Não há iniciativa com benefícios mais estratégicos que a de formar quadros com competências digitais
Por Francisco Gaetani e Virgilio Almeida Valor Econômico 25/02/2021
Quatro visões distintas sobre o futuro pós-covid. Todas apontam para uma mesma direção, que é a aceleração da adoção das tecnologias digitais. A Assembleia Geral da ONU realizou uma reunião plenária sobre as prioridades para 2021. O secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, disse que depois da “tragédia e perigo” de 2020, os objetivos do desenvolvimento sustentável são mais importantes do que nunca para colocar o mundo no caminho certo em 2021. Em sua mensagem, Guterres delineou dez prioridades urgentes para o próximo ano. Dentre elas, está a necessidade de se aproveitar as oportunidades das tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, proteger contra seus perigos crescentes.
O relatório do World Economic Forum “The Future of Jobs 2020’’ mapeia as oportunidades e as habilidades requeridas para futuro. O objetivo é lançar luz sobre as interrupções relacionadas à pandemia em 2020, contextualizadas dentro de uma história mais longa de ciclos econômicos e as perspectivas esperadas para a adoção de tecnologia, empregos e habilidades nos próximos cinco anos. Traz um dado curioso ao revelar as maiores barreiras para a adoção de novas tecnologias.
Não há iniciativa com benefícios mais estratégicos que a de formar quadros com competências digitais
A primeira é o déficit de habilidades digitais da força de trabalho. Mas a segunda, a terceira e a quarta dizem respeito às lideranças das organizações – inabilidade de atrair e reter talentos, déficits de capacidades digitais dos dirigentes e baixa capacidade de compreender as oportunidades dadas, respectivamente. Os próprios gestores das empresas e organizações governamentais são eles mesmo uma limitação para a transformação digital. Eles fazem parte do problema, não da solução – que depende deles para ser colocada em prática, não de uma futura geração de dirigentes que levará anos para chegar ao poder.
Um estudo da McKinsey de 2020 analisa habilidades vitais para o futuro do trabalho em setores operacionalmente intensos. Na Europa e nos Estados Unidos espera-se que a demanda por habilidades físicas e manuais em tarefas repetitivas e previsíveis diminua em quase 30% na próxima década. Em contraste, espera-se que a demanda por habilidades tecnológicas aumente em mais de 50%. Nesses setores, os líderes reconhecem que a automação e a digitalização provavelmente criarão lacunas significativas de habilidades, mas a maioria desses líderes relata não estar preparada para o desafio.
Um outro estudo lançado pela Macroplan – “O que será do Brasil pós-Covid, um Ensaio Prospectivo até 2030” -, elaborado com base em pesquisa junto dirigentes e formadores de opinião do “establishment’’ nacional revelou que dos dez aceleradores de transformações listados, seis são de natureza digital. São os investimentos em big data, as transformações nos costumes decorrentes das redes sociais, a explosão da economia digital, a flexibilização do trabalho com o home office e/ou nômade, o avanço da automatização e robotização e o crescimento exponencial do e-comércio.
Apesar dessas perspectivas, o fosso digital no país se aprofundou. Com o agravante de que governos e dirigentes do país, na sua grande maioria, não estão se dando conta da intensidade das transformações em curso. A diferença de produtividade entre organizações pertencentes a estes dois mundos é abissal. Os desdobramentos desta assimetria ainda não foram claramente compreendidos, porque estão ainda eclipsados pela neblina da nova onda da pandemia. As consequências potenciais desta dualidade são graves.
A (re)qualificação em habilidades digitais pode permitir uma inclusão massiva no mercado de trabalho, dado que a escassez de profissionais neste segmento está longe de ser preenchida. O país se aproxima de taxas de desemprego superiores a 15%. É pouco provável que as vagas de emprego formais, mesmo na hipótese de uma razoável retomada do crescimento, ocorram em proporções semelhantes do passado em função do processo de reestruturação produtiva – mais intensivo em tecnologia – em curso. O contingente de desempregados conhecidos por “nem, nem, nem” (não estudam, não trabalham, nem procuram colocação), na faixa de 18 a 35 anos, não para de aumentar.
Esta situação caracteriza uma prioridade clara: o país precisa desenvolver um esforço massivo de formação de quadros dotados das competências digitais requeridas para operar o futuro. Não há uma iniciativa cujos benefícios sejam mais óbvios, imediatos e estratégicos do que esta. O retorno social deste investimento é sistêmico porque estes conteúdos e habilidades são aplicáveis em todos setores da economia do país.
Os termos reskilling e upskilling generalizaram-se porque sua demanda explodiu. O primeiro significa grosso modo a requalificação, no caso em bases digitais. O segundo trata de um processo de qualificação em um patamar superior, caso clássico de muitos tipos de ocupações que estão se liberando de tarefas automatizáveis, com subsequente enobrecimento das novas atividades que emergem.
Anos de investimentos, consistentes ao longo do tempo, concentrados na formação de profissionais em competências digitais propiciarão um salto na produtividade e competitividade da economia nacional. Serão também capazes de integrar ao mercado de trabalho milhares de jovens adultos que hoje rumam para os descaminhos da exclusão e marginalização. Há uma janela de oportunidade embutida na saída do interregnum causado pela pandemia. Isso não depende de nenhum calendário político, apenas da mobilização de protagonistas estrategicamente posicionados e interessados em somar esforços para transformar o potencial criativo do país em ativos produtores de riquezas e inovações.
Francisco Gaetani é professor da Ebape/FGV e ex-secretário executivo dos Ministérios do Meio Ambiente e Planejamento.
Virgilio Almeida é professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard, professor emérito da UFMG e ex-secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/empurrao-digital-para-o-pos-pandemia.ghtml
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