Glauco Arbix, sociólogo, professor e especialista em inovação, diz que o estrago feito na educação básica no Brasil vai ser sentido em 10 a 15 anos
Por Marli Olmos — Valor 28/07/2022
Glauco Arbix, professor titular do departamento de Sociologia da USP: “Inovação não é computador; é gente” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Vivemos um novo ciclo, científico e tecnológico, “que está sacudindo o planeta”, segundo o sociólogo e professor Glauco Arbix, especialista em inovação. O lado perverso, diz, é que esse movimento não é reproduzido de maneira igual em todo o planeta. No Brasil, existe, segundo ele, um retrocesso que começa na educação básica e envolve outras variáveis, como desigualdade social e descuido com a proteção ao meio ambiente, o que reduz a capacidade de o país acompanhar o ritmo mundial da evolução do conhecimento.
Para ele, se nas nações desenvolvidas a inteligência artificial é a bola da vez, as emergentes não conseguem sequer requalificar a mão de obra, ainda presa a ferramentas do passado, para aprender a lidar com o mundo digital, manusear um computador, e que falha até em noções básicas de matemática.
Durante a Live do Valor, ontem, Arbix disse que o país inovador é o que tem pessoas qualificadas, que pensam e transformam ideias. “Inovação não é computador; é gente”, destacou. Mas, no Brasil, nos últimos anos, as políticas públicas voltadas ao financiamento do conhecimento “regrediram a patamares do início dos anos 2000”. Para ele, o estrago feito nos últimos cinco anos, incluindo a educação básica, será sentido daqui a dez ou 15.
Professor titular do departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Arbix diz que, no Brasil, o governo não tem atuado como indicador de caminhos para que universidades, instituições e empresas trabalhem em parceria, como se vê em países desenvolvidos.
Para piorar o quadro, ele percebe efeitos nocivos ao futuro da inovação no país como consequência de medidas que o governo toma hoje. É o caso da recente “PEC das Bondades”, que fará cortes no orçamento em saúde e educação para garantir os recursos necessários para as despesas excepcionais, com o aumento do Auxílio Brasil e o voucher caminhoneiro, entre outros.
“Não investir na educação é dar um tiro no futuro do país”, diz. “E o governo, que deveria ser o estimulador acaba sendo uma barreira”, completa.
Outro problema que o país precisa resolver antes de dar saltos rumo à inovação, segundo Arbix, diz respeito à baixa produtividade. “As empresas precisam ganhar dinamismo nesse aspecto para que o país tenha uma economia mais pujante”, afirma. Para o sociólogo, que também é fundador do Observatório de inovação e competitividade, da USP, uma economia baseada em commodities é importante. “Mas somente quando combinada com a indústria é capaz de gerar uma economia moderna”.
A preservação de empregos num mundo que se volta cada vez mais à automação também o preocupa. A substituição do trabalho humano por máquinas não é de hoje. “A tecnologia que surgiu no século XX trouxe muitas mudanças”, destaca. “Quantos que acendiam lamparinas usando óleo não perderam o emprego quando surgiu a eletricidade? A tecnologia mata empregos, mas abre novas oportunidades; é preciso entender como estamos nesse processo”, afirma Arbix, que já foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Para ele, robôs não servem para substituir pessoas e a ideia de usar a tecnologia no lugar de gente “é nociva à sociedade”, apesar de, afirma, muitas empresas agirem dessa forma. “O fazem pensando que vão ganhar uns tostões, mas isso tem fôlego curto”. Para Arbix, o futuro tende a ser híbrido, com as máquinas trabalhando com as pessoas e não no lugar delas, com o intuito de aperfeiçoar precisão e qualidade. “Isso aparece no robô cuidador, no robô industrial”, afirma. “Essa interação tende a definir o futuro da tecnologia.”
Se a atual imagem do Brasil no exterior é motivo de preocupação na área empresarial e financeira, na acadêmica e de pesquisa a situação não é diferente. “Ninguém quer chegar perto de um país que não protege suas florestas, não respeita tratados ou sequer os acordos que assinou”, diz. A situação faz com que pesquisadores tenham mais dificuldade para participar das redes globais que geram conhecimento, diz Arbix, cujos estudos de pós-doutorado incluem passagens por universidades dos Estados Unidos e Inglaterra.
Para o Brasil, o ideal, recomenda, seria absorver o conhecimento já desenvolvido nas regiões mais ricas e promover o intercâmbio intelectual, levando em conta que o país também é rico em conhecimento. Basta ver, aponta, o envolvimento dos pesquisadores de saúde nas descobertas das vacinas para combater a covid-19.
“Não há nenhuma explicação biológica para o Brasil ficar para trás. Isso diz respeito apenas às escolhas que fazemos. Escolhas políticas, científicas, educacionais, tecnológicas e econômicas”, afirma. “Na situação em que estamos com a auto-estima baixa vamos continuar a achar que o Brasil não tem jeito, que o país será sempre motivo de chacota e continuaremos fazendo piada de nós mesmos.”
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