José Fucs – Estadão 19/11/2020
‘Nossos índices de produtividade estão maiores’, afirma Marcandali
O engenheiro de computação Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook, diz que a pandemia trouxe conectividade para as empresas e que as reuniões virtuais, as teleconferências e os webinars estarão cada vez mais presentes daqui para a frente. Em sua visão, o futuro do trabalho será “híbrido”’, com algumas pessoas trabalhando de forma remota e outras presencialmente e também com um grupo passando alguns dias no escritório e outros em casa.
Para Marcandali, depois do choque digital provocado pela pandemia, as empresas agora têm de “cuidar das pessoas”. É por isso, segundo ele, que está surgindo uma parceria entre as áreas de RH, para cuidar de gente, de TI, para fornecer a tecnologia, e de comunicação, para dar clareza para onde a empresa tem de ir e engajar os funcionários, já que parte do pessoal está trabalhando de forma remota e parte de forma presencial. “O papel da tecnologia vai ser facilitar a aproximação das pessoas, a criatividade e a colaboração”, afirma.
● Durante a pandemia, com o isolamento social e o home office, as reuniões virtuais, as teleconferências e os webinars se tornaram uma realidade para as empresas e os empregados. Isso deverá se aprofundar daqui para a frente?
Isso vai estar cada vez mais presente nas empresas. Na maioria dos casos, a pandemia trouxe a conectividade para as pessoas. A importância de ter toda a empresa numa plataforma de comunicação vai continuar a existir. Do ponto de vista de reuniões, a gente viu uma presença do vídeo cada vez maior. Vai haver sempre uma reunião presencial, mas com a opção do acesso remoto. Se alguém estiver em outro local vai poder participar daquela reunião também.
● Em sua visão, como será o futuro na área do trabalho?
O futuro do trabalho será híbrido, com algumas pessoas trabalhando nos escritórios e outras trabalhando remotamente. Vai ter também pessoas que utilizam ambos os modelos em diferentes dias da semana, passando alguns dias no escritório e trabalhando outros em casa. Neste modelo, o papel da tecnologia vai ser facilitar a aproximação das pessoas, a criatividade e a colaboração. Então, a gente vê um papel fundamental da tecnologia neste processo, mas também vê uma mudança no desenvolvimento das pessoas na organização. A comunicação tem um papel essencial e tem de ser mais rápida, com as ferramentas de trabalho remoto, engajando inclusive pessoas que nunca tiveram acesso a uma plataforma digital, pessoas que trabalham no chão de fábrica.
● Como deve ser essa combinação de trabalho presencial com trabalho remoto?
As empresas mais digitais, como fintechs, startups, e negócios que prestam serviços online, vão ter um índice muito mais alto de trabalho remoto ou trabalho remoto permanente. Vão poder recrutar pessoas que não necessariamente têm acesso hoje aos empregos que elas oferecem. Por outro lado, existem empresas em que os trabalhadores ficam numa planta industrial, num centro de distribuição ou atendendo clientes, no varejo. Então, haverá setores com mais trabalho remoto e outros com menos. A mesma coisa deve acontecer dentro das empresas, com as diferentes funções. Que tipos de função dentro das organizações poderão ter trabalho remoto mais permanente ou um índice de home office maior? Os trabalhos que estão no mundo administrativo, no mundo financeiro, no mundo jurídico, em TI, no desenvolvimento de sistemas. Vai ser bastante segmentado por indústria e por função. Mas acredito que vamos viver um momento em que teremos de experimentar e aprender com os erros.
● Como a digitalização do trabalho deverá afetar as empresas no pós-pandemia?
