Rearranjos de cadeias globais frágeis podem ser extensas
Por J. Woetzel e M. Krishnan Valor Econômico 12/02/2021
Nos últimos 25 anos, as revoluções nas comunicações e nas tecnologias de transporte permitiram que as empresas criassem cadeias de valor verdadeiramente mundiais. As que processavam matérias-primas estavam ligadas às fabricantes de insumos e de peças, que estavam, por sua vez, ligadas às empresas que montam e embalam produtos finais e delas para canais de distribuição ampliados de modo a alcançar os consumidores do mundo inteiro.
Nas duas décadas que precederam a pandemia de covid-19, o valor anual dos bens intermediários exportados interfronteiras triplicou, para mais de US$ 10 trilhões, o que originou um sistema de produção de movimentação intrincada. Mas, pelo fato de essas redes mundiais terem evoluído para reduzir os custos por meio do máximo de eficiência, elas podem ser frágeis e às vezes se romperem sob pressão.
Episódios de desabastecimento que duram um mês ou mais ocorrem hoje a cada 3,7 anos, em média, impondo elevados custos financeiros. Um único choque grave que cause interrupção de 100 dias pode ceifar os lucros de todo ano ou mais em alguns setores
Por esse motivo, todo país envolvido nas redes de produção mundiais tem de entender essa exposição ao risco e montar mais resiliência onde ela for necessária. Para economias emergentes desejosas de expandir a produção industrial voltada para a exportação, as implicações desse rearranjo mundial podem ser extensas.
É certo que a pandemia ainda não remodelou as áreas de cobertura da indústria drasticamente. Mas isso não surpreende: as cadeias de suprimentos mundiais põem em questão a lógica econômica, centenas de bilhões de dólares de investimentos e relações tradicionais com fornecedores. Mudar a geografia de produção não é fácil quando as redes de fornecimento das grandes multinacionais abrangem milhares de empresas independentes, cada uma com sua própria contribuição especializada.
Apesar disso, como vimos, cadeias de suprimentos mundiais amplas podem ser vulneráveis a todo tipo de desestabilização, desde calamidades naturais até ciberataques e conflitos comerciais. A pandemia de covid-19 enfatizou essa questão ao obrigar as indústrias a gerir problemas de saúde e de segurança do quadro de funcionários, dificuldades de planejamento e de logística, episódios de escassez de insumos e de peças, crescimentos e quedas da demanda imprevisíveis e problemas de fluxo de caixa.
As empresas não podem pressupor que voltarão a um cenário róseo após a pandemia. Em recente pesquisa entre executivos de cadeias de suprimentos, o McKinsey Global Institute (MGI) detectou que episódios de desabastecimento que duram um mês ou mais ocorrem atualmente a cada 3,7 anos, em média, impondo elevados custos financeiros. De maneira corrigida a fim de levar em conta a probabilidade e a frequência desses episódios, as empresas podem prever perder mais de 40% dos lucros de um ano a cada década (com base em um modelo baseado nos dados financeiros de 325 empresas de 13 setores).
Além disso, um único choque grave que cause um desabastecimento de 100 dias pode ceifar os lucros de todo um ano ou mais em alguns setores. Como acabamos de aprender a duras penas, acontecimentos dessa magnitude podem ocorrer, e efetivamente ocorrem.
Com a reavaliação das empresas e dos governos da maneira pela qual os produtos fluem através das fronteiras, alguns deles adotarão ajustes pontuais para contratar o fornecimento de produtos de lugares que percebem como de menor risco. No cômputo geral, o MGI estima que até 25% das exportações mundiais de bens – no valor de US$ 2,9 trilhões a US$ 4,6 trilhões anuais – poderiam, de maneira factível, mudar para países diferentes nos próximos cinco anos, mais ou menos, embora esse potencial varie consideravelmente de um setor para outro.
Esse movimento não precisa levar a uma onda de repatriação a economias avançadas, especialmente se estimular a “reinstalação nas proximidades”, ou a migração de uma economia emergente para outra. No entanto, ele cria, efetivamente, novos imperativos para economias emergentes interessadas em aumentar o número de vagas de trabalho e desenvolver sua base industrial por meio do crescimento das exportações. Boa parte da atividade industrial que ocorre em economias em desenvolvimento é destinada ao consumo local, e essas operações provavelmente permanecerão inalteradas. A questão é se esses países conseguirão ou não manter sua participação nas exportações mundiais ou até captar participação maior na medida em que as empresas reavaliarem as decisões de abastecimento.
Por muitos anos os países em desenvolvimento foram orientados no sentido de que competir unicamente com base na mão de obra de baixo custo não é suficiente; de que teriam de aumentar a produtividade, desenvolver a base de qualificações e melhorar a qualidade da produção. Agora essa lista será ampliada de modo a incluir a resiliência – os países terão de avaliar sua própria exposição ao risco e cultivar as habilidades necessárias para fazer frente a desabastecimentos e a se recuperar de seus efeitos rapidamente.
As economias emergentes da Ásia, por exemplo, poderão precisar introduzir melhorias em suas fábricas e armazéns para suportar as escaladas de tempestades que poderão se agravar nos próximos anos com a intensificação dos riscos climáticos. As fábricas que não têm ar-condicionado precisarão de sistemas de refrigeração para se preparar para temperaturas cada vez mais elevadas e ondas de calor mais frequentes. Unidades de produção instaladas em áreas passíveis de terremotos podem precisar de aprimoramento sísmico.
Por sua vez, as multinacionais terão de tornar suas cadeias de suprimentos mais estáveis, mais transparentes e mais sustentáveis, e a melhor maneira de fazer isso é com a tecnologia. Interligar redes inteiras de produção de ponta a ponta pode fornecer a localização e o tempo exatos das remessas e tornar visíveis em tempo real os riscos que se formam no horizonte. Com a digitalização de um maior volume de ativos físicos, no entanto, as empresas precisarão de funcionários com as qualificações técnicas correspondentes, além de maiores investimentos em cibersegurança.
A pandemia serviu de alarme. As estruturas de custos estão mudando em todos os países, e as novas tecnologias estão ganhando impulso na produção industrial mundial. Esses fatos novos poderão preparar o caminho para as cadeias de suprimentos se tornarem mais seguras e produtivas; mas as economias emergentes terão de priorizar sua própria resiliência a fim de pleitear uma fatia maior da produção mundial. (Tradução de Rachel Warszawski)
Jonathan Woetzel e Mekala Krishnan são, respectivamente, sócio-sênior da McKinsey e diretor do McKinsey Global Institute, e sócia do McKinsey Global Institute.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/novo-imperativo-para-os-emergentes.ghtml
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