Mercadorias feitas de materiais reutilizados são mais atraentes quando os clientes podem contar algo sobre elas
Bernadette Kamleitner e Carina Thürridl – MIT Sloan Management Review Brasil nº 13 – 01/01/2023
A transformação de “lixo em ouro” por meio de reutilização e reciclagem é uma fonte sustentável de materiais. Mas a comercialização dos produtos resultantes pode ser um desafio.
Como podemos convencer os consumidores a escolher produtos que apresentam sinais de desgaste em comparação com produtos novos? Enquanto algumas pessoas procuram produtos sustentáveis e estão dispostas a pagar mais por eles, nosso estudo deixou claro que a maioria dos consumidores não tem tal disposição. Algumas pesquisas mostram que destacar os aspectos sustentáveis de um produto pode até reduzir a demanda.
Investigamos formas de tornar os produtos reciclados desejáveis para um mercado mais amplo. Nossa principal percepção foi que pode ser benéfico explorar a afinidade humana com a narrativa.
Consumidores transformando-se em contadores de histórias
Histórias são uma ótima maneira de incutir informações com significado, e as pessoas as buscam onde quer que possam encontrá-las. Marqueteiros estão cientes disso há tempos. Mas a prática predominante é criar histórias que colocam a marca no centro do palco para evocar sensações ligadas a ela.
Se quisermos que as pessoas entendam que um produto reciclado é especial, o produto em si deve ser o ator principal. Porém contar uma longa história sobre todas as etapas pelas quais um item reusado passou pode valer para produtos raros e de alto valor, mas é impraticável e inviável em escala. Decidimos então capitalizar uma característica pouco reconhecida da mente humana em relação a narrativas: temos a capacidade de inferir e autocompletar histórias, mesmo que só possamos utilizar fragmentos individuais de informação. Basta pensar na pouca quantidade de informações necessárias para que as pessoas façam especulações sobre fofocas suculentas ou formem opinião sobre algo ou alguém.
Essa capacidade humana dá origem a um mecanismo muito prático: a narrativa mínima, que se baseia na natureza cronológica das histórias. A premissa-chave é que as pessoas são capazes de deduzir uma história desde que saibam pelo menos dois episódios sequenciais dela: um antes e um depois. Esse mecanismo de narração é pouco conhecido e raramente é usado quando as empresas decidem suas estratégias para contar histórias. No entanto, descobrimos que ele é muito apropriado no contexto de produtos reorientados que têm uma história de vida.
Testando a narrativa mínima
De acordo com o princípio da narrativa mínima, quando elaboramos nosso experimento criamos pistas muito simples para as histórias de transformação dos nossos produtos reciclados: elas simplesmente mostraram ou mencionaram o que um produto costumava ser e no que ele se transformou. Mencionamos apenas essas duas informações sobre os produtos e deixamos aos consumidores a tarefa de encaixá-las em uma única história.
Fizemos vários estudos para testar se essa técnica de narrativa mínima seria capaz de elevar o apelo dos produtos reciclados. Por exemplo, testamos duas mensagens promocionais diferentes em uma loja pop-up real. Em uma mensagem, enfatizamos o benefício (“Eu sou uma carteira da moda”, por exemplo) que as pessoas supostamente queriam do produto. Na outra mensagem, usamos a história de vida do produto e destacamos sua identidade passada (“Eu era um pneu de bicicleta”, por exemplo). O uso da história de vida mudou tudo. Quando as pessoas viram a informação sobre a identidade passada do produto, o número de compras triplicou e as receitas quadruplicaram. Encontramos efeitos similares ao realizar campanhas de mídia social no mundo real, nas quais testamos duas abordagens: simplesmente mostrar o produto redirecionado e declarar o que é agora ou contar o que o produto tinha sido.
Para a mente racional, isso pode soar bizarro. Afinal, o anúncio descrevendo a vida passada do produto não tinha nada a ver com o propósito do produto que os clientes procuravam. Além disso, estávamos lembrando aos clientes que eles iriam comprar algo feito de lixo. Na verdade, o efeito positivo de destacar informações sobre o passado tende a ser ainda mais forte para produtos que não exibem seu passado como lixo, tais como bolsas feitas de tecido de paraquedas ou produtos reciclados que literalmente trituraram todos os traços visíveis de seu passado.
Vários estudos de acompanhamento, incluindo uma análise de protocolos de pensamento, reproduziram o sucesso da narrativa mínima e confirmaram por que mencionar o passado foi um sucesso: as pessoas o usaram como deixa para a história do produto e isso as tornou proprietárias de algo único, o que por sua vez fez com que se sentissem especiais. A história de um participante do estudo foi: “Isto aqui é um airbag reciclado, é algo que salvou a vida de alguém. Legal, não é mesmo?”. Além disso, essas narrativas costumam ser personalizadas e memoráveis. Os consumidores usam suas próprias experiências para completar as partes que faltam e criar uma história que seja do seu agrado. A história provavelmente convence porque as próprias pessoas a contam. Embora tenhamos analisado o efeito apenas no momento da compra, esse aspecto particular do mecanismo sugere até que ele pode ter benefícios no longo prazo. Se os clientes forem capazes de lembrar por que o produto reciclado é especial, podem ter mais facilidade para contar a história dele a outras pessoas e podem ser mais indulgentes em relação a possíveis imperfeições. O que de outra forma poderia ser um defeito ou uma desvantagem – vestígios de lixo – se transforma em uma vantagem real .
No entanto, há limites para o poder dessa técnica quando o passado do produto evoca repugnância. Testamos isso com capas de laptop feitas de tecido de mosquiteiros visivelmente velhos e sujos. Quando comparamos os efeitos de abraçar um passado desfavorável a um silêncio total sobre as capas, descobrimos que destacar a história não prejudicou a demanda, mas o empurrão que normalmente observamos também não aconteceu.
TUDO QUE UMA NARRATIVA mínima precisa para funcionar é de algo que ative as mentes dos clientes, que são propensas a histórias. Em nosso caso, bastou mencionar a identidade passada do produto. Talvez a estratégia funcione melhor quando as histórias usam informações concretas e fáceis de visualizar sobre o passado do produto, e se você der uma voz a ele. Lembre também que as histórias são sequenciais: apresente o passado do produto antes de destacar seu presente. A narrativa mínima nos lembra de que as pessoas não querem apenas consumir histórias passivamente. O caso dos produtos reorientados destaca o potencial de despertar a capacidade inata do consumidor de contar histórias para si mesmo. Embora essa seja uma boa notícia para empresas que vendem itens reciclados, pensamos que essa técnica pode ser aplicada mais amplamente. A narrativa mínima poupa tempo e dinheiro aos marqueteiros e pode ser usada em uma ampla gama de mídias nas quais o conteúdo das histórias é limitado.
Nossa pesquisa mostra que é possível usar o poder de contar histórias para transformar uma desvantagem em uma vantagem com um ajuste de marketing de baixo custo.
Leia também: A colaboração é uma habilidade-chave. Então, por que não está sendo ensinada?
Artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil nº 13
Autoria
Bernadette Kamleitner e Carina Thürridl
Bernadette Kamleitner é professora de marketing na Vienna University of Economics and Business, na Áustria. Carina Thürridl é professora assistente de marketing na Amsterdam Business School, ligada à University of Amsterdam, nos Países Baixos.
https://mitsloanreview.com.br/post/cada-produto-reaproveitado-tem-uma-historia
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Cada história tem seu lado bastante positivo. Vale muito para conscietizar inclusive para uso cada vez maior de reciclados.
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