Sistema de pagamentos instantâneos criado pelo BC no fim de 2020 ganha usos inesperados nas mãos dos brasileiros, entusiastas dos relacionamentos digitais
Carolina Nalin, Sérgio Matsuura e Pollyanna Bretas O Globo 29/01/2021
Chrystian Santanna, de 25 anos, e Amanda Costa, de 24, reataram um namoro de oito anos depois que ele conseguiu quebrar o gelo da amada com um Pix de R$ 2 e uma mensagem na identificação da transferência Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
RIO E BRASÍLIA – Dar um match e flertar com o crush correm risco de virar coisa do passado. “Anota o meu Pix” passou a ser a senha para indicar que há espaço para um relacionamento.
Dois meses depois da entrada em vigor do sistema de pagamento instantâneo e transferência sem custos, o brasileiro conseguiu agregar funcionalidades ao Pix que vão muito além do imaginado pelo Banco Central (BC).
Tire suas dúvidas: Saiba o que é o Pix e como ele funciona
Ele se converteu numa mistura de rede social, caminho para conquistar a cara-metade — por meio da transferência de valores modestos, até na casa dos centavos— , e balcão de negócios.
Quem já conquistou espaço em redes sociais, convida seus seguidores a ir muito além dos likes e partir para a demonstração de apreço por meio de transferências. E há até quem troque “mimos”, que vão desde um lanche até nudes no celular, por meio da ferramenta.
A equipe do presidente do BC, Roberto Campos Neto — que já veio a público reconhecer que o Pix não foi criado como rede social —, não poderia imaginar que ele viraria até mesmo ferramenta de solução de conflito.
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Chrystian Santanna, de 25 anos, e a namorada, Amanda Costa, de 24 anos, estão juntos há oito anos, mas se desentenderam. Seguindo o roteiro tradicional do ensaio do fim nos tempos atuais, Amanda cortou laços: bloqueou o namorado no WhatsApp, no Instagram e até nas ligações.
Chrystian Santanna, de 25 anos, e Amanda Costa, de 24, reataram um namoro de oito anos depois que ele conseguiu quebrar o gelo da amada com um Pix de R$ 2 e uma mensagem na identificação da transferência Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
O caminho para reconquistar o afeto contou com a bênção inadvertida do BC, por meio de uma mensagem enviada no espaço de identificação da transação por meio do Pix.
— Apareceu no celular uma notificação do aplicativo do banco e me surpreendi. Quando vi, era um Pix dele no valor de R$ 2. Achei engraçada a forma como ele tentou entrar em contato comigo. Na hora até passou a raiva. Mas respondi no WhatsApp: “podia ter sido um valor maior, né?” — brincou Amanda.
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Chrystian diz que a transferência foi uma forma de entrar na brincadeira das redes e promete escalar o valor repassado:
— Era o que eu tinha na conta, tinha acabado de fazer compras. Mas ela merece muito mais. Em outra oportunidade será transferido um valor maior.
Mais do que juros e boletos
Criada há menos de uma semana em uma rede social, a página de humor PixLovers, foi concebida pelo gerente de banco Vagner Castro para se dedicar a compilar os relatos de quem usa o sistema para se relacionar.
As histórias vão desde modestos R$ 2 enviados com o convite de um encontro até a transferência de R$ 200 em troca da foto dos pés de uma moça.
— Estamos acostumados com a seriedade dos bancos. Quando acessamos uma conta corrente pelo aplicativo só vemos juros, contas a pagar, boletos… E aí quando você se depara com uma mensagem carinhosa, de afeto, isso muda um pouco a forma como as pessoas se relacionam com o dinheiro — resumiu Vagner, que avalia que a prática ganhou espaço por surpreender quem recebe a transferência.
‘Me manda um Pix aí’
Nas redes sociais já circulam exemplos de uma tabela do “PixTinder”, em alusão ao aplicativo de relacionamentos, com uma configuração de preços de correlação duvidosa com as boas práticas de orçamento.
O envio de R$ 10 significa “quero um date”, módicos R$ 2 são sinônimo de elogio, na linha “te acho lindo”, mas só a força do ódio misturada com o humor pode levar o cidadão ao ponto máximo da tabela: R$ 20 para dizer “te odeio, kkk”.
Nem sempre, porém, o meio de transferência é capaz de reatar laços. O produtor multimídia Edu Moraes, de 22 anos, recebeu um pedido de desculpas de um amigo através de mensagem no Pix. Os dois se desentenderam e um bloqueou o outro nas redes de contato:
— Um amigo, do qual me afastei, estava me devendo R$ 10. Ele transferiu o valor e escreveu ‘Desculpa qualquer coisa, e aqui está o dinheiro’. Eu não respondi.
