Por que as empresas “brincam de inovar” em vez de inovar de verdade?


Steve Blank HBR 26 de junho de 2020

O tipo de ruptura que a maioria das empresas e agências governamentais enfrenta no momento é bastante raro. Hoje, a ruptura significa mais do que simples alterações em tecnologia, canal ou concorrentes — a ruptura é tudo isso, simultaneamente. Esses elementos estão reconfigurando o comércio e as estratégias de defesa.

Atualmente, como as grandes organizações enfrentam inovações de forma constante, elas acabaram reconhecendo que suas estratégias e estruturas organizacionais não são ágeis o suficiente para permitir o acesso e a mobilização de talentos e tecnologias inovadoras para que possam enfrentar os desafios. Essas organizações sabem que precisam mudar, mas praticam uma forma de “tapa-buraco” organizacional — uma tentativa inútil de solucionar os problemas conforme vão surgindo, sem entender sua causa principal.

Definitivamente, as empresas e agências governamentais precisam parar esse comportamento ou não terão sucesso.

É possível criar uma mentalidade, cultura e processo para corrigir isso — que eu chamo de Doutrina da Inovação. Mas, primeiro, é preciso recuar e identificar um dos problemas.

Trabalhei por uns dias numa grande empresa com uma grande história. Como a maioria das outras, ela está enfrentando ameaças externas inéditas, que mudam constantemente. No entanto, seu maior e mais difícil obstáculo é interno. O que antes era seu ponto forte — ótimos processos de gestão — agora atrapalha sua capacidade de lidar com novos desafios.

Processos são a base de qualquer empresa

Havia um tempo em que toda grande organização era uma startup desorganizada, disposta a correr riscos — novas ideias, novos métodos, novos clientes, metas e missão. No caso de uma empresa comercial, descobria a compatibilidade entre o produto e o mercado; no caso de uma organização governamental, concentrava-se na compatibilidade entre a solução e a missão. Com o tempo, à medida que essas organizações cresceram, elas elaboraram processos. De acordo com a minha definição, processo são todas as ferramentas que permitem às empresas aumentar a execução de forma reproduzível. Processos de RH, processos jurídicos, processos financeiros, processos de aquisição e contratação, processos de segurança, processos de desenvolvimento e gestão de produtos, formas organizacionais, etc. Todos eles representam ótimas estratégias e ferramentas criadas por escolas de negócios, cuja implementação é auxiliada por empresas de consultoria.

Processos funcionam muito bem quando se vive em um mundo onde o problema e a solução são conhecidos, pois ajudam a garantir a existência de soluções que podem ser ampliadas sem prejuízo a outras partes da empresa.

Os processos reduzem o risco da organização como um todo, mas cada etapa do processo reduz a capacidade de ser ágil e enxuto e, o mais importante, de responder a novas oportunidades e ameaças.

Processo versus produto

À medida que empresas e agências crescem, começam a valorizar a importância do “processo” em relação ao “produto”. Por produto, refiro-me à criação de novos hardwares, serviços, softwares, ferramentas, operações, inteligência etc. As pessoas que gerenciam processos não são as mesmas que criam produtos. Os indivíduos voltados à criação de produtos em geral são desorganizados, odeiam burocracia e preferem gastar seu tempo criando coisas em vez de documentá-las. Com o tempo, conforme as organizações se desenvolvem, elas se tornam avessas ao risco. O pessoal de processos domina a gestão e o pessoal de produto acaba se reportando a eles.

Se a empresa for grande o suficiente, ela se torna uma “rent-seeker” (ou seja, visa apenas garantir seus interesses econômicos, manipulando o ambiente a seu favor), e recorre ao governo e aos reguladores como sua primeira linha de defesa contra a concorrência inovadora. Empresas com esse objetivo utilizam regulamentações criadas pelo governo e ações judiciais para impedir a entrada de novos participantes que possuam modelos de negócios mais inovadores.

