Novas regras destravam exportações de lítio


Com a descarbonização, inserção do Brasil na cadeia de produção de baterias é chance que não pode ser desperdiçada

Por Thiago Maia e Izabella Reis – Valor – 28/10/2022

O governo publicou em julho deste ano o Decreto 11.120, que retirou certas travas e restrições anteriormente existentes com relação à exportação de minério de lítio, bem como produtos químicos fabricados à base de lítio, dispondo de forma expressa que somente subsistiriam restrições à exportação desses produtos impostas por lei ou pelos atos editados pela Câmara de Comércio Exterior (Camex).

A medida tem como objetivo dinamizar o mercado brasileiro de lítio para posicionar o Brasil de forma competitiva na cadeia global e atrair investimentos para pesquisa e produção do mineral, além de estimular a capacidade produtiva nas etapas de processamento e produção de componentes e baterias.

    Com a descarbonização, inserção do Brasil na cadeia de produção de baterias é chance que não pode ser desperdiçada

O referido decreto revogou, mais especificamente e de forma expressa, o decreto 2.413/1997, que outorgava à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), criada pela Lei 4.118/1962, a competência para aprovar expressamente qualquer importação ou exportação de minério de lítio, bem como de produtos químicos fabricados à base de lítio.

Dentre as restrições antes impostas pela CNEN, além de cotas anuais, existia o limite imposto às mineradoras de lítio de não exportarem um volume de produto superior a 10% de suas reservas medidas.

Antes de analisar os impactos dessa alteração normativa, convém discorrer brevemente sobre a origem de tal restrição. Hoje largamente associado à produção de baterias elétricas, o lítio, utilizado há mais de 60 anos pela indústria farmacêutica no tratamento de certos transtornos mentais, já teve sua importância estratégica relacionada à energia nuclear. Isso porque diferentes isótopos de lítio podem ser usados tanto na fabricação de dispositivos termonucleares, quanto no sistema de refrigeração de determinados reatores nucleares.

Fato é que tais aplicações, que necessitam de tecnologia complexa para aseparação isotópica, passaram a ser consideradas secundárias tendo em vista a importância estratégica que o mineral tomou em um contexto de conversão energética para as “energias limpas”. O lítio é um item essencial para a fabricação de baterias de veículos elétricos e sistemas de geração solar.

De acordo com estudo publicado neste ano, pelo Departamento de Pesquisa Geológica dos EUA, estima-se que o consumo global de lítio saltou de 70 mil toneladas em 2020 para 93 mil toneladas em 2021 – a produção de baterias elétricas é responsável por 74% do consumo.

Apesar do protagonismo da indústria mineral no Brasil, a participação nacional no mercado de lítio ainda é modesta. Segundo o referido estudo, o Brasil teria cerca de 95 mil toneladas de reserva, ou apenas 0,43% das reservas de lítio desenvolvidas no mundo.

Esse percentual já foi maior, mas foi reduzido ao longo dos últimos anos em razão da velocidade em que novas reservas foram identificadas e desenvolvidas fora do Brasil. Atualmente, Bolívia e Argentina possuem as maiores, seguidos pelo Chile. A região, conhecida como “triângulo do lítio”, detém 68% das reservas mundiais.

Somente são consideradas reservas os recursos minerais cuja viabilidade econômica de exploração tenha sido demonstrada em estudos. Quando olhamos a comparação entre reservas e recursos minerais disponíveis, ainda existe grande potencial de crescimento para o mercado brasileiro.

Estima-se que o Brasil tenha cerca de 470 mil toneladas de lítio em recursos minerais. Ou seja, somente 20% dos recursos foram transformados em reserva. No Chile, o percentual já é de 93%.

Em meio à evolução e à inclusão tecnológica global e dentro de uma geopolítica onde a descarbonização passa a ser pauta relevante, a inserção do Brasil na cadeia de produção de baterias é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Para tanto, a atração de investimentos é fundamental.

Nesse contexto, o Decreto 11.120 busca atrair investimentos por meio da promoção de uma maior liberdade comercial, para o Brasil ter papel de relevância nessa importante cadeia produtiva.

O novo decreto deve impulsionar o segmento automotivo, uma vez que o lítio é a principal matéria-prima das baterias para carros elétricos – e o Brasil detém também reservas de grafite e outros componentes de células de bateria.

Uma das grandes produtoras mundiais de lítio, fornecedora para fabricantes de baterias para veículos elétricos das principais montadoras, como a Tesla, já informou que deve iniciar sua operação em Minas Gerais no fim deste ano. Além do segmento automotivo, o emprego do lítio deve impulsionar o setor elétrico, especialmente energia solar e eólica.

O Ministério de Minas e Energia estima que o avanço da produção do minério tem potencial para atrair um volume de investimentos superior a R$ 15 bilhões até 2030 principalmente para a região do Vale do Jequitinhonha (MG).

Além de concentrar a maior parte das reservas conhecidas para a produção de lítio, o Vale do Jequitinhonha é uma das regiões economicamente mais pobres do Brasil. Assim, a dinamização do mercado brasileiro de lítio pode contribuir não só para o desenvolvimento sustentável de longo prazo do país, mas para transformar a realidade socioeconômica das comunidades da região.

Na teoria, o decreto deve criar um ambiente mais favorável e atrativo aos investimentos, que vão além da extração do lítio e se ampliem a outros setores da economia. Isso porque, até que o minério seja empregado em uma bateria, são necessários diversos processos altamente complexos que incluem a indústria química.

Na prática, há importantes desafios a serem superados. A exportação é sim importante, mas é igualmente relevante investir em pesquisa, tecnologia e informação para conhecer a capacidade do país e identificar novos depósitos, agregar valor, desenvolver outros setores (como a indústria de transformação e reciclagem), implementar políticas públicas e promover projetos de longo prazo.

Diante da expansão da demanda, crescerá também a pressão para a mineração ser uma atividade mais sustentável, com a minimização de impactos ambientais e mais benefícios em âmbito local e nacional. Experiências de outros países, como o do triângulo do lítio, indicam que um regime político estável e políticas públicas amigáveis são importantes fatores para o sucesso. Apesar dos desafios, o Brasil não nos parece estar disposto a ficar fora dessa corrida.

Thiago Rodrigues Maia é sócio da área de Fusões e Aquisições do Demarest.

Izabella Reis é advogada das áreas de Fusões e Aquisições e Direito Minerário do Demarest

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/novas-regras-destravam-exportacoes-de-litio.ghtml

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