Alta liderança vive dia a dia de funcionários e extrai aprendizados para entender melhor os clientes
Por Yasemin Craggs Mersinoglu, Financial Times/Valor 12/05/2022
Em março, Andy Fang, cofundador e diretor de engenharia de consumo da DoorDash, foi visto entregando um pedido de um restaurante de sushi no apartamento de um cliente em São Francisco. O aplicativo de entrega de alimentos havia reiniciado seu programa WeDash, que exige que todos os seus funcionários assalariados nos EUA, Canadá e Austrália saiam para a rua e façam entregas. “Isso é importante para o DNA da nossa empresa, está vinculado a um de nossos valores, o de sermos obcecados pelos clientes”, diz Fang. O ato de testar os próprios produtos ou serviços é chamado de “dogfooding” no mundo da tecnologia. Tradicionalmente, acontecia no desenvolvimento de softwares, mas o uso do termo foi ampliado para se referir a iniciativas de funcionários de passar um tempo em funções na linha de frente.
Quando a DoorDash foi criada, em 2013, os fundadores faziam as entregas eles mesmo por pura necessidade. A iniciativa WeDash, que começou em 2015, antes de ser interrompida na pandemia, transformou uma necessidade em uma política da companhia.
Brian Chesky, cofundador e presidente executivo do Airbnb, que anunciou em janeiro que se hospedaria em propriedades alugadas por meio do Airbnb a cada poucas semanas — Foto: David Paul Morris/Bloomberg
Segundo Fang, “uma coisa que torna esse programa tão eficiente aqui é o fato de que os fundadores e a liderança da companhia se envolvem nele com muita paixão”. Ele recentemente usou o programa para testar a viabilidade do uso de e-bikes nas entregas, em parte como resposta ao aumento dos preços da gasolina e às preocupações com a sustentabilidade ambiental. Fang descreve o WeDash como uma maneira de os funcionários entenderem a cultura da companhia, permanecer em contato com as mudanças frequentes nos produtos e fornecer “feedback” de como melhorar os serviços.
A empresa pede aos funcionários que completem ao menos quatro entregas e eles também podem acompanhar colegas da área de experiência do cliente para realizar dez corridas por ano.
Outro adepto do “dogfooding” é Brian Chesky, cofundador e presidente executivo do Airbnb, que anunciou em janeiro que se hospedaria em propriedades alugadas por meio do Airbnb a cada poucas semanas – ele fez uma experiência parecida em 2010. Mais um é John Zimmer, cofundador e presidente da Lyft, que tem a tradição de dirigir um carro do aplicativo de transporte na virada do ano, algo que vem fazendo há dez anos.
Jennifer McFadden, professora de empreendedorismo na Yale School of Management, diz que os empregadores precisam se perguntar se tais práticas são o melhor uso do tempo dos funcionários de altos salários, por causa do custo que isso tem para a companhia. “Pessoalmente, eu diria que sim”, afirma ela. “Qualquer coisa que você fizer para se aproximar dos seus clientes é ótimo.”
No entanto, ela levanta preocupações sobre a capacidade de os funcionários entenderem os problemas experimentados pelos trabalhadores da “gig economy”, a economia sob demanda. “Acho que isso ajuda a criar empatia com os usuários finais, mas você realmente não tem como entender essa função se não mergulhar nela. Seu salário depende disso, você está alimentando sua família com base nesse salário, você está trabalhando 14 horas por dia.”
A frase “comer sua própria comida de cachorro” foi popularizada na Microsoft em 1988 pelo ex-gerente Paul Maritz. Ele enviou um e-mail sobre a necessidade de testar um novo software de rede internamente usando a frase na linha de assunto e, como brincadeira, o gerente de testes nomeou o servidor de teste de “dogfood”. “De alguma forma isso ganhou vida própria e começou a se espalhar para outras áreas da Microsoft, e de lá para outros setores”, lembra Maritz. “Às vezes tenho medo de que, quando eu morrer, escrevam na minha lápide: ‘Ele comia sua própria comida de cachorro’.”
Ilma Nur Chowdhury, professora de marketing da Faculdade de Negócios Alliance Manchester, diz que as empresas deveriam avaliar se escalaram uma equipe inclusiva de “dogfooding”, capaz de refletir as diferentes necessidades e perfis tanto dos funcionários quanto dos grupos de clientes. “É possível ver uma empresa tentando se tornar mais responsável socialmente quando tenta levar em consideração a diversidade nesse processo.”
Ela acredita que programas de “dogfooding” mal arquitetados podem levar a problemas como fadiga e ressentimento da equipe. Mas afirma que esses reveses podem ser evitados se os funcionários não forem obrigados a cumprir horas-extras e se o quadro da linha de frente não experimentar desestruturações de suas equipes.
Na empresa de automação de fluxos de trabalho Zapier, todos os funcionários são solicitados a ajudar no suporte aos clientes todas as semanas. Wade Foster, seu cofundador e executivo-chefe, diz: “Isso os ajuda a se sentir muito mais ligados ao trabalho que está em curso”. Ele afirma que a política levou a entender melhor as exigências do cliente e a conceber soluções mais rápidas para os problemas mencionados nos chamados. Também propiciou a construção de um espírito de união entre a equipe, que inclui confiança e maior respeito para com os funcionários de assistência ao cliente.
Foster acha que a política ajuda que todos “vejam através das mesmas lentes” e a entender por que outros departamentos defendem determinadas mudanças. No começo da pandemia, funcionários da equipe de suporte ao cliente e de outros departamentos da Zapier identificaram o impacto que a covid-19 teria sobre as empresas de pequeno porte e, em menos de uma semana, a companhia lançou um programa de assistência. “Ele nos permite avaliar melhor as oportunidades e adotar aquelas que consideramos interessantes talvez um pouquinho antes do que a maioria das empresas.”
Essas práticas não se restringem ao setor de tecnologia. Antes de se tornar CEO do Burger King, em 2013, Daniel Schwartz trabalhou nos restaurantes da empresa, fritando hambúrgueres e aprendendo como funcionavam outras funções na empresa.
A varejista britânica John Lewis promove sua própria iniciativa nesse sentido, chamada Helping Hands, desde 2006 – primordialmente centrada em torno da equipe do escritório.
Na primeira década de funcionamento do método, pediu-se aos funcionários que ajudassem nos espaços de vendas das lojas de departamentos da John Lewis e dos supermercados Waitrose, nos últimos dias da contagem regressiva para os festejos de Natal. O programa foi em seguida adaptado com a mudança da natureza do setor de varejo, na guinada para as compras on-line. Agora, os funcionários também podem se inscrever para ajudar em seus armazéns, centros de atendimento ao cliente e em entregas residenciais por alguns dias durante os períodos de maior movimento. “Isso faz a empresa ganhar vida na frente deles”, diz Ben Farrell, diretor de planejamento de operações e de entrega.
Enquanto comandava a reação à pandemia, a própria experiência de Farrell ao ajudar nas entregas influenciou seus métodos para garantir a segurança de funcionários e clientes. “O detalhamento que se obtém ao executar todas essas tarefas ajuda de verdade a pessoa a tomar decisões melhores”, diz.
(Tradução Mario Zamarian e Rachel Warszawski)
https://valor.globo.com/carreira/noticia/2022/05/12/ceos-experimentam-a-linha-de-frente.ghtml
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