O resultado do comportamento monopolista é que a inovação naquele setor morre — e a tecnologia e o comportamento do consumidor passam despercebidos. Nesse meio tempo, a empresa já perdeu a capacidade de competir como inovadora.

Nas agências governamentais, a dicotomia processo versus produto vai além. Muitas agências terceirizam o desenvolvimento de produtos para empresas privadas, deixando para o governo a maioria do pessoal responsável pelos processos — pessoas que elaboram as exigências e supervisionam aquisições, gestão de programas e contratos.

No entanto, quando o governo se depara com novos adversários, novas ameaças ou novos problemas, tanto o pessoal de processos que trabalha internamente quanto os terceirizados relutam em aposentar seus próprios sistemas e desenvolver soluções radicalmente novas. Para os terceirizados, coisas novas significam o risco de perder uma boa receita. Para o pessoal de processos, como o status quo é um lugar conhecido e confortável, se o contrato e a empresa contratada forem suficientemente grandes, eles interferem utilizando um processo político e lobby para manter o status quo.

O resultado é que os sistemas legados passam a ser uma pedra no sapato e um impedimento para tornar o país mais seguro em vários aspectos.

Teatro organizacional e de inovação

Um ambiente competitivo deve impulsionar uma empresa/agência governamental a novas formas organizacionais que possam responder rapidamente a essas novas ameaças. Em vez disso, a maioria das organizações procura elaborar ainda mais processos. Isso geralmente ocorre de três maneiras:

  1. Em geral, a primeira medida que a liderança toma em relação à inovação é contratar consultores de gestão que seguem manuais do século passado. Os consultores reorganizam a empresa (surpresa!), normalmente de uma organização funcional para uma organização matricial. O resultado é um teatro organizacional. A reorganização mantém todos ocupados por um ano, e talvez ofereça um novo foco em novas áreas ou metas; porém, no fim, é uma resposta inadequada à necessidade de inovação rápida em termos de produto.
  2. Ao mesmo tempo, empresas e agências governamentais normalmente realizam atividades de inovação (maratonas de programação, aulas sobre design thinking, oficinas de inovação etc.) que resultam em um teatro de inovação. Essas atividades definem e criam uma cultura, mas não vencem guerras e raramente dão origem a produtos viáveis para entrega ou implementação.
  3. Por fim, empresas e agências governamentais perceberam que os processos e métricas que implementaram para otimizar a execução (compras, pessoal, segurança, jurídico etc.) são obstáculos à inovação. Os esforços para reformar e reestruturar esses processos são bem-intencionados, mas sem uma estratégia geral de inovação, é como construir castelos de areia. O resultado é um teatro de processos.

Para a maioria das grandes empresas, essas reorganizações, atividades e reformas não aumentam a receita, o lucro ou a participação de mercado, nem mantêm nossas agências governamentais à frente dos concorrentes. É possível descrever essas ações como becos sem saída da inovação.

Entre a cruz e a espada

Hoje, as empresas e agências governamentais não conseguem acessar e mobilizar os talentos e as tecnologias inovadores necessários para enfrentar esses desafios. Os próprios processos que as tornaram bem-sucedidas agora são os obstáculos.

Reformulação organizacional, atividades de inovação e reestruturação de processos precisam fazer parte de um plano geral.

Em suma, as grandes organizações carecem de crenças, princípios, táticas, técnicas, procedimentos, organização, orçamento etc. que sejam compartilhados e que expliquem como e onde a inovação deve ser aplicada e sua relação com a entrega rápida de novos produtos.

É possível criar uma mentalidade, uma cultura e um processo para corrigir isso.


Steve Blank é professor adjunto da Stanford University, acadêmico da Columbia University e professor da University of California, em Berkeley. Blank não só ajudou a fundar, como também integrou a equipe inicial de oito startups de tecnologia; participou da criação do National Science Foundation Innovation Corps e dos programas Hacking for Defense e Hacking for Diplomacy. 

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