Sensação de ganhar tempo ouvindo mensagens ou aulas aceleradas pode ser fantasiosa, além de criar problemas na comunicação
Melina Cardoso – Folha – 6.abr.2023
Que atire o primeiro celular quem nunca deu aquela aceleradinha num áudio de Whatsapp para chegar logo no ponto da mensagem ou ganhar tempo para resolver outros pepinos do dia.
O analista de TI Daniel Costa, 43, é uma dessas pessoas. Ele sempre se considerou um cara tranquilo, mas a possibilidade de acelerar as mensagens ou assistir às aulas da faculdade e da pós —os quais cursa concomitantemente— fez com que percebesse uma agitação fora do normal.
O estudante Gustavo Margato, 18, é adepto da velocidade dois para áudios e vídeos – Folhapress
“Não consigo mais acompanhar vídeos em velocidade normal. Fico ansioso para chegar logo no ponto que preciso ouvir. Inclusive, se eu pudesse, aceleraria também algumas pessoas”, diz, referindo-se às “reuniões intermináveis com algumas pessoas mais lentas”.
Daniel reconhece, porém, que tanta pressa já o atrapalhou. “Precisei voltar alguns vídeos para ouvir novamente na velocidade normal. Acabei perdendo tempo”, ri.
“Eu acelero tudo que é possível. E com isso, acabo ficando cada vez mais acelerada. Inclusive, percebo que ao mandar áudio, eu já falo na velocidade dois”, conta a social media Ariel Komatsu Miranda, 36.
“Também não tenho paciência para ouvir os áudios e sempre avanço para ver se tem mais coisa. Já perdi muitas informações importantes porque pulei a mensagem”, confessa.
Ariel diz que essa pressa “além da conta” veio com a pandemia. “Acelerei demais e agora não consigo voltar”, diz a mãe de Rafaela, 10, Monique, 9, e Caio, 8.
Para a psicóloga Karina Theodoro, essa “pressa normalizada” em nossa sociedade pode ser um perigo. “Quando aceleramos uma mensagem, a fala pode mudar para um tom de raiva. Como isso entra na nossa cabeça? Quantas relações são quebradas por má interpretação?”, questiona.
“Do ponto de vista da psiquiatria, a aceleração é normal. A preocupação entra quando a pessoa sai desse contexto de correria —ao encerrar o dia de trabalho ou de estudos, ou quando sai de férias—, mas continua agitada”, explica Mário Rodrigues Louzã, coordenador do Programa Déficit de Atenção e Hiperatividade do Instituto de Psiquiatria do HC.
O estudante Gustavo Margato, 18, também é adepto da “velocidade 2x” para tudo. “Quando vejo aulas aceleradas, me forço a prestar mais atenção”, pontua.
A sensação de ganhar tempo ouvindo mensagens ou aulas na velocidade dois pode ser fantasiosa, diz Louzã. “A mente humana tem capacidade de processamento linear e suporta até uma velocidade. Quando as frases estão muito aceleradas não dá tempo para o cérebro concatenar o que está sendo dito. A pessoa aprende de forma misturada, confusa ou superficial”, pontua.
“A evolução humana não se dá na mesma velocidade da tecnologia. Temos que aceitar que temos limite”, finaliza o especialista.
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