Trabalhar doente em casa agora é comum. Mas qual o custo disso?
Por Emma Jacobs — Do Financial Times/Valor 28/04/2022
Quando Rachel* pegou covid, seu empregador quis que ela fizesse o trabalho de forma remota, em vez de pegar um dia de licença médica. “Estava muito cansada”, diz. “Era muito difícil ter foco”. A professora de alunos com necessidades especiais, que mora na Inglaterra, deu as aulas, estando em casa, para alunos presentes na sala de aula, auxiliada por uma assistente. “Você tinha a sensação de que se não fizesse isso [trabalhar doente], estaria decepcionando as pessoas.”
Trata-se de um exemplo claro da forma como as ferramentas introduzidas na pandemia para ajudar no isolamento de estudantes e professores transformaram a vida laboral. Reuniões por Zoom, os e-mails e os canais Slack facilitaram o trabalho durante o isolamento e tornaram mais fácil para os funcionários ficarem em casa quando pegavam covid, mas também tornaram mais difícil para as pessoas tirarem dias de licença médica.
Elizabeth Rimmer, executiva da LawCare, organização beneficente que trabalha para defender a comunidade jurídica em questões de saúde mental, participou de vários encontros virtuais nos quais também participaram pessoas com covid-19. “Elas não pareciam nada bem. As pessoas podem deitar na cama com seus laptops e seguir adiante mesmo sentindo-se mal.”
Jane van Zyl, executiva-chefe da Working Families, um grupo de defesa dos assalariados, faz ressalvas na mesma linha. “Precisamos ter em mente que a lição da pandemia é o trabalho flexível, e não o trabalho o tempo todo.”
É uma questão importante para os empregadores. Anne Sammon, sócia da banca de advocacia Pinsent Masons, tem recebido um número cada vez maior de consultas de empresas preocupadas com o presenteísmo digital dos funcionários- quando eles estão a postos para trabalhar, mas sem condições de dedicação plena. “Os empregadores querem definir qual é o tom adequado quanto ao que se espera do funcionário. O desafio, do ponto de vista do empregador, é como encontrar o equilíbrio. O que você quer que os gestores digam é: ‘Use seu bom senso’, mas isso não deixa a questão clara para as pessoas.”
Não se trata apenas de que a tecnologia facilite que trabalhemos estando de cama por alguma doença, mas também do fato de que o trabalho remoto e o híbrido podem enfraquecer os laços entre colegas. Uma pesquisa concluiu que os funcionários que contam com “apoio social” têm maior inclinação a não esconder doenças, o que reduz a pressão para que trabalhem quando não se sentem bem.
Os dados sobre o impacto da adoção generalizada do trabalho remoto na solicitação de dias de licença médica ainda estão surgindo. Em 2021, no Reino Unido, a Agência de Estatísticas Nacionais divulgou o menor patamar histórico no número de dias em que as pessoas se ausentaram do trabalho. A proporção caiu de 3,1% de horas de trabalho perdidas em razão de faltas por doença em 1995 para 1,8% em 2020. A agência apontou como causas prováveis para a queda os programas de licença remunerada em estabelecimentos obrigados a fechar durante o lockdown e o trabalho remoto, dois fatores que contiveram a propagação de vírus como a gripe. Por outro lado, o Chartered Instititute of Personnel and Development, órgão de profissionais de recursos humanos, concluiu que a maioria das pessoas que consultou (84%) apontou como motivo o “presenteísmo” – quando as pessoas trabalham mesmo estando doentes.
Nos Estados Unidos, pesquisa de 2020 mostrou que os trabalhadores tinham menor propensão a tirar folgas quando trabalhavam em casa por acreditarem que pedir licença nessa situação seria malvisto pelos empregadores. Pesquisas pré-pandemia em uma empresa chinesa cujos funcionários trabalhavam de forma remota também mostraram que eles tiravam menos dias de licença médica.
Alguns empregadores responderam às novas pressões enfrentadas pelos funcionários que trabalham remotamente durante a pandemia oferecendo mais dias livres para cuidar do bem-estar, como é o caso do LinkedIn e do Hootsuite, que deram aos funcionários uma semana extra. A licença remunerada é fundamental para encorajar os funcionários a pedirem um tempo para se recuperarem.
