Livros para adolescentes e jovens adultos se tornam carros-chefes de editoras e assunto no TikTok
Por Célia de Gouvêa Franco — Para o Valor, de São Paulo 28/08/2022
Adolescente não lê livros.
Lê, sim.
Jovem não lê livros.
Lê, sim.
Tanto eles leem que livros dirigidos para o público entre 14 ou 15 anos até os 20 e poucos e no máximo 30 anos dominam as listas de best-sellers de obras de ficção no Brasil e em outros países e se tornaram uma fonte importante de receita, às vezes até a principal, para editoras, inclusive algumas das mais tradicionais. A renovação do público leitor, desta forma, cria esperanças de que eles continuem comprando livros também na maturidade.
Por qualquer ranking que se tome, a venda de obras literárias para essa faixa etária ganhou muita força recentemente, fenômeno causado em parte pela oportunidade de esses leitores se sentirem parte de uma comunidade ao comentarem o que leram nas redes sociais, em parte por funcionar como válvula de escape durante a fase mais aguda da pandemia de covid-19 – um hábito que não diminuiu mesmo com o fim dos longos períodos de quarentena.
O sucesso desse nicho de mercado colocou em evidência autores que têm se mostrado muito produtivos, lançando livros com grande frequência, algumas vezes até como resultado dos pedidos dos leitores que, nas redes sociais – especialmente no TikTok -, os incentivam a escrever mais. E essa é outra peculiaridade do público teen e de jovens adultos: constante comunicação com os autores e as editoras de livros.
As publicações para o público entre 14 e 15 anos tomaram de assalto as listas de best-sellers, como se vê, por exemplo, na compilação feita pelo PublishNews a partir das vendas em livrarias mais Lojas Americanas, Magazine Luiza e Submarino. No primeiro semestre deste ano, entre os 20 títulos de ficção mais populares, 13 eram livros para adolescentes ou jovens adultos – dois deles, os campeões, ultrapassando inclusive “Torto arado” (ed. Todavia), de Itamar Vieira Júnior, que liderou as vendas durante todo o ano passado e o início de 2022.
Com essa tendência, livros para esse segmento de leitores passaram a representar uma fonte de receita financeira importante para as editoras. Na quase centenária Editora Nacional, que começou a investir em obras para adolescentes e jovens adultos há dois anos, 30% dos lançamentos são voltados para esse público desde então. A participação no faturamento total é, porém, desproporcionalmente muito maior – 60%, diz Luiza Del Monaco, gerente editorial da empresa. O cenário é parecido na editora Record, que criou uma área específica para o público jovem, o Galera, que há três anos era o quarto selo que mais vendia livros, segundo Rafaella Machado. Hoje, o Galera é o campeão de vendas.
Mauro Palermo, diretor da Globo Livros, dá um exemplo do interesse dos leitores jovens – 75% das vendas da editora na Bienal do Livro, realizada recentemente em São Paulo, foram do selo Alt, que passou a existir em 2014, voltado para livros de entretenimento dos jovens.
Segundo Mauro Palermo, da Globo Livros, 75% das vendas da editora na Bienal do Livro foram do selo Alt, dedicado ao segmento jovem
Os bons resultados das vendas na Bienal foram de tal ordem que fazem Sônia Machado Jardim, presidente do Grupo Editorial Record, se entusiasmar: “A gente brinca que, quando alguém um dia estiver deprimido, o melhor é ir à Bienal do Livro. A gente vê aquela multidão avassaladora de jovens; está ali o futuro do mercado editorial. É um espetáculo essa paixão, determinados atores tratados como astros de rock. Você se sente no Rock in Rio!”, disse, durante sua participação na Sabatina PublishNews no mês passado.
Como se explica o interesse de adolescentes pelos livros se há tantas outras formas de diversão num mundo tão digitalizado como o nosso? Para Rafaella Machado, da Record, o isolamento imposto pela pandemia fez com que muitas pessoas, inclusive os jovens, descobrissem o prazer de ler, que não diminuiu com a volta à rotina mais “normal” dos últimos tempos. Livros passaram a ser vistos, por esses recém-convertidos em leitores, como uma forma de sentir engajados numa comunidade – nas redes sociais ou fora delas – para tratar de questões que normalmente fazem adolescentes sofrerem, como o papel das mulheres na sociedade, protagonismo negro, temas ligados à sexualidade e aos grupos LGBTQ+. Todos esses assuntos são largamente abordados por livros que procuram falar com o público de mais de 15 e menos de 25 ou 30 anos.
Havia, até recentemente, um certo “abismo” entre o público infantil, consumidor de livros, e o adulto, afirma Samuel Seibel, dono da Livraria da Vila. Nos anos entre essas duas faixas de idades, os adolescentes paravam de ler livros até como uma forma de rebeldia. Essa situação começou a mudar há alguns anos, com o enorme sucesso da série “Harry Potter”, da escritora inglesa J. K. Rowling, que incentivou milhares de crianças e depois adolescentes a ler livros. Com naturalidade, eles continuaram com o hábito da leitura, numa tendência que não é, claro, percebida só no Brasil, mas em dezenas de outros países. Para Seibel, há indícios de que ler livros é mais do que apenas “uma moda” entre os teens, que vai passar.
