Não há evidência de que machos são melhores líderes entre humanos ou animais, diz primatólogo


Primatólogo Frans de Waal pergunta-se se o ser humano tem a cabeça aberta para admitir que outras espécies têm vida mental

Por Cristina Aby-Azar — Para o Valor – 05/02/2022 

Neste ano de eleições no Brasil, vão abundar aquelas imagens de políticos pegando bebês no colo, beijando e brincando com eles. O que esses candidatos a cargos públicos podem não saber é que estão adotando um comportamento semelhante ao de grandes primatas como chimpanzés, gorilas e orangotangos quando estão em busca do apoio para tornarem-se líderes de seus bandos.

Normalmente, os chimpanzés machos demonstram pouco interesse pelos filhotes, mas, quando estão de olho no poder e rivalizam com outros machos, desenvolvem um interesse repentino por bebês para impressionar as fêmeas e, assim, conquistar o respaldo delas.

Seres humanos e animais têm em comum muitas características psicológicas e morais, e a evolução da informação nas últimas décadas desmoronou pouco a pouco teorias sobre a singularidade do homem.

A pergunta que o primatólogo holandês-americano Frans de Waal, 73 anos, faz é se o ser humano tem a cabeça aberta o suficiente para presumir que outras espécies têm vida mental. “Não existe algo exclusivamente humano”, diz o acadêmico, que é professor no departamento de psicologia da Universidade Emory e diretor do Living Links, um centro para o estudo avançado da evolução humana e dos primatas grandes, em Atlanta, nos Estados Unidos.

Segundo De Waal, a chave para o reconhecimento da inteligência dos animais está no conceito Umwelt, criado pelo biólogo alemão Jakob von Uexküll, e que significa “ambiente” ou “arredores”. “Cada organismo percebe o ambiente de maneira própria”, disse Uexküll, num mundo coerente de experiência sensorial que pode ou não se sobrepor ao dos seres humanos.

“Parece muito injusto e parcial perguntar se um esquilo sabe contar até dez”, diz De Waal, uma vez que a habilidade de contar não tem nada a ver com a vida desse animal. No entanto, acrescenta, o esquilo é muito bom em achar nozes escondidas.

Frans de Waal: “Animais, como humanos, precisam de emoções para viver” — Foto: Catherine Marin/Divulgação

Em seu livro “Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes são os animais?”, que acaba de ser lançado em português no Brasil pela editora Zahar, De Waal descreve de modo cativante experimentos que evidenciam a inteligência dos animais e demonstram a habilidade deles de confeccionar e usar ferramentas, cooperar uns com os outros, demonstrar empatia, planejar o futuro, reconhecer pessoas e outros animais e fazer as pazes após conflitos. Assim como o homem, os primatas bocejam quando outro boceja, retornam favores, ficam descontentes se consideram uma distribuição de bens injusta e até mimam filhotes em busca daquela posição de poder.

Para o acadêmico, que em 2007 foi escolhido pela revista americana “Time” como umas das 100 pessoas mais influentes do mundo, os animais têm todas as emoções que os humanos têm. Talvez, ele argumenta, os homens tenham emoções mais complexas como culpa e vergonha, mas também é possível notar sinais de culpa e de vergonha, o que está perto de subordinação, em outras espécies.

“Eu vejo as emoções um pouco como os órgãos”, diz. “No meu corpo, todos os órgãos são iguais aos de um cachorro. Todos os mamíferos têm esses mesmos órgãos – cérebro, fígado, coração, rins e assim por diante. Até um sapo tem esses órgãos. Você precisa deles para viver, e eu acredito que o mesmo acontece com as emoções. Os humanos precisam de emoções como apego, medo e raiva para viver, e os animais também”, diz o acadêmico de sua residência em Atlanta, onde passa a maior parte do ano.

Um dos exemplos que De Waal usa em seu livro para descrever evidências da inteligência dos seres não humanos é o da chimpanzé Franje. Numa manhã de novembro no zoológico Burgers, na cidade holandesa de Arnhem, onde as temperaturas começavam a cair algumas semanas antes do início do inverno, o primatólogo notou que a chimpanzé juntava toda a palha de sua jaula, que era aquecida, e a levava debaixo do braço para uma ilha na parte externa do recinto onde vivia, algo que nunca tinha feito antes. Por ter passado frio na véspera, Franje estava se preparando para mais um dia de temperaturas baixas. Queria ficar aquecida quando estivesse ao ar livre com seu filhote Fons num ninho de palha recém-construído.

