FT: Carro voador é um voo fantasioso ou realmente está pronto para decolar?


Há grandes desafios a superar, como a certificação pelos órgãos reguladores da aviação, o desenvolvimento da infraestrutura terrestre e a aceitação do público

Por Sylvia Pfeifer e Patrick McGee, Financial Times/Valor — 10/02/2022 

Carros voadores vêm sendo vistos há décadas como a possível próxima grande novidade, desde os ônibus aéreos do filme “Metrópolis”, de Fritz Lang, de 1927, até as surradas viaturas policiais do filme de ficção científica “Blade Runner: O Caçador de Androides”, de Ridley Scott, de 1982. Nos últimos 12 meses, contudo, eles deram passos gigantescos para que isso, enfim, ocorra. Uma legião de startups conseguiu mais que o dobro do dinheiro levantado nos dez anos anteriores, com a promessa de tornar a “mobilidade aérea urbana” uma realidade.

Em janeiro, a Boeing prometeu mais US$ 450 milhões para a Wisk, um empreendimento conjunto para desenvolver veículos voadores autoguiados, uma vez que os atuais líderes do setor aéreo, incluindo Airbus e Embraer, também aumentaram as apostas na corrida contra centenas de startups para ganhar presença no novo mercado, cujo faturamento anual para 2040 é estimado em US$ 1,5 trilhão, segundo o Morgan Stanley.

Os investidores compraram o sonho, injetando mais de US$ 7 bilhões nesses projetos, principalmente por meio de empresas de aquisição de propósito específico (Spacs, na sigla em inglês) com registro em bolsas de valores nos Estados Unidos, de acordo com a McKinsey. Embora existam planos para todo tipo de veículo, desde aviões de carga a drones de vigilância, quase 75% do dinheiro foi destinado a empresas que desenvolvem veículos elétricos de decolagem e pouso vertical (eVTOLs) tripulados.

Grande parte da exuberância vista em 2021 se evaporou. As ações de muitas das startups que abriram o capital em 2021 caíram mais de 50%. No fim de 2021, a Volocopter, uma criadora alemã de eVTOLs, desistiu dos planos iniciais de uma fusão com uma Spac, em parte pela mudança nas condições do mercado.

Alguns especialistas temem que a indústria nascente esteja dando um passo maior do que a perna, de forma parecida ao que ocorreu no período de 2015-2018 com os carros autônomos, quando várias emprsas anunciaram promessas não cumpridas, de que teriam dezenas de milhares de robotáxis nas estradas já em 2020.

Os empreendedores por trás da Joby Aviation, da Archer Aviation, da Lilium e da britânica Vertical Aerospace almejam ter seus veículos voadores operando em grande escala entre 2023 e 2025. Vários, como a Joby, já realizaram programas de teste de voos. Ainda há, contudo, grandes desafios a superar, como a certificação pelos órgãos reguladores da aviação, o desenvolvimento da infraestrutura terrestre e a aceitação do público.

“Quando você avança rápido e quebra coisas, a segurança é deixada de lado – e isso não se aplica bem ao setor aeroespacial”, disse Marc Ausman, veterano da aviação e executivo-chefe da Airflow.aero, que está construindo uma aeronave elétrica projetada para voos da chamada “milha intermediaria [entre, por exemplo, um porto ou aeroporto e um terminal local de conexão]. “Você não pode simplesmente chegar, virar um setor de ponta-cabeça e depois pedir desculpas aos reguladores mais tarde. Você tem que seguir o processo.”

O mercado das Spacs trouxe uma “incrível quantidade de visibilidade para este espaço”, disse Gary Gysin, executivo-chefe da Wisk. “Este é um mercado totalmente novo, uma tecnologia totalmente nova […] ninguém foi certificado ainda. As coisas vão mudar […] Haverá bem poucas pessoas que realmente sobreviverão a esta jornada para produzir algo que seja seguro.”

Balkiz Sarihan, chefe de estratégia de Mobilidade Aérea Urbana da Airbus, que trabalha em seu veículo CityAirbus Next Gen, adota um tom igualmente cauteloso. “Há muita empolgação e interesse na indústria, mas, no fim das contas, estamos construindo um produto aeroespacial que transportará passageiros, então, do nosso ponto de vista, esta não é uma corrida”.

Um setor totalmente novo

Os que apostam no setor acreditam que a nova indústria traz a possibilidade de uma verdadeira mudança de era para a aviação e o transporte, uma vez que poderia em algum momento ajudar a resolver problemas como os congestionamentos urbanos. A LEK Consulting estima que, em 2040, a indústria da “mobilidade aérea avançada” poderia representar 50% das viagens de táxi ou de aplicativos de transporte superiores a 15 quilômetros.

“Isso pode, eventualmente, resolver problemas para as cidades, para as autoridades, para os governos e para o ambiente”, previu Lukasz Gadowski, que chefia a firma de investimento em tecnologia Team Global, que já financiou cinco startups, incluindo a Volocopter e a chinesa AutoFlight. “Se a forma mais eficiente de cuidar das pessoas é dentro das cidades e se o crescimento das cidades é limitado pela infraestrutura do setor público, [então] esta não é uma cura para tudo, mas é uma das ferramentas para amenizar isso.”