Luiza Del Monaco, da Nacional, defende que o sucesso de um livro para essa faixa de público está ligado frequentemente à defesa de uma “tese”. Mais do que apenas contar uma história, o adolescente ou jovem adulto quer se sentir engajado numa causa. Paula Drummond, editora da Alt, lembra ainda que muitos pais não gostam de gastar muito com videogames, mas aprovam que seus filhos teens comprem livros. E, curiosamente, apesar de ser um público que vive mergulhado no mundo digital, adolescentes e jovens leem preferencialmente livros em papel.
Mantida essa tendência, o interesse deles pela leitura pode ajudar não apenas o mercado, mas o país, diz Palermo, da Globo Livros. Os livros podem ser uma plataforma de mudança da sociedade, com maior aceitação da diversidade. Hoje, os adolescentes e jovens leem basicamente ficção, mas o hábito da leitura pode levá-los a experimentar outros gêneros.
Para atender a esse público, exigente e que acompanha os lançamentos internacionais e se interessa por detalhes nas capas dos livros, as editoras passaram a publicar com muito maior frequência romances, livros de aventuras e fantasia. Também aumentaram as tiragens. E incrementaram as equipes que cuidam das redes sociais para manter a comunicação constante com os leitores. Fazem mais promoções, com enorme êxito. Rafaella Machado conta que ao anunciar uma edição especial de “Corte de espinhos e rosas”, livro de fantasia de Sarah J. Maas, a Galera Record vendeu 25 mil exemplares em dez minutos. Paula Drummond, da Globo Livros, informa, por sua vez, que neste segmento os leitores têm duas “manias” – ler livros e comprar livros. Se uma editora faz um lançamento de um best-seller com uma capa diferente da versão original, por exemplo, é muito provável que milhares de adolescentes queiram comprá-lo mesmo que já tenham um exemplar, lido e discutido.
O exemplo mais ilustrativo do êxito das obras para o segmento dos 15 aos 25 (ou um pouco mais) é o da escritora americana Colleen Hoover. Na semana passada, a lista dos 15 livros impressos e eletrônicos de ficção mais vendidos nos Estados Unidos compilada pelo “The New York Times” incluía seis obras dela, sendo que o seu mais vendido – “É assim que acaba”, na edição brasileira – está na listagem há mais de um ano: 61 semanas precisamente. No ranking de 150 obras do “USA Today” da primeira semana de agosto, que engloba qualquer gênero e livros voltados para qualquer faixa etária no mercado americano, constam 15 das 22 obras escritas por Hoover – um número muito maior do que de qualquer outra pessoa.
No Brasil, ela é publicada pelo selo Galera, da Record, com sucesso parecido ao registrado nos Estados Unidos. Cerca de 1,2 milhão de exemplares dos seus livros foram vendidos no Brasil, informa a editora-executiva da Galera, Rafaella Machado. No levantamento da Amazon, os livros de Hoover ocupam 6 dos 15 mais vendidos no mercado americano e 3 no Brasil.
Pode se considerar que Colleen Hoover, uma ex-assistente social que bancou a publicação dos seus primeiros títulos por não encontrar editor interessado, radicaliza na criação dos personagens das suas novelas. Em “Reminders of Him” (“Uma segunda chance”, na versão brasileira, lançada em maio), a protagonista não apenas perde o amor da sua vida – ela o mata, por acidente, e dá à luz a uma filha, na prisão.
Como se pode imaginar, com todo esse sucesso de vendas, a vida de Hoover teve reviravoltas semelhantes às que ela retrata nas suas novelas. Ela morava num trailer, numa cidade no Texas, quando publicou o primeiro livro, em 2012 – ela queria compartilhar uma história com sua avó, que tinha acabado de comprar um Kindle, como contou numa entrevista recente ao “The Washington Post”. Um ano depois do primeiro lançamento, ela já tinha dinheiro suficiente para largar o emprego e passou a escrever livros em tempo integral. Ganhou tanto que, por meio da entidade benemérita que fundou, Bookworm Box, Hoover já doou mais de US$ 1 milhão.
Hoover, como outros autores, foi extremamente beneficiada pelo crescimento da audiência do TikTok. Ela já fazia sucesso antes da explosão na audiência da rede social, mas foi muito ajudada pela divulgação dos seus livros e pela formação de grupos de leitores que discutem os enredos das suas obras, as capas, as próximas publicações e comparam as traduções com os textos originais.
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Não sabia que os jovens são leitores assíduos. Na minha juventude devorava coleções inteiras e não vejo isso hoje. Vejo sim ligados ao celulares e um pouco a game. O que acho uma pena. Agora , a escola teria que participar de eventos culturais. Também não vejo isso. Poderá perguntar: como sabe disso ? Eu todos os dias sou um VÔMOTORISTA .5 jovens NETOS …ENTENDERAM agora!! Nunca falaram em livros no carro. Nunca!!
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