Profissão ‘memeiro’: com milhões de seguidores, criadores de posts de humor são disputados por empresas


Donos de perfis populares na internet participam de painel no Rio2C, evento da indústria criativa que começa hoje

Por Ronald Villardo O GLOBO – 11/04/2023 

A cada vez que alguém dá uma “curtida” ou compartilha uma piada inocente numa rede social, mais um passo é dado na consolidação de uma das estratégias de marketing mais poderosas da contemporaneidade: a criação de memes. Por trás dela, quase invisíveis, estão seus produtores, os “memeiros” ou “mememakers”. São jovens de classes sociais diversas e com formações acadêmicas que passam longe das escolas de comunicação. E grandes companhias pagam muito dinheiro para terem suas marcas incluídas nas peças de humor publicadas em perfis com milhões de seguidores, como @soueunavida, @perrenge-chique e @saquinhodelixo, entre tantos outros.

Contando até com uma premiação própria, o Meme Awards (memeawards. com.br), o fenômeno dos memes não poderia estar de fora dos painéis do evento Rio2C, que acontece entre hoje e domingo na Cidade das Artes, Zona Oeste carioca, reunindo mais de 1.200 profissionais de várias áreas da indústria criativa. Em 11 palcos, o festival contará com debates, oficinas e palestras de profissionais, que vão do audiovisual aos games, da música à publicidade, território onde os memeiros têm passeado com pompa e circunstância.

Quando cunhou o termo “meme” para o livro “O gene egoísta” (1976), o biólogo e escritor ateu Richard Dawkins certamente não imaginava que havia criado um tipo alternativo de divindade. A palavra que nasceu para definir “uma unidade de informação cultural que se propaga de indivíduo para indivíduo dentro de uma sociedade” virou o Santo Graal do marketing. E a viralização é uma espécie de graça a ser alcançada por toda e qualquer marca disposta a pagar o que for necessário por isso.

— Os memes viraram uma espécie de entretenimento capaz de disputar atenção com as plataformas de streaming — diz Flávio Santos, CEO da agência de publicidade MFields, que mediará o painel “A contracultura dos memes” hoje no Rio2C. — A linguagem memética traz um descompromisso compromissado.

Por descompromisso, entenda a informalidade das postagens de humor que transforma situações cotidianas em autoironia. Por compromisso, entenda que não vale tudo por uma viralização.

— Há limites para este humor. Há assuntos que tratamos com mais cuidado, ou mesmo ignoramos — diz o memeiro Fabio Santana, criador do @soueunavida, que contabiliza 18 milhões de seguidores e subindo dia após dia.

Tal código de ética informal parece ser um dos denominadores comuns entre os mememakers. Procurado por marcas como Coca-Cola e McDonald’s, entre outras grandes, para viralizar conteúdos bem-humorados para as marcas, o criador Alan Pereira, do perfil @saquinhodelixo, lista alguns dos produtos que não têm vez na sua página.

— Recusamos clientes de sites de apostas on-line e de entregas de comida, por exemplo. Entendemos que há problemas com questões trabalhistas nesses serviços — explica o memeiro, que também participará do painel de hoje na Cidade das Artes e afirma cobrar R$ 30 mil por um post simples no Instagram. — No TikTok, ainda não temos um valor definido, pois estamos estudando a plataforma.

Quem pode recusar clientes também pode se manifestar politicamente. É o que entende o memeiro Matheus Diniz, do perfil @greengodictionary, que nasceu no Twitter mas atualmente injeta energia na movimentação da página no Instagram, onde ostenta mais de 1,5 milhão de seguidores.

A decisão de se associar à agência Play 9, por exemplo, só aconteceu porque o influenciador Felipe Neto, o sócio mais pop da empresa, é defensor de ideias progressistas.

— Meu perfil é oficialmente contra a extrema direita. Só aceitei o convite deles (da Play 9) porque tenho a garantia de que não serei censurado nos meus posicionamentos — afirma Diniz, de 26 anos, que largou a segurança de um emprego público na Prefeitura de Goiânia, em 2020, para se dedicar exclusivamente ao perfil, que publica traduções literais para o inglês de expressões tipicamente brasileiras.

Meme Awards

Os perfis de memes competem diretamente com aqueles dos influenciadores, famosos por cobrar altas somas para associarem suas imagens a produtos que visam a um público cada vez mais amplo. A diferença entre eles é que os memes transformam tudo em humor diretamente ligado à vida cotidiana de quem os acompanha. É a tal da identificação que gera no seguidor o desejo de compartilhar imediatamente o que acabou de lhe provocar uma risada.

Ainda que muitos dos memeiros mais populares do país sejam egressos de áreas que não têm muito com a ver com o universo da comunicação como a conhecemos, alguns deles já pisam no meio acadêmico com passos firmes. Este é o caso de Gabriel Félix, do perfil @southamericanmemes e criador do prêmio Meme Awards (memeawards.com.br), lançado há dois anos em parceria com a agência carioca de publicidade Flocks.

— Terminei o ensino médio, mas não fiz e não tenho vontade de fazer faculdade — conta Gabriel, que já deu palestras na ESPM do Rio e na UFF.

Aos 23 anos, Gabriel mudou-se de Caraguatatuba, no interior de São Paulo, para o Rio aos 17, quando foi contratado pela Flocks para o curioso cargo de “consultor de memes”, devidamente registrado no Linked In do rapaz.

O convite veio de Marcelo Madureira, um dos sócios da agência, depois de entrevistar Félix para o seu canal do Youtube por conta do sucesso do @southamericanmemes.

Por conta dos Meme Awards, Gabriel tornou-se uma espécie de referência entre os memeiros brasileiros. Tanto que ele prepara o lançamento da sua própria agência de conteúdo para web, a Handover Creative, com lançamento oficial marcado para o próximo mês.

— No hub da Handover, contaremos com mais de cem mememakers de todo o país — conta Gabriel, que planeja financiar cursos para preparação de jovens pretos de comunidades para assumirem cargos de liderança na indústria criativa. — Há muita criatividade nas comunidades, mas as pessoas não conseguem desenvolver (esse talento) porque têm que trabalhar de motoboy para sobreviver.

O professor Viktor Chagas, do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e coordenador do projeto on-line Museu de Memes (museudememes. com.br) destrincha algumas das características essencialmente brasileiras do fenômeno.

— Nossas piadas não são como as dos americanos, do tipo ‘perco o amigo mas não perco a piada’. Por aqui, temos uma característica mais autodepreciativa — diz o pesquisador. — É um tipo de humor nos ajuda a rir de nós mesmos, especialmente no contexto da grande desigualdade social em que vivemos.

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