A colunista Vicky Bloch afirma que os conselheiros também devem integrar a cultura corporativa
Vicky Bloch – Valor 05/05/2022
“Cultura e liderança são dois lados da mesma moeda. Quando as culturas existem, elas determinam os critérios para a liderança e, assim, definem quem será ou não um líder. O mais importante para os líderes é que, se eles não se tornarem conscientes das culturas em que estão inseridos, estas os gerenciarão. O entendimento cultural é desejável para todos, mas é essencial a quem lidera.”
O parágrafo acima faz parte do livro “Cultura Organizacional e Liderança”, do consultor americano Edgar H. Schein, um dos pioneiros nos estudos sobre desenvolvimento organizacional. E eu trago o tema neste artigo para fazer uma associação que pouco se faz no mercado corporativo: a necessidade de se levar a cultura organizacional para dentro do ambiente de conselho de administração.
Em minha última coluna, falei sobre o “onboarding” de conselheiros e propus que as empresas comecem a trazer para o processo de integração do CA o lado humano dos indivíduos. Hoje, eu gostaria de fazer uma nova provocação: que os novos membros de conselho passem a ter em sua lista de lição de casa imediata o entendimento da cultura da organização da qual farão parte.
Sei que essa é uma meta desafiadora, já que diagnóstico de cultura não faz parte da formação usual de conselheiros. Mas, certamente, aqueles que foram líderes em organizações com cultura forte sabem identificar a importância do tema.
O livro de Shein, desenvolvido a partir de pesquisas com empresas e muito embasamento teórico, é inspirador para mim por reforçar o entendimento que, quando chegamos em algum lugar (o conselho, neste caso), a primeira curiosidade que deveríamos ter é sobre como as pessoas se comportam naquele ambiente, como aquela empresa se move.
A cultura é a parte mais profunda, frequentemente inconsciente, de um grupo, diz Vicky Bloch — Foto: Pexels
E como se faz isso? Através do jeito mais fácil: a observação simples das pessoas e movimentos. É prestar atenção em tudo o que se vê, ouve, sente, em como a empresa está fisicamente organizada.
Quando conversar com as pessoas, fazer perguntas interessadas sobre aquilo que se está observando, entender como as equipes costumam resolver seus problemas, como se adaptam a mudanças e tomam decisões. Sei que este é um comportamento muito pouco explorado pelos conselheiros, mas garanto que pode fazer uma diferença significativa para o nível de contribuição e entrosamento junto ao colegiado. Cabe ao chairman, obviamente, facilitar esse processo.
A cultura é a parte mais profunda, frequentemente inconsciente, de um grupo. Ela é um fenômeno dinâmico que nos cerca em todas as horas, moldado por comportamentos de liderança e um conjunto de estruturas, rotinas, regras e normas. Uma definição interessante feita por Schein é que a cultura está para um grupo assim como a personalidade ou caráter está para um indivíduo – podemos ver os comportamentos resultantes, mas frequentemente não podemos ver as forças internas que causam certos tipos de comportamento.
Quando os conselheiros buscam compreender essas forças internas que movem a organização, eles são capazes, também, de melhor ler o comportamento da liderança executiva e identificarem se existe distância entre discurso e prática.
Se um membro de conselho recém-chegado faz intervenções na operação a partir da sua própria vivência sem considerar que a cultura é um produto de uma história e de ações no tempo, ele corre o risco de promover um distúrbio ou uma ruptura naquela cultura, o que não necessariamente leva para um lugar de sucesso. E o risco ainda é maior quando são vários os novos conselheiros, cada um com sua visão, tentando impor suas regras – mesmo que sejam boas propostas de reflexão – e causando grandes problemas para o CEO, atrapalhando a continuidade dos processos em andamento.
Tenho poucos dados de pesquisa, mas posso garantir pela minha experiência de coach de altos executivos que boa parte dos burnouts dos CEOs acontecem com mais frequência em organizações que trocam todo o conselho de uma vez e precisam começar do zero o estabelecimento de uma sinergia entre conselho e gestão. Inserir a cultura organizacional na integração de conselheiros é uma atitude de humildade e inteligência.
Vicky Bloch é fundadora da Vicky Bloch Associados, professora do IBGC, da FIA e membro de conselhos de administração e consultivos.
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