FT: A barganha da Apple com a China: acesso às fábricas e aos consumidores


Enquanto a participação da Huawei no mercado chinês caiu de 29% em meados de 2020 para apenas 7% dois anos depois, a da Apple saltou de 9% para 17%, segundo a Counterpoint

Por Patrick McGee e Ryan McMorrow – Financial Times/Valor — 08/11/2022

A empresa de tecnologia mais lucrativa a operar na China não é uma gigante nacional da internet como Alibaba ou Tencent, mas a Apple, com sede na Califórnia.

Seus negócios na China cresceram tão rapidamente durante a pandemia que hoje geram mais lucros do que a receita combinada das duas maiores empresas de tecnologia do país, de acordo com uma análise feita pelo Financial Times.

A dependência que a Apple tem da China como sua base de manufatura – responsável por 95% da produção de iPhones, de acordo com o grupo de inteligência de mercado Counterpoint – deixa a empresa vulnerável a choques nas cadeias de fornecimento.

No domingo, a Apple anunciou que os envios internacionais de seus mais novos iPhones de última geração seriam adiados por causa de surtos recentes de covid-19 nas fábricas chinesas operadas por sua principal montadora, a Foxconn. O anúncio foi feito uma semana depois de a empresa alertar para obstáculos “significativos” para o crescimento das receitas, causados pelo impacto de um dólar forte e de entraves no fornecimento.

Mas quando se trata da venda de seus dispositivos para consumidores chineses, os negócios vão de vento em popa. Os lucros operacionais na grande China – que inclui Hong Kong, Macau, Taiwan e a China continental – cresceram 104%, para US$ 31,2 bilhões, no ano fiscal até setembro, em comparação com o mesmo período do ano de 2020. Isso supera em muito os US$ 15,2 bilhões ganhos pela Tencent e os US$ 13,5 bilhões do Alibaba em seu período mais recente de 12 meses, de acordo com a S&P Global Market Intelligence.

Os lucros recordes realçam a barganha que a Apple fez com Pequim, que permitiu que a fabricante do iPhone passasse incólume pelas medidas repressivas do presidente Xi Jinping contra grupos de tecnologia locais ao mesmo tempo que se beneficiava das sanções impostas pelos Estados Unidos, que prejudicaram seu único concorrente sério país – a campeã nacional Huawei.

Isso é resultado da diplomacia empresarial liderada pelo executivo-chefe, Tim Cook. Suas visitas regulares a Pequim nos tempos pré-pandemia, que incluíam reuniões com Xi e executivos de tecnologia chineses, ajudaram a Apple a evitar o destino de outras empresas de tecnologia ocidentais. Alphabet, Meta e Netflix, entre outras, tiveram seu acesso ao país bloqueado.

Os críticos argumentam que a dependência que a Apple tem da manufatura chinesa fez que ela aceitasse demandas autoritárias muito prontamente. A barganha ajudou a garantir que o grupo mantivesse um acesso sem restrições à força de trabalho e a fábricas do país eficazes do ponto de vista de custos, ao mesmo tempo que se tornava uma marca líder de artigos de luxo no maior mercado consumidor do mundo.

“É óbvio para Pequim que se trata de uma via de mão dupla. Ela consegue montes de benefícios em troca – como muitos empregos e prestígio”, disse Brian Merchant, autor de “The One Device: The Secret History of the iPhone”. “O pagamento e os padrões são melhores para as empresas que fecham contratos com a Apple. Isso ajudou a empurrar os salários na direção da classe média.”

Ocupando o vazio deixado pela Huawei

Em 2019, a Huawei tinha ultrapassado a Apple em termos de vendas mundiais de smartphones e estava em segundo lugar no ranking, só atrás da Samsung. Seu crescimento rápido fora liderado pelo mercado chinês, onde em março de 2020 a Huawei e sua submarca Honor tinham chegado a uma participação de mercado combinada de 42%, de acordo com a Counterpoint.

“Era como uma ‘fábrica nacional’ – os cidadãos chineses queriam mostrar o quanto amavam o país e saíam para comprar smartphones da Huawei”, disse o analista da Counterpoint Archie Zhang.