As empresas estão pensando numa forma de trazer um pouco dessa mudança tecnológica para o nível cultural. Vários clientes estão conversando sobre isso com a gente. Está surgindo uma parceria entre as áreas de RH para cuidar de gente, de TI, para fornecer a tecnologia, e de comunicação, para dar clareza para onde a empresa tem que ir e engajar os funcionários, já que parte do pessoal está trabalhando de forma remota e parte de forma presencial. Agora, a gente vê que, hoje, o líder está mais humanizado, explorando as lives e as videoconferências para a empresa toda. Houve o crescimento do board (conselho de administração) remoto, a integração digital de novos funcionários, trazendo-os para um mundo em que possam trabalhar de casa. Isso vai exigir grupos de mentoria, maior proximidade. A área de RH está bastante preocupada em criar um espaço para ouvir os funcionários. Hoje, o que acontece? Você tem novos concorrentes, novos modelos de negócios sendo implementados, novos hábitos dos consumidores. Mas, se o vendedor que está na frente do cliente não conseguir passar esse insight para a empresa, não dá para ela reagir rapidamente.
“No mundo virtual, as empresas precisam potencializar a colaboração, a empatia e a humanização”
● Tudo isso representa uma enorme mudança, que ocorreu em poucos meses, para as empresas e para os trabalhadores. Agora, como o sr. disse, será preciso ampliar o treinamento das pessoas, avaliar melhor as ferramentas disponíveis, incorporar a cultura da empresa ao processo. Como será feito isso?
No Brasil, quando a gente pensa na digitalização interna nas empresas, tem de levar em conta que 80% da mão de obra são trabalhadores que não têm uma mesa, que estão na linha de frente, em centros de distribuição, no chão de fábrica. É uma população que até agora não tinha um canal digital dentro da empresa para se comunicar. Eles não têm as mesmas ferramentas que alguém da sede, do administrativo, tem. Durante a pandemia, essas pessoas precisaram se conectar e a partir do momento que se conectaram elas trouxeram novos insights e também as suas necessidades. Essa população não era servida e passou a ser. Agora, a gente vai ter que dar suporte, motivação, direcionamento estratégico para essas pessoas. Apesar de o Brasil já ter as plataformas disponíveis, as empresas estão em níveis de maturidade distintos nessa questão.
● De qualquer forma, essas mudanças representam uma enorme redução de custos. Primeiro para os funcionários, com corte de despesa de combustível, de tempo no trânsito, de viagens de trabalho, de transporte público. Para as empresas, também, com corte de gastos de energia, telefone, segurança e até do espaço destinado aos escritórios. Que impacto isso está tendo na produtividade?
De repente, você pode até economizar com o trabalho remoto, mas a criatividade pode estar se reduzindo. Quando colocamos as pessoas para trabalhar em casa, a gente tem de dar um ambiente que propicie a elas continuar tendo criatividade, colaboração, aquela experiência de troca que tinham no escritório. Acredito que tem de haver um equilíbrio aí. Qual será depois o papel do escritório? O papel do escritório pode passar a ser aquele em que você vai ter experiências corporativas, espaços de criação, para reuniões mais colaborativas, dentro desse sistema híbrido. Como é que a gente faz para ter dentro do mundo virtual a mesma sinergia que tinha anteriormente? No mundo virtual, as empresas precisam de plataformas que potencializem a colaboração, a empatia e a humanização que nós tínhamos no escritório, para não ter uma perda do outro lado.
● Pelo que o sr. está dizendo, a digitalização do trabalho representa uma solução, mas traz também novas questões que terão de ser endereçadas para manter a roda girando. É isso?
Exatamente. Por isso, a parceria entre a TI, o RH e a comunicação, que mencionei há pouco, é super importante, porque temos de cuidar das pessoas. Temos de nos preocupar com o que vamos conceder às pessoas quando elas estiverem no trabalho remoto nesse modelo híbrido, com o que precisamos fazer para continuar a escutá-las, para realizar enquetes, para saber os desafios que elas estão tendo regionalmente, para elas poderem nos passar insights que permitam a realização de mudanças na organização.