Marc Lore, um empresário que vendeu sua startup Jet.com para o Walmart por US$ 3 bilhões, investiu, pessoalmente, uma pequena fortuna na Archer. Ele rejeita a ideia de que a certificação seria um obstáculo impossível de atravessar em apenas alguns anos, argumentando que alguns eVTOLs são basicamente apenas helicópteros elétricos.

“Já existem regulamentações para poder voar helicópteros de heliporto para heliporto”, disse ele. “E uma maneira de ver os eVTOLs é como uma democratização no acesso a helicópteros para as massas – mas mais seguro, mais barato, mais ecológico e com menos ruído.”

Michael Spellacy, executivo-chefe da Atlas Crest, empresa que se fundiu com a Archer, está convencido de que o cronograma da startup não é exagerado. “Os cronogramas são realistas e claros porque a FAA [siga em inglês da Agência de Aviação Federal dos EUA] quer fazer isso acontecer. A United Airlines, que encomendou US$ 1 bilhão em futuras aeronaves da Archer, quer fazer isso acontecer. Você tem uma tecnologia comercialmente viável agora. Não é sonhar com o futuro.”

Mesmo apoiadores mais cautelosos concordam que a aviação está à beira da maior revolução desde a transição para os jatos na década de 1940. Os avanços na tecnologia e nos materiais das baterias vêm cumprindo a promessa de voos mais limpos e sustentáveis, desde veículos aéreos elétricos até aviões movidos a hidrogênio.

Muito cedo para escolher vencedores

Muitas das empresas que tentam lançar eVTOLs trabalham na tecnologia há dez anos ou até há mais tempo. Especialistas do setor dizem que ainda é muito cedo para escolher os vencedores entre os mais de 600 projetos, dadas as diferentes tecnologias sendo testadas. Enquanto alguns se concentram em veículos semelhantes a helicópteros, outros desenvolvem veículos com asas fixas e um motor móvel, com hélices, que pode ser inclinado.

Os objetivos das empresas para seus veículos também são variados. Enquanto alguns se empenham em criar veículos elétricos pensando em clientes que queiram voar distâncias curtas dentro e ao redor das cidades, outros pensam em viagens regionais.

O objetivo final da Kittyhawk, uma startup com sede em Mountain View, de propriedade do cofundador do Google Larry Page, que também é investidor da Wisk, é construir aeronaves totalmente autônomas para ocupantes individuais.

“Setenta e cinco por cento dos acidentes no tráfego e aviação são causados por erro humano”, disse Sebastian Thrun, ex-chefe do projeto de carros autônomos do Google, que gerencia a Kittyhawk. “E tirando a parte humana da equação, eventualmente tornaremos a aviação mais segura, não apenas mais econômica.”

A certificação pelos reguladores de segurança da aviação é frequentemente citada como um dos maiores obstáculos. A Agência de Segurança da Aviação da União Europeia tem mantido contato com várias empresas e já divulgou que prevê as primeiras operações comerciais de veículos aéreos tripulados para 2024 ou 2025.

Os aeroportos, da mesma forma, trabalham com as autoridades reguladoras e os fabricantes para explorar um replanejamento das viagens aéreas regionais, de forma a acomodar veículos aéreos voando a baixas altitudes. Especialistas, porém, avisam que haverá limites à adoção dos novos veículos aéreos e que, até agora, ninguém testou qual seria o grau de aceitação do público.

Também há a necessidade de normas comuns. Andreas Perotti, diretor de marketing na Europa da startup chinesa de veículos aéreos EHang, acredita que o setor precisará colaborar para definir padrões comuns. “Ninguém vai construir um ‘vertiporto’ para apenas um veículo ou uma categoria. É preciso ser universal em certa medida no que se refere a coisas como o peso, o espaço disponível.” A EHang espera que um de seus veículos aéreos obtenha um “certificado de tipo” da Agência de Aviação Civil da China ainda neste ano.

Construindo um negócio

Mesmo depois que as empresas obtiverem a certificação, o desafio final será construir uma cadeia de abastecimento sustentável que possibilite uma fabricação em escala e que gere receita.

Stephan Baur, diretor da equipe de produtos e serviços industriais da firma de consultoria Roland Berger, prevê que as empresas começarão a gerar suas primeiras receitas “em meados desta década”, quando os grupos começarem a lançar operações comerciais.

Florian Reuter, executivo-chefe da Volocopter, não tem pressa em abrir o capital, no entanto. “Depois que recebermos o certificado e iniciarmos as primeiras rotas comerciais nos próximos dois a três anos, um IPO [oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês] regular pode se tornar a opção preferida.”

Após toda a badalação por parte dos investidores vista em 2021, os executivos sabem que, agora, o desafio para o setor é provar que tem capacidade de cumprir as promessas. “A inovação aeroespacial é simplesmente mais longa e mais cara do que a maioria das pessoas pensa, e aplicar uma mentalidade [do mundo] da tecnologia ao setor aeroespacial – bem, isso realmente não combina muito bem”, disse Ausman, da Airflow. (Tradução de Sabino Ahumada)

O desafio final será construir uma cadeia de abastecimento sustentável que possibilite uma fabricação em escala e que gere receita — Foto: Divulgação: Eve

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