Questão estratégica é a busca por minerais críticos como lítio, cobre, polissilício
Por Luis Adolfo Beckstein – Valor – 10/11/2022
Nos últimos dias de outubro, a Agência Internacional de Energia (AIE ou Agência) lançou a nova versão de seu mais importante relatório: o World Energy Outlook 2022 (WEO 2022). Mais do que um simples estudo, este documento funciona como um farol para a transição energética das principais nações do mundo e o atingimento das metas do Acordo de Paris. O cumprimento total de todas as promessas climáticas levaria o mundo a um terreno mais seguro, mas ainda há uma grande lacuna entre as ambições de hoje e uma estabilização de 1,5°C.
Não obstante, as principais economias do mundo têm lançado planos próprios com o intuito de trilhar seus caminhos para a transição energética, ao mesmo tempo em que preparam suas economias para esse desconhecido novo mundo. Os Estados Unidos lançaram o Inflation Reduction Act, a União Europeia o pacote Fit for 55 e o REPowerEU, o Japão o programa Green Transformation e a China o Plano de Ação para Alcançar o Pico de Dióxido de Carbono Antes de 2030. Ademais, nações em desenvolvimento, como Coreia do Sul e Índia, também dispõem de planos com objetivos semelhantes.
Nos cenários da AIE, óleo e gás natural ainda responderão por 51% e 46% da oferta de energia em 2030
Logo de partida, a Agência destaca a profunda cicatriz que a guerra Rússia-Ucrânia deixa no mundo, com impactos permanentes no sistema global de energia, que fraturaram padrões de oferta-demanda e relações comerciais de longa data. O mundo está no meio de uma crise global de energia, com amplitude e complexidade sem precedentes. Em setembro de 2022, as entregas de gás da Rússia para a União Europeia caíram 80% em comparação com os últimos anos.
Na visão da Agência, em todos os cenários, a UE compensa a perda de importações russas com transição acelerada do gás natural para adições de capacidade renovável. O investimento anual em energia limpa, que foi de cerca de US$ 1,3 trilhão por ano em 2021, aumenta para quase US$ 2 trilhões no cenário base e para quase US$ 4 trilhões no cenário verde em 2030.
Outra questão estratégica é a busca por minerais críticos (lítio, cobre, polissilício, níquel e terras raras). A garantia de suprimento desses minerais é parte indissociável de uma estratégia bem-sucedida de transição energética. A demanda por minerais críticos para tecnologias de energia limpa deve aumentar de duas a quatro vezes até 2030, dependendo do cenário, como resultado da expansão da implantação de energia renovável.
Em 2021, muitos desses minerais, essenciais para a produção de tecnologias de energia limpa, registraram aumentos de preços expressivos, devido a uma combinação de demanda crescente, ruptura em cadeias de suprimentos e preocupações com restrições de oferta. Os preços do lítio aumentaram quase 170% e os do níquel 94% nos últimos 12 meses.
Nesse sentido, Estados Unidos e China lançaram planos estratégicos para a gestão desses recursos, mas também outras nações como Canadá e Grã-Bretanha tiveram iniciativas semelhantes. Já no plano do presidente Biden, com as prioridades para seus 100 primeiros dias de seu governo, figurava um capítulo inteiro para essa questão. A China, poucos meses depois, também divulgou plano com diretrizes para a exploração e conservação de minerais considerados estratégicos.
A despeito da marcha acelerada para uma matriz mais verde, os combustíveis fósseis continuarão a ter relevância estratégica global, mesmo em 2050. Nos cenários da Agência, óleo e gás natural ainda responderão por 51% e 46% da oferta de energia em 2030, nos cenários base e no cenário mais verde, respectivamente. A demanda por petróleo atinge o pico em meados da década de 2030 no cenário base, e nunca recupera os níveis de 2019 no cenário mais verde.
Ademais, vários países estão anunciando políticas para banir ou reduzir plásticos descartáveis, melhorar as taxas de reciclagem e promover matérias-primas alternativas. Nesse sentido, o Global Plastic Outlook da OCDE é considerado o principal estudo abordando a fundo a questão do ciclo de vida dos plásticos. As taxas médias globais de reciclagem de plásticos aumentam do nível atual de 17% para 27% em 2050 no cenário base e 54% no cenário mais verde.
Iniciativas mundiais para aumentar a reciclagem dos plásticos, como a da Assembleia das Nações Unidas para o meio Ambiente (UNEA-5), realizada neste ano em Nairobi, levam muitos refinadores a considerar a expansão para a reciclagem de plásticos como outra forma de garantir novos fluxos de receita, juntamente com áreas como biocombustíveis líquidos e hidrogênio de baixa emissão. Ainda assim, muitos deles veem a integração com as operações petroquímicas como uma prioridade estratégica, uma vez que o uso de petróleo como matéria-prima petroquímica é o elemento mais durável da demanda.
Está claro que Estados Unidas e a China estão na disputa pela liderança do processo de transição energética. Os Estados Unidos aprovaram a Lei de Redução da Inflação e a Lei de Infraestrutura Bipartidária, que juntas irão oferecer US$ 560 bilhões em apoio público para energia limpa, além de mobilizar ampla gama de investimentos privados. A China, quase que no mesmo dia da divulgação do WEO 2022, lançou o documento que trata da Implementação do novo Plano para o Pico de Carbono no Setor Industrial. De acordo com o Banco Mundial, para alcançar suas metas de descarbonização, a China precisaria investir cerca de US$ 2,1 trilhões nos próximos 10 anos, o equivalente a 1,1% do PIB. A China não divulga uma única estatística oficial que consolide todos os investimentos em energia renovável, mas, de acordo com estudo da Australia and New Zealand Banking Group, o investimento total verde na China estimado é de US$ 1,7 trilhão até 2025.
Os investimentos projetados são colossais, quase tão grandes quanto o desafio que o mundo tem a enfrentar. As nações que aspiram a ter um papel de liderança no mundo estão traçando suas estratégias e planos. Não há garantias de sucesso, a única certeza é que os países que não se posicionarem serão arrastados pelo tsunami climático, com impactos devastadores em suas economias, indústrias, emprego e renda. O mundo nunca mais será o mesmo de antes.
Luis Adolfo Beckstein é mestre em economia, pesquisador do Grupo de Economia da Energia e Regulação da UFF e consultor de investimentos estrangeiros
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/roadmaps-para-a-transicao-energetica.ghtml
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