“Sempre me pergunto em que nível mental os animais operam, mesmo sabendo, sem sombra de dúvida, que uma única história não basta para tirarmos conclusões. Mas essas histórias inspiram observações e experimentos que nos ajudam a distinguir o que está acontecendo”, escreveu De Waal.

Outro relato é o da gorila Leah. Depois de elefantes terem cavado um buraco grande para armazenar água em uma floresta da República do Congo – feito que mostra que os paquidermes também têm a capacidade de olhar para o futuro -, a gorila foi observada tentando atravessá-lo. Ela parou quando estava com a água pela cintura, já que primatas grandes detestam nadar. Leah voltou então para a margem para pegar um galho comprido que usou para medir a profundidade da água. Tateando com a vara, ela caminhou sobre os dois pés até bem longe dentro da lagoa antes de voltar para a margem, onde seu filhote chorava.

Mas, segundo De Waal, a versatilidade no uso de ferramentas não é exclusiva dos seres humanos e primatas grandes. Ele conta como uma equipe internacional de cientistas notou que pequenos macacos-prego, cujos cérebros são bem grandes proporcionalmente a seus corpos, usavam rochas para quebrar nozes no Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo.

Esses macaquinhos, que hoje até são treinados para ajudar pessoas tetraplégicas em tarefas diárias como abrir correspondências ou acender a luz, comem a polpa de uma fruta e deixam as sementes caírem no solo para retornarem alguns dias mais tarde, quando elas já estão infestadas de larvas, uma de suas refeições favoritas. De Waal não fez parte desse estudo em particular, mas estuda esses macacos há anos e já esteve no Brasil os observando em regiões ao norte do Rio de Janeiro.

O primatólogo afirma que houve um tempo em que cientistas acreditavam que o comportamento humano era derivado do aprendizado e o animal da biologia, e que havia pouca coisa entre os dois. Uma crença que se provou falsa, já que em toda espécie o comportamento é um produto de ambos.

Depois, diz, foi necessário acrescentar a cognição, que se refere à informação que um organismo reúne e ao modo como a processa e aplica. Por exemplo, o pássaro quebra-nozes-de-Clark lembra onde guardou milhares de nozes e as vespas lobos-das-abelhas fazem voo de orientação antes de deixar sua toca. Sem qualquer recompensa ou punição, animais de diversas espécies acumulam conhecimento que lhes será útil no futuro.

Muitos animais têm realizações cognitivas em comum. Quanto mais os cientistas descobrem com suas pesquisas e experimentos, mais se confirma que habilidades supostamente exclusivas aos humanos – ou ao menos aos hominídeos (grupo que reúne humanos e primatas grandes) – estão disseminadas entre outras espécies. Ou seja, segundo De Waal, as aptidões cognitivas se estenderam de grandes primatas para macacos, golfinhos, elefantes e cães, e então para aves, répteis, peixes e até invertebrados, como o polvo.

Nos mares da Indonésia, por exemplo, o polvo-do-coco foi observado recolhendo cascas de coco que transporta desajeitadamente pelo fundo do oceano até uma toca segura onde as usa para se ocultar de predadores. Um feito impressionante para um molusco. “Isso parece ser simples, mas demonstra quão longe chegamos desde o tempo em que se pensava que a tecnologia era uma característica que definia a nossa espécie”, escreveu De Waal.

Autor de uma série de outros best-sellers, como “A era da empatia”, “O último abraço da matriarca” e “A política dos chimpanzés”, De Waal está agora voltando sua atenção para o tema do gênero. Seu novo livro, “Diferente – gênero pelos olhos de um primatólogo”, que será publicado nos EUA em abril e ainda sem data de lançamento no Brasil, trata das diferenças e similaridades entre os gêneros de humanos e primatas.

“Há muitas semelhanças nas questões de gênero dos homens e dos animais. Certamente os machos são mais violentos do que as fêmeas tanto entre humanos como entre primatas. Mas não encontrei nenhuma evidência, por exemplo, que confirme a impressão de que os machos são naturalmente melhores líderes tanto entre os humanos como entre os animais”, diz De Waal.

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2022/02/05/nao-ha-evidencia-de-que-machos-sao-melhores-lideres-entre-humanos-ou-animais-diz-primatologo.ghtml

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