“Sou velho, não idiota”: idosos estão mal atendidos na internet


O colunista Andrew Hill escreve sobre como empresas inteligentes deveriam olhar para o público mais velho como uma oportunidade

Por Andrew Hill FT/Valor 07/03/2022 

Carlos San Juan, septuagenário espanhol, acaba de dar uma boa tacada. Há dois meses, ele lançou uma petição para encorajar os bancos a deixar de excluírem os clientes mais velhos ao fecharem agências e empurrarem o uso da internet para transações importantes.

A campanha no Change.org atraiu quase 650 mil assinaturas com um lema memorável: “Soy mayor, NO idiota” – Sou velho, NÃO idiota.

Há duas semanas, autoridades e associações bancárias da Espanha publicaram um plano com dez pontos, a ser respaldado por leis, para garantir que os mais velhos recebam “tratamento de alta qualidade, pessoal e humano”.

O sucesso de San Juan é um retumbante sinal de alerta para qualquer grande instituição (seja no mundo das finanças ou em outros setores) achando que um novo e barato aplicativo é a cura milagrosa para seus problemas de atendimento ao cliente ou para despesas operacionais muito onerosas.

Tendo passado parte das últimas semanas lutando, em nome de parentes idosos, contra downloads, senhas, itens de segurança on-line e os mais variados serviços na internet, eu entendo a frustração de San Juan. Clientes mais velhos sofrem em razão das falhas das empresas em criar empatia e inclusão e, acima de tudo, das falhas na estratégia com os clientes.

Quando manifestei no Twitter que um aplicativo não é a solução fácil que as empresas acreditam ser, minhas queixas ressoaram entre centenas de usuários. Muitos admitiram que precisavam se fazer passar pelos pais para completar transações básicas on-line ou para enganar centrais de teleatendimento pouco dispostas a ajudar. “Descobri que deitar de costas, com a cabeça inclinada o mais à frente possível, era a melhor forma de adicionar 40 anos à minha voz”, confessou um.

Atender pessoas com demência, obviamente, traz suas dificuldades. No entanto, o problema como um todo é mais similar ao desafio da “comorbidade”, que torna os cuidados médicos geriátricos tão complicados. 

Nem todos os idosos que tenho ajudado sofrem de deficiências cognitivas. Eles não são analfabetos digitais ou financeiros e muitas vezes usam tablets e smartphones. Mas eles têm uma combinação variada de condições que podem transformar o que programadores de aplicativos e departamentos de atendimento ao cliente consideram passos simples em labirintos inúteis.

Uma parente de 80 e poucos anos, amante da tecnologia e dona de um iPad, entende e usa aplicativos e serviços bancários on-line. Ela preferiria não ter que fazer visitas cansativas a seu banco, como recentemente, quando precisou mostrar que não podia assinar um documento em razão de uma deficiência física avançada. A mesma condição, porém, também começa a dificultar outras transações on-line e a deixa preocupada, se perguntando como fará para provar a identidade sem a necessidade de impressões de extratos bancários ou contas de concessionárias públicas.

Outro parente, um homem de 90 anos, avesso à tecnologia, prefere usar o telefone fixo e o correio e, quando necessário, visitar a agência bancária local, onde uma gerente compreensiva reconhece suas necessidades. Mas o que acontecerá se ela for promovida a outro lugar ou se o banco decidir fechar a agência? Em outra situação, para ter acesso ao serviço on-line oferecido pela seguradora de saúde desse parente, tive que escanear um código QR, encontrar o código de um celular e recuperar uma senha. Na teoria, tudo muito seguro, mas, na prática, teria sido assustador e intransponível sem minha ajuda.

Ajudar os idosos a “virar digitais” resolve apenas uma parte do problema. Como destaca Joel Lewis, gerente de políticas da instituição beneficente Age UK, as firmas financeiras propagandeiam que estarão conosco em nossa jornada de vida e, em seguida, mudam as referências conhecidas por meio de “atualizações” tecnológicas que arrebatam dos usuários mais velhos o controle que eles achavam ter alcançado.

Sam Richardson, consultora de engajamento do cliente da plataforma de comunicações na nuvem Twilio, diz que o foco dos projetistas de novos serviços on-line são os usuários convencionais. Ela já ouviu alguns, em outras empresas, menosprezando os idosos como “alienados”, “retardatários” ou casos “de exceção”.

Veja só que “exceção”: a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que, em média, as pessoas com mais de 65 anos representarão mais de 20% dos cidadãos de seus países em 2028, porcentagem que continuará subindo. Em muitos países, pessoas com mais de 65 anos já são mais de 20% da população. Isso não leva em conta outros usuários vulneráveis que podem estar enfrentando problemas similares diante de interfaces inteiramente digitais nem pessoas mais pobres, que não podem arcar com a tecnologia necessária para participar.

É aqui que as empresas vêm mostrando falta de visão estratégica. O plano que San Juan arrancou dos bancos espanhóis traz pistas sobre o que deve ser feito. Inclui a promessa de que as agências priorizarão o atendimento pessoal aos usuários mais velhos em horários determinados, disponibilizarão linhas telefônicas especiais para eles, garantirão ferramentas digitais acessíveis e melhorarão o treinamento dos funcionários.

Isso é o básico. As empresas inteligentes aproveitarão a oportunidade para ir além e ganhar a reputação de fornecer a melhor escolha, digital e analógica, para clientes mais velhos. Elas devem pensar nisso como um investimento em um mercado em crescimento. Afinal, todos seremos “idiotas” um dia.

Andrew Hill é editor de gestão do “FT”.

https://valor.globo.com/carreira/coluna/sou-velho-nao-idiota-idosos-estao-mal-atendidos-na-internet.ghtml

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Um comentário em ““Sou velho, não idiota”: idosos estão mal atendidos na internet

  1. Acho que o referido assunto é muito pertinente,pois sinto na carne o desprezo , por uma certa dificuldade em dominar toda a tecnologia que não deixa de ser importante

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