Uso destes dispositivos demanda maior cautela do Estado e da família, uma vez que envolvem um público hipervulnerável
Renato Opice Blum *com Renata Carolina Troca Cabella – Febrabantech 14/02/2023
A internet of toys, na tradução literal da palavra significa “internet dos brinquedos” ou “brinquedos conectados”, trata-se de brinquedos infantis que necessitam estar conectados à internet ou bluetooth. São brinquedos “inteligentes” capazes de interagir com a criança ou o adolescente, não apenas por meio de frases repetidas ou músicas gravadas, como os brinquedos tradicionais.
A grande maioria desses brinquedos se conectam sem fio a banco de dados online e são capazes de reconhecer vozes, imagens e identificar comandos, perguntas e solicitações. Utilizam tecnologias de sensores, câmeras, inteligência artificial e conectividade para responder de forma individualizada e personalizada ao que é falado pela criança e, concomitantemente, colher dados pessoais dos pequenos usuários.
Em outras palavras, referidos brinquedos, quando estão online ou quando o Wi-Fi ou bluetooth estão acionados, podem, o tempo todo, ouvir e processar dados pessoais ou imagens, tais como os smartphones ou as smartTVs.
Em 2015, a Mattel em parceria com a empresa US Toy Talk lançou a boneca Hello Barbie, anunciada como a primeira boneca interativa, capaz de ouvir a criança e responder a ela. A Hello Barbie se conectava com a internet e, de acordo com os fabricantes, as conversas gravadas poderiam ser ouvidas posteriormente pelos pais. Todavia, para interpretar e responder as perguntas o conteúdo era enviado para a Toy Talk para processamento das informações.
No entanto, foi verificado que, quando conectada, a boneca ficava vulnerável a ataques, permitindo acesso fácil às informações, arquivos de áudio armazenados e acesso direto ao microfone, além de acesso a outros dispositivos conectados à internet e informações pessoais sem qualquer consentimento dos envolvidos.
Semelhante à Hello Barbie, tivemos a boneca Cayla, fabricada pela empresa Genesis Toys, que em 2017 foi banida pela Agência de Telecomunicações da Alemanha que, sob o alerta de possíveis falhas de privacidade, ordenou que os pais destruíssem ou desabilitassem a boneca. O brinquedo poderia ser utilizado para espionar ilegalmente as crianças, podendo eventuais atacantes se conectar ao brinquedo e falar com a criança ou o adolescente sem intermediação ou vigilância dos pais.
Assim, considerando a recente comercialização desses smart toys é nítido que os impactos do uso no desenvolvimento infantil ainda não foram devidamente avaliados. O assunto merece reflexão não só familiar e social, como também jurídica, uma vez que esses brinquedos alçam preocupações sobre as potenciais ameaças à segurança da informação.
Em meio a essa revolução tecnológica a qual crianças e adolescentes estão inseridos, as finalidades podem ser educativas ou recreativas, mas também podem violar direitos fundamentais.
Dessa forma, é necessário garantir especial proteção aos pequenos consumidores reconhecendo que as crianças estão em posição de maior fragilidade em relação à vulnerabilidade reconhecida ao consumidor padrão, pois possuem discernimento mais reduzido.
Afetada a essas situações a LGPD veio justamente para regulamentar o tratamento de dados pessoais, em particular nos meios digitais, devendo os dados que podem ser coletados em três: os dados pessoais, os dados pessoais sensíveis e os dados anonimizados. Os dados pessoais são informações relacionadas à pessoa natural identificada ou identificável. Os dados pessoais sensíveis são aqueles que dizem respeito a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou organização de caráter religioso, filosófico ou político, dados referentes à saúde ou à vida sexual, dados genéticos ou biométricos quando vinculados a uma pessoa natural. E os dados anonimizados são aqueles relativos a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento.
No entanto, especificamente sobre o tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes, o art. 14 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018) dispõe, apenas, que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse e que o tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.
Levando-se em consideração a quantidade de dados que podem ser expostos não se pode concentrar essa possível invasão à privacidade somente ao consentimento dos pais ou responsáveis.
De acordo com pesquisas apresentadas no site https://twisted-toys.com/br/: 72 milhões de pontos de dados serão coletados de uma criança antes de completar 13 anos; 61% das crianças de 8 a 12 anos foram contatadas por alguém que não conhecem enquanto jogavam; serviços digitais populares, como Facebook, têm sido usados em casos conhecidos de preparação de crianças para fins sexuais e tráfico de drogas; 29% das crianças entregam seus dados pessoais a pessoas que conheceram online, incluindo seu número de telefone celular e endereço residencial; 15 dos principais sites usados por crianças tinham termos e condições demasiadamente complicados; uma pessoa comum precisaria reservar quase 250 horas para ler corretamente todos os termos e condições que aceita ao utilizar serviços digitais; 73% dos jovens não leem os termos e condições de qualquer plataforma que utilizam; entre outras situações alarmantes.
Conforme visto, a utilização desses smart toys demanda maiores cautelas por parte do Estado e da família, uma vez que os reais interesses e usos advindos com os dados capturados por esses brinquedos envolvem um público hipervulnerável, diferente dos demais destinatários, com o agravante de que excluir as crianças e os adolescentes do uso das tecnologias não é mais possível considerando que as gerações atuais são nativas digitais. Vale dizer que sem poder separá-los é dever da família e do Estado respeitarem os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, bem como as regras de proteção de dados, implementando medidas que possam acompanhar pari passu a evolução tecnológica cada vez mais rápida e prodigiosa, mas também temerária.
*Renata Carolina Troca Cabella é formada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, com pós-graduação em Processo Civil pela Pontifícia Universidade de São Paulo, além do Contencioso em Escala. Tem competência em Direito do Consumidor, Litígios Civis e Redação Jurídica
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