir bens abundantes que bastem para as necessidades e que cheguem não apenas para remediar, mas até sobrem.” “Nesta ilha dividem-se o dia e a noite em 24h exatas e destinam-se ao trabalho apenas 6 horas com intervalo para refeição e seguida de ceia. As 8 da noite vão para a cama, dando 8 horas de sono. O tempo livre entre o trabalho, as refeições e o sono é ocupado livremente por cada indivíduo, como melhor entender.” E Porque não? Seria utópico? (Com o perdão do trocadilho).
REDISTRIBUIR: Redistribuição da riqueza. Essa discussão vem de muito tempo e defende que cada trabalhador tenha uma Renda Universal Básica, com ou sem contrapartida de trabalho. A argumentação é social e defende que todo ser humano deve ter suas necessidades básicas atendidas. Nesse campo, vimos uma decisão corajosa ser aprovada em questão de dias no Brasil, com uma renda de R$ 600,00 por pessoa com renda abaixo de determinado piso. O Bolsa família já era uma tentativa nessa direção. E de onde viria inicialmente o dinheiro para esses desembolsos? Vou me socorrer com André Lara Resende, que, no seu livro Consenso e Contrassenso, recupera a MMT, sigla em inglês para a Moderna Teoria Monetária, permitindo a emissão para financiar gastos sociais, respaldado pelo que aconteceu na crise de 2008 e com o controle de juros e eu completo aqui com a crise do coronavírus em maior escala.
Atravessando e completando essa discussão, precisaríamos ter uma maneira de “formalizar” o trabalho, de modo que esse não estivesse em desvantagem em relação ao emprego formal, criando em paralelo o conceito de destrabalho (ver José Roberto Affonso) além de desemprego. Com um pouco de boa vontade e uma dose adicional de inteligência por parte dos governos, parlamento e empresas, certamente seria possível definir um plano com um horizonte de, vamos dizer, 10 anos, para que essas medidas estejam total e progressivamente implantadas, claro que em paralelo com ações fundamentais na saúde, habitação, saneamento e mobilidade.
(*) Paulo Milet é consultor e empresário em EaD, Universidades corporativas e Gestão (pmilet@eschola.com) http://www.eaducam.com.br/ Twitter @miletpaulo e @pmilet Linkedin paulo milet