A pandemia mudou a atitude dos empregadores em relação às doenças, segundo Laura Empson, professora de administração na Bayes Business School, da Universidade de Londres. “Está se tornando possível dizer, ‘preciso dar uma parada pelo meu bem-estar mental’. Não é que seja normal dizer isso, mas pelo menos está sendo dito. Coisas que eram inimagináveis antes da covid, agora são pelo menos possíveis, ainda que não aceitáveis”. Clientes percebem que se alguém está trabalhando quando não se sente bem, isso pode ser contraproducente e afetar o empenho do funcionário, diz Sammon.
Alun Baker, executivo-chefe da GoodShape, empresa especializada em bem-estar, diz que “o risco financeiro, empresarial e pessoal de trabalhar quando não se está bem fisicamente ou mentalmente é significativo”. Isso deveria encorajar empregadores a propagarem uma cultura “garantindo que os funcionários não se sintam pressionados a trabalhar a todo custo”.
A questão é que políticas relacionadas à ausência por doença apenas são eficazes quando comunicadas de forma adequada às equipes, e bem compreendidas. A chave é fazer com que gestores entendam os riscos quando funcionários doentes continuam trabalhando e com que esses gerentes administrem a distribuição da carga de trabalho de forma a reduzir a pressão para que funcionários sentindo-se mal não peçam licenças.
O trabalho remoto acrescenta uma camada de complicações, ao tornar mais difícil para o empregador monitorar o bem-estar do funcionário. “Quando alguém vem para o escritório e está visivelmente mal, você pode identificá-lo”, diz Sammon. “Quando estão remotos, você pode ficar o dia inteiro sem falar com eles”. Problemas de saúde mental podem ser mais difíceis de identificar, embora alguns sinais possam ser a falta de empenho ou que se conectem à rede em horários estranhos. “Estamos vendo um foco verdadeiro no treinamento de gerentes para que sejam melhores gestores”, diz Sammon.
Sam Rope, vice-presidente de RH no Reino e Irlanda da firma de recrutamento Adecco, diz que a empresa deixa a decisão sobre os primeiros sete dias de alguma licença nas mãos dos funcionários, o que “garante que não existam requerimentos complicados de prestação de contas”.
Sobre as preocupações quanto ao presenteísmo, Maria Karanika-Murray, professora de psicologia da saúde ocupacional na Universidade Nottingham Trent, ressalta que a palavra pode ter um caráter negativo exagerado. Ela sugere que o presenteísmo deveria ser visto como um “continuum” de comportamentos, que pode incluir desde um efeito de revigoramento, já que ajuda um trabalhador a manter contato com colegas, trazendo certo estímulo, até um impacto disfuncional, que prejudica tanto a saúde quanto o desempenho. Há uma diferença entre o “presenteísmo funcional” e o comportamento que realmente é prejudicial – para ela, há elementos para contestar a suposição de que seria sempre negativo. É como as empresas que perceberam que certa dose de estresse é útil para o desempenho, mas uma dose muito grande é esmagadora e pouco estimulante. “Há, no meio, um ponto ideal para o desempenho.”
Em uma situação de trabalho híbrido flexível, inevitavelmente parte disso depende da avaliação do próprio trabalhador. “Em um mundo ideal, se o trabalho flexível oferecer opções suficientes, talvez nem precisemos de licença médica”, diz Karanika-Murray. “Será tudo uma questão de ajustes.”
Uma consultora que trabalhou com sintomas de covid, por exemplo, achou útil ter continuado executando um projeto. “Ironicamente, a adrenalina da campanha realmente ajudou a clarear minha cabeça”. Ela ressalta, porém, que não vai ao escritório quando não está bem, mesmo por aflições menores. “Senti que nunca fez sentido estar com um resfriado e deixar meus colegas doentes.” Em última análise, tudo se resume a confiar nos funcionários para que tenham um tempo livre quando precisarem, sem abusar da flexibilidade que lhes é dada.
*Nome fictício
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