Por Valor — Financial Times 09/10/2021
Estamos em 2030 e o seu Volkswagen elétrico adquiriu o enervante costume de puxar para a direita. Alguns anos atrás, quando o seu último automóvel a gasolina começou a fazer coisa parecida, um mecânico de macacão da cidade levava meia hora pelejando embaixo dele com uma chave de torque e soltando alguns palavrões a meia voz. Atualmente, você se conecta ao sistema de controle do carro a partir de seu tablet à mesa do café da manhã e fala por meio de um portal “on-line” com um técnico da Volks residente na cidade de Hyderabad, no sul da Índia. Como era de se esperar, é um defeito de software. Um reparo parcial do programa é enviado pela internet e o conserto está feito.
Como destacou uma série do “Financial Times” nesta semana, a demanda por veículos elétricos está disparando num momento em que o mundo se acelera na direção de uma mudança setorial monumental. Desde que Henry Ford instalou a primeira linha de montagem móvel para a produção em massa de um automóvel inteiro, em 1913, o carro a motor de combustão interna é a mola mestra da industrialização e da globalização. Atualmente, quase tudo o que as economias contemporâneas produzem desemboca nos automóveis, de alguma forma: cobre para a fiação, borracha para os pneus, aço para a estrutura e chips de silício para o “cérebro” computadorizado.
Nem tudo isso vai mudar. Mas uma característica impressionante da reengenharia dos automóveis é a redução das peças móveis, a partir de cerca de 2.000 em um motor a gasolina para cerca de 20 em uma transmissão de veículo elétrico. Uma série de componentes de automóveis conhecidos há nada menos que um século vai desaparecer. Alguns novos os substituirão, como baterias e sistemas de carregamento de baterias, inclusive freios que recarregam parcialmente a bateria. Mas as implicações disso serão profundas.
Uma das áreas fortemente afetadas será a da indústria de autopeças. O conjunto de empresas de pequeno e médio porte alemão conhecido como Mittelstand, no qual centenas de fabricantes se especializam há décadas às vezes em uma única peça para motores de combustão interna, enfrenta um desafio especial. Algumas delas encontrarão novos nichos na produção de componentes para transmissões elétricas e para outras peças de veículos elétricos. Afinal, já que as montadoras são menos capazes de se diferenciar por projetar motores mais potentes – principalmente num momento em que os veículos se tornam autônomos —, elas terão de concorrer ao transformar seus automóveis em lugares mais atraentes para se estar. Isso pode abranger tudo, desde projeto de assentos até sistemas de entretenimento.
Algumas fabricantes de automóveis já estão trabalhando na transição com produtoras de componentes, reduzindo seus principais fornecedores e ajudando outros a encontrar áreas para novos produtos. Mas a mudança da tecnologia e da composição dos automóveis vai abrir oportunidades para empresas inovadoras dos mercados emergentes — da mesma forma que a BYD chinesa alavancou seu sucesso no desenvolvimento de tecnologia de baterias de forma a se tornar, ela mesma, a principal produtora de carros elétricos.
Também estão no centro das mudanças as oficinas, os mecânicos e as equipes de pós-venda. A diminuição das peças móveis deverá reduzir a necessidade de consertos e substituições. Na medida em que os automóveis se tornam mais semelhantes a computadores com rodas, os consertos tenderão a se tornar um ramo de atividade exclusivo, reservado ou proprietário, comandado pelas fabricantes. A procura por engenheiros de software vai aumentar. Muitos tendem a estar lotados em lugares remotos, o que dá um impulso a mais ao universo do trabalho a partir de qualquer lugar da globalização “virtual”.
Surgirão novas oportunidades para trabalhadores locais na instalação e manutenção de postos de recarga, e para oficinas e mecânicos a mudança será gradual — os carros a gasolina e a diesel continuarão rodando ainda por boa parte da década de 2030 —, mas precisará de um tratamento cuidadoso.
Os governos poderão ajudar ao tentar tomar a dianteira e expandir o treinamento. Num momento em que os Conservadores britânicos prometem investir em uma economia de maiores qualificações, de maior salário, têm de antever a medida pela qual a revolução verde vai remodelar a tecnologia e a indústria. É vital equipar os trabalhadores para esse novo mundo, não apenas para o atual.
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