‘PixTinder’ é um sinal da cultura digital brasileira
Para especialistas, o Pix para o relacionamento social reflete uma combinação de fatores. Entre eles, está a possibilidade de flertar ou se expressar sem ser visto ou julgado, o que abre a porta para extravasar opiniões.
Além disso, o espaço restrito do campo de mensagem ajuda a tornar o galanteio objetivo e direto. Ou seja, além da surpresa com a transferência acompanhada de texto, não há muito espaço para poesia ou para sustentar longas conversas.
Para abordar alguém, basta ter sua chave do Pix, coisa que muitos brasileiros resolveram compartilhar em aplicativos ou redes.
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— Esse fenômeno já se manifestou anteriormente no Instagram e também no Linkedin, que é uma rede social de negócios e de busca de oportunidades de trabalho. A gente já percebe que é uma característica muito forte no país: os brasileiros utilizam bastante os aplicativos para a busca de relacionamento — afirmou Fábio Mariano Borges, professor de Sociologia do Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP).
Ele avalia que o fato de as mensagens passarem por uma instituição financeira pode gerar uma sensação de segurança ao usuário, quando na verdade todas as recomendações indicam que compartilhar indiscriminadamente a chave do Pix pode ser um caminho para dor de cabeça com risco de fraude.
Piada, ajuda e lanche
Entre os novos usos do sistema, já existem grupos para “troca de mimos” em redes sociais. No Facebook, o “Grupo onde homens enviam Pix para mulheres”, criado em novembro, reúne mais de 13 mil pessoas interessadas em receber ou dispostas a dar recursos financeiros por meio da plataforma.
Lolla Ferreira, uma das moderadoras, explica que a ideia é criar um espaço para participantes se conhecerem e se divertirem. E, de quebra, ajudar alguém que precise.
— Se você tem alguns centavos sobrando na sua conta, o que não dá nem para sacar, por que não transferir para alguém que está juntando para comprar um lanche ou um doce e fazer alguém feliz? — perguntou Lolla, contando já ter recebido vários “mimos”, com valores entre R$ 0,10 e R$ 10.
O grupo inclui “mimos” para as histórias mais engraçadas ou fotos mais criativas, além de pedidos de ajuda e muita paquera.
A moderação revisa todas as postagens públicas, proibindo fotos de cunho sexual, mas nas conversas privadas acontece a troca de nudes por transferências financeiras.
— No grupo rola muita venda de packs (fotos e vídeos de pessoas nuas), o que tentamos barrar. Mas o que acontece no privado não temos como controlar — disse Lolla. — Mas tem muita gente que manda um Pix sem segundas intenções.
BC não encampa novos usos do Pix
O BC já refutou o uso do Pix como rede social e desta vez não parece disposto a entrar no espírito de brincadeira como ocorreu no lançamento da nota de R$ 200.
Na ocasião, o vira-lata Caramelo, que estrelava os memes sobre a cobiçada nova cédula, foi incorporado à campanha de divulgação da nota.
Mesmo de forma reservada, técnicos da autoridade monetária evitam comentar os novos usos da plataforma e se resumem a repetir a mensagem de que o sistema deveria ser usado apenas para pagamentos e transferências.
Para especialistas, há risco de vazamento de dados pessoais que compartilham informações sensíveis em redes, ao divulgar uma chave Pix com número de CPF, celular ou e-mail.
— O risco é ter a conta invadida, o que é um problema grave já que a pessoa teria acesso à conta e poderia fazer operações. Alguns bancos estão implementando bloqueios de certos caracteres no envio de mensagens via Pix, que poderiam facilitar o uso de links usados como meio para clonar a chave e dar acesso à conta — afirmou Henrique Castro, professor de Finanças da FGV-EESP.(
*Colaborou Gabriel Shinohara
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Pix sexual: como o sistema começou a ser usado como ‘arma’ de paquera
Sistema digital de pagamentos virou rede de relacionamentos, mas especialistas alertam para golpes
Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo 29 de janeiro de 2021 |
Quase ninguém mais sabe o que é um piropo. De origem castelhana, um piropo é uma palavra ou frase de elogio endereçado a outra pessoa. No melhor dos mundos, poetas, compositores e apaixonados escrevem versos (piropos) sobre quem se ama. No pior dos mundos, piropos são grosseiros e, ao cruzarem a linha do assédio moral ou sexual, transformam-se em casos de polícia.