“Há uma tendência de os millenials e os Zs resolverem tudo pelo WhatsApp ou por chamada de vídeo”
● Mesmo levando isso em conta, não dá para ignorar que os trabalhadores vão despender menos horas improdutivas em deslocamentos e coisas do gênero e se concentrar mais no business. O sr. não concorda com isso?
Sim, se você pensar na conta do homem-hora, em quanto você gastava com deslocamento, fazendo uma série de atividades que não precisa fazer mais, realmente agora nossos índices de produtividade estão maiores. Agora, o que estou dizendo é que a tecnologia vai ajudar bastante a democratizar o mundo corporativo. Os executivos vão poder interagir com os consumidores. Os eventos, que eram puramente presenciais, também vão mudar bastante, para um misto de evento presencial e virtual. Qualquer pessoa que se interesse por aquilo poderá participar. É possível amplificar muito mais um evento, um road show, para diferentes audiências. O que pandemia trouxe é que as pessoas hoje estão extremamente familiarizadas com o consumo de vídeo, ferramentas virtuais e lives. Agora, para o mundo corporativo se conectar com essas audiências é muito mais simples. Com tudo isso, a gente consegue fazer com que as empresas continuem ampliando o uso desse formato para aumentar a produtividade.
● Agora, imagino que o networking continuará a depender do contato presencial. O que o sr. pensa sobre essa questão?
Hoje, no ambiente de trabalho existem cinco gerações distintas, os baby boomers, a geração X, os millennials, os Zs. Os hábitos de consumo e as experiências delas são bem distintos. Tem pessoas extremamente orientadas ao tête-à-tête, a querer estar presente, querer tomar um café para fazer networking. Agora, a gente observa uma tendência de os millenials e os Zs quererem resolver tudo online, pelo WhatsApp ou por uma chamada de áudio e vídeo. Isso ainda vai depender muito das particularidades dessas multigerações. Então, os eventos, webinars, ainda deverão ter formato presencial e vão ter transmissão por streaming e on demand.
● O sr. acha possível fazer networking digital, sem aquela conversa olho no olho num café da manhã, num almoço de negócios ou num seminário presencial?
Isso faz muito parte da nossa geração, porque nós tivemos essa experiência no decorrer da carreira. Nós conhecemos pessoas incríveis e tivemos acesso a uma rede muito ampla fazendo isso. Nós vamos continuar a demandar por isso. Agora, se você pensar nos nossos filhos, nas novas gerações, eles não têm nem e-mail. Têm uma conta no WhatsApp, no Facebook, no Instagram. São os nativos digitais. Eles vão procurar fazer seu networking de forma 100% digital. Vão ter os grupos, os fóruns, as suas comunidades digitais, nas quais vão criar esses relacionamentos, esses vínculos. Eles vão suprir essa nossa necessidade de forma diferente, porque a experiência deles foi digital desde que nasceram. Vão chegar no mesmo objetivo, só que com outra plataforma e com outra ferramenta.
● Para concluir, gostaria que o sr. um breve balanço de como essas mudanças ocorridas na pandemia vão moldar o nosso futuro na área do trabalho.
Nós sofremos um processo de digitalização intensa. A gente acredita que esse futuro será uma combinação de uma nova cultura, mais humanizada, com muitas novas tecnologias digitais. Do ponto de vista de tecnologia, a gente verá uma imersão cada vez maior no vídeo e o uso cada vez maior da inteligência artificial, porque está todo mundo conectado, e depois uma onda de realidade virtual que vai transformar a forma como a gente trabalha, deixando-a um pouco mais aberta, flexível. Do ponto de vista do ser humano, a gente vai ter uma demanda para que os profissionais tenham mais criatividade, mais empatia, e mais habilidades interpessoais, porque de nada adianta a gente ter essas ferramentas incríveis se a gente não souber lidar com o ser humano. Então, nós vamos passar por um processo intenso de digitalização, mas a gente vai ter de começar a trabalhar essa parte cultural e esses valores.
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