Em agosto de 2019 a Huawei assumira uma liderança precoce com seus smartphones compatíveis com 5G, e em junho de 2020 suas vendas chinesas dos dispositivos de próxima geração tinham crescido para mais de 7 milhões por mês, de acordo com o grupo de análise de dados M Science.

Os primeiros aparelhos equipados com 5G da Apple, da série iPhone 12, só chegaram ao mercado em outubro de 2020. A essa altura, o governo do então presidente dos EUA Donald Trump já tinha adotado duras sanções contra a Huawei, sob a alegação de que a empresa era uma ameaça à segurança nacional.

As sanções bloquearam o acesso da Huawei a tecnologias-chave, como os chipsets 5G, o que se tornou devastador. A participação de mercado da Huawei na China desabou no segundo semestre de 2020 e a empresa foi obrigada a se desmembrar e criar uma empresa separada para a Honor, para preservá-la das sanções. Em 2021, as receitas dos negócios de consumo da Huawei caíram pela metade, para US$ 38,3 bilhões, segundo a S&P GMI.

Enquanto a participação da Huawei no mercado chinês caiu de 29% em meados de 2020 para apenas 7% dois anos depois, a da Apple saltou de 9% para 17%, segundo a Counterpoint. Praticamente todas as vendas do grupo americano se deram no segmento premium, em que seu predomínio subiu de 51% para 72% em três anos.

“Hoje, a Apple tem grande parte do mercado dos produtos de US$ 600 ou mais”, disse Zhang. “Se você vai comprar um smartphone de US$ 1.000, não existe nenhuma outra.”

A estratégia da Apple na China

A Apple trabalhou duro para satisfazer os gostos dos clientes chineses. Quando os concorrentes locais lançaram smartphones com telas maiores, câmeras mais avançadas, capacidade de fazer fotografias com pouca luz e um slot duplo para cartões SIM, foram os funcionários chineses da Apple que pressionaram a empresa de Cupertino (Califórnia) a seguir seu exemplo, segundo uma fonte próxima às operações na China.

Cook atribuiu o mérito pela adoção de “uma tonelada de recursos” ao feedback dos clientes chineses, entre eles o modo noturno e um leitor de código QR. “Até mesmo o 5G, de muitas maneiras, foi energizado na China, porque a China está muito à frente no modelo de cobertura para 5G”, disse o executivo-chefe da Apple a um estudante chinês de 22 anos, em uma rara entrevista destinada às mídias sociais. “Por isso, ouvimos com muita atenção nossos clientes de lá.”

Há preocupações crescentes sobre o fato de que sua manufatura está concentrada em apenas uma região, e a Apple advertiu que a principal unidade de iPhones da Foxconn “operava com capacidade expressivamente reduzida” durante o período mais lucrativo do ano para o grupo americano.

Mas por muitos anos seus esforços para ficar do lado de Pequim valeram a pena, como prometer grandes investimentos e manter silêncio sobre assuntos delicados.

A empresa aceitou mudar o armazenamento de dados de usuários chineses para um data center de propriedade do governo da província de Guizhou e removeu milhares de aplicativos da App Store local a pedido dos censores de Pequim.

Dezenas de veículos noticiosos tiveram seus aplicativos removidos, enquanto plataformas que usam mensagens criptografadas, como WhatsApp, Signal e Telegram, foram banidas. A Apple, que se recusou a dar declarações para esta reportagem, tem argumentado que precisa respeitar as leis dos países em que opera.

“A visão da Apple de um ecossistema controlado e fechado para a experiência do cliente coincide com a mesma visão, o mesmo controle que o Partido Comunista quer ter na China”, disse Nathan Freitas, diretor do Guardian Project, um desenvolvedor de ferramentas de privacidade para dispositivos móveis.

“Eles estão de acordo sobre o que é necessário para uma sociedade harmoniosa. Só que uma é um ecossistema de smartphones e o outro é um país.”

Colaborou Nian Liu, de Pequim

Tradução de Lilian Carmona.

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/11/08/ft-a-barganha-da-apple-com-a-china-acesso-s-fbricas-e-aos-consumidores.ghtml

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