Flexibilização na obtenção de visto, menor custo de vida e ecossistema digital tornam o país convidativo
Por Barbara Bigarelli — Valor 14/04/2022
Acessar um pool global de talentos, principalmente no setor de tecnologia, e entregar uma experiência internacional a funcionários brasileiros são aspectos que têm levado empresas do Brasil a estabelecer escritórios em Portugal. O movimento foi fortalecido após o impacto da pandemia por algumas razões. A primeira é a flexibilização no processo dos vistos, o que vem atraindo um maior número de trabalhadores remotos e nômades digitais, e a existência de um visto específico para profissionais de empresas de tecnologia, segundo Diana Quintas, CEO da empresa de imigração Fragomen.
A segunda razão envolve o que Portugal já entregava a seus moradores (custo de vida europeu mais baixo, segurança, acesso fácil a toda Europa) e o que virou símbolo nos últimos anos: uma comunidade digital, ativa e cosmopolita, principalmente pelo fortalecimento do evento de tecnologia e marketing WebSummit, avalia o brasileiro Matheus de Souza. Nômade digital há cinco anos, trabalhando remoto com marketing e conteúdo de 30 países diferentes para empresas do Brasil, Souza escolheu Lisboa para viver e trabalhar a partir de setembro.
A terceira razão que vem levando empresas brasileiras a Portugal está relacionada à competição global de talentos em tecnologia. “Recebemos consultas de empresas que estão estruturando a criação de hubs em Portugal para atrair e reter profissionais que querem morar na Europa”, diz Quintas.
A startup de logística brasileira Loggi chegou oficialmente em Lisboa em 2020, e vem ampliando o número de profissionais contratados no país. Atualmente, há 80, de 16 nacionalidades, sendo 45% brasileiros, e a empresa planeja dobrar esse número este ano. “Depois, a meta é chegar a 200 profissionais prestando serviços e entregando tecnologia para oBrasil”, diz Eduardo Thuler, vice-presidente de produtos na Loggi.
A plataforma de moradia QuintoAndar seguiu esse caminho e está inaugurando um escritório em Lisboa. “A pandemia intensificou essa competição por talentos de tech, com empresas contratando no mundo todo, inclusive brasileiros. Por outro lado, abriu a oportunidade para a gente contratar pessoas do mundo todo, e ter uma presença na Europa é ter uma base importante para isso”, diz Gabriel Braga, CEO do QuintoAndar.
O iFood também planeja a abertura de um escritório em Portugal de olho em atração e retenção de talentos, dentro de seu plano de internacionalização, segundo duas fontes ouvidas pelo Valor.
Em 2020, os brasileiros representavam 27,8% da comunidade estrangeira residente em Portugal, segundo o relatório mais recente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Nos últimos cinco anos, a Fragomen registrou um aumento de 200% na demanda de brasileiros em busca de vistos para o país. O ano de maior demanda foi 2019. Em 2020, com as restrições da pandemia, isolamento social e fechamento de fronteiras, o número caiu. Voltou a aumentar no ano passado, quase alcançando o patamar de 2019. “Para este ano, de acordo com os números do primeiro trimestre, a expectativa é superar a demanda do ano passado”, diz a consultoria que tem escritório em Portugal.
Os brasileiros chegam no país de formas diversas, se candidatando em maior número para vagas do programa TechVisa, segundo a consultoria. O programa certificou mais de 350 empresas de tecnologia para contratarem, de uma forma menos burocrática e mais rápida, profissionais qualificados no país. Accenture, Nestlé, Cisco, Deloitte e OLX obtiveram a certificação no fim de 2021 ou 2022.
Outro caminho é por meio do visto D2, focado em autônomos ou empreendedores, e do D7, que passou recentemente por uma flexibilização. “É um visto que exige a comprovação de renda passiva e antigamente era muito buscado por aposentado e investidor. Mais recentemente começaram a aceitar profissionais remotos e nômades digitais que comprovem uma renda de trabalho fora.”
É por meio do D7 que Matheus de Souza vai se candidatar para fixar sua base em Lisboa este ano. “Vou continuar trabalhando para empresas brasileiras de modo remoto, ganhando em real, mas como agora quero ter um lugar para chamar de casa, este visto não exige uma comprovação de renda tão alta quanto o de nômades digitais de outros países”. Os interessados no D7 precisam comprovar € 705 mensais por um período de um ano e, uma vez obtido o visto, é possível entrar com o trâmite de residência com validade inicial de dois anos. O tempo estimado de aprovação do D7 é de dois meses.
Morando em Portugal desde 2019 com a família para implementar o escritório da Loggi, o executivo Eduardo Thuler convive hoje com uma comunidade “forte e conectada” de profissionais de tecnologia, brasileiros e de vários países. Ele assumiu a atual posição como VP de produtos após trabalhar como CEO da Catho e viver um período sabático de 10 meses, quando morou em 10 países. Escolheu se fixar em Lisboa em uma decisão familiar, pelo “estilo de vida” que a cidade proporciona. Diz que durante a pandemia, os 80 profissionais do hub trabalharam remotamente de várias partes do país.
A flexibilidade do local de trabalho será mantida mesmo com a reabertura do escritório, que aconteceu há duas semanas. Mas a estratégia de atração de talentos, diz Thuler, envolve mais fatores. Um deles é a possibilidade de desenvolvimento de carreira, algo que empresas que contrataram profissionais de tecnologia por hora geralmente não oferecem, afirma. Outro fator é a configuração de atuação. “Colocamos o escritório de Portugal como ‘dono’ de alguns assuntos da empresa, como a questão da precificação e desenho de carga da entrega dos caminhões. Caso só passássemos tarefas pequenas para os profissionais, com eles reportando para a liderança no Brasil, não conseguiríamos atrair.”
A atração também começou com profissionais mais seniores e de quatro funções: gerente de produto, engenheiro de software, design e engenheiro de dados. “Eles trabalham em squads, respondem a um líder de área local, mas também criamos a conexão com os times comerciais e de vendas do Brasil”. Este ano, a empresa abriu o nível inicial de carreira para gerente de produto, formando esses profissionais.
O QuintoAndar também quer atrair mais cientistas de dados, engenheiros, gerentes de produto e profissionais de design ao estabelecer seu hub na Europa. “Nossa presença em Portugal vai facilitar a atração de talentos dessas áreas que hoje moram, por exemplo, na Alemanha, França e Eslovênia”, diz Larissa Armani, gerente de RH do QuintoAndar em Portugal. A empresa espera se beneficiar e ser parte do ecossistema de tecnologia do país, “importando conhecimento”, para aprimorar sua plataforma e produtos de aluguel, compra e venda de imóveis. “Também queremos oferecer a experiência internacional aos funcionários do Brasil”, diz Armani.
A recente reestruturação da operação brasileira do QuintoAndar, que levou à demissão de 4% das equipes, não impacta a execução dos planos em Portugal, afirmou a empresa em nota. A companhia havia anunciado a meta de contratar 50 funcionários no escritório português, mas ontem disse que não sabe definir como será daqui para frente o ritmo dessas contratações.
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