Sistema de pagamentos Pix passa a ser usado para paquerar Foto: Marcos Muller/Estadão
Toda essa ‘piropada’ do parágrafo acima é para falar da improvável nova plataforma utilizada para paqueras virtuais. Não, não são as já tradicionais redes sociais ou aplicativos, como Tinder e Inner Circle. Hoje, os piropos invadiram o Pix e criaram o Pix sexual.
Pix, para quem ainda não foi apresentado, é um sistema de pagamento instantâneo lançado em meados de novembro pelo Banco Central. Basicamente, o usuário pode usar o seu número de CPF, telefone ou e-mail como chave (senha) do Pix. As transferências podem ser feitas com qualquer valor (inclusive 1 centavo), sem custos adicionais. Além disso, o usuário pode enviar uma mensagem no comprovante de pagamento. Normalmente, essa mensagem serviria para uma breve descrição dos motivos do pagamento, mas…
Mas o brasileiro na internet tem um humor todo peculiar e não demorou para aparecerem coisas como: “Coloquei uma chave pix aleatória na bio do meu Tinder e tem maluco me mandando dindin pelo meu número kkkkkkk” (@Manda_pedrosa). Ou ainda: “Não me mande flores, me mande um PIX. É assim que se paquera agora?”( @lillydearaujo).
Nas redes sociais, a modalidade já foi apelidada de “pixtinder” e seus adeptos de @pixsexuais (pessoas que se sentem atraídas por quem faz transferências financeiras por Pix). A ideia é que, ao se identificar a pessoa do seu interesse, o indivíduo faça uma transferência bancária acompanhada por um galanteio (um convite para jantar, um elogio).
Ainda nas redes, nasceu uma tabela que relaciona valores financeiros ao nível de interesse da pessoa. Por exemplo, R$ 1 é igual um “adoro você”; R$ 2 vale um “te acho lindo” e um R$ 10 é um legítimo “quero um date”. Já um depósito de R$ 20 pode significar “te odeio, kkk”.
“Eu vi uma reportagem sobre o assunto e pensei: ‘quero se paquerada assim também’”, brincou a assistente social e fotógrafa Liliane de Araújo, 39 anos. “Aí, mandei um Pix para um contatinho, um rolo eterno. Aí, recebi um Pix com uma mensagem e um depósito de 10 centavos. Postei nas redes sociais e me zoaram demais. Brinquei que essa paquera tirou minha conta do zero”, completou.
O economista Vagner Castro, 27 anos, experimentou o “pixtinder” e disse que funcionou. “Cheguei a mandar para um menina com quem estava saindo. Mandei um ‘oi’ com o meu telefone. Ela me chamou no WhatsApp, acho engraçado…”, contou. Mais do que usar o Pix para um flerte, Castro teve a ideia de abrir um perfil no Instagram para reunir histórias e prints desse tipo de abordagem. Trata-se do @pixloveers.
Na página, prints com transferência de R$12 seguido da seguinte mensagem: “Tu vai terminar comigo por causa de um sonho, Ana?”. Ou pedidos de desculpas acompanhado por R$ 5: “Amor, na moral, foi só um beijinho, me desbloqueia”. Além de cantadas, as mensagens podem servir para explicar melhor pedidos feitos por delivery. Ao transferir o pagamento para uma pizzaria, a pessoa escreveu no Pix: “não põe cebola na pizza, obrigado”.
No aplicativo de paquera, Inner Circle, o uso da palavra “Pix” subiu 147% em um período de um mês. “Não temos acesso ao teor das conversas, portanto, não sabemos se as pessoas estão fornecendo os seus dados no aplicativo, mas é possível pesquisar por palavras e, realmente, a palavra ‘Pix’ teve um aumento considerável”, disse Ximena Buteler, gerente de marketing do Inner Circle. “Claro, é importante lembrar que o aplicativo não recomenda que as pessoas forneçam esse tipo de dado pessoal, como CPF, em suas conversas”, completou.
A brincadeira fugiu do controle, ganhou escala e levou o próprio Banco Central a se manifestar, dizendo que o “Pix é um meio de pagamento e não uma rede social”. Camila Mickievicz, especialista em direito e tecnologia, adverte para os perigos do chamado pixtinder. “O risco é acentuado. Entregar a chave do Pix para alguém pode significar disponibilizar o CPF. Com o CPF e o nome completo, alguém mal-intencionado pode fazer compras no seu nome. Se a chave é o telefone ou o e-mail, os problemas podem ser muito sérios também”, comentou.
“A gente precisa explicar para as pessoas a importância de proteção dos dados pessoais nesse ambiente digital. Já estão sendo aplicados golpes pelo Pix. O que começa com uma brincadeira, pode terminar com muita dor de cabeça”, finalizou Camila.
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