Empresas apostam nos serviços de consultores espirituais para ajudar funcionários em quarentena a lidar melhor com as pressões do trabalho e do lar
Por Nellie Bowles New York Times Publicado em: 03/10/2020(Publicado em Exame)
No princípio, foi a Covid-19, e a tribo do colarinho branco começou a alugar suas roupas, pois seus dias de trabalho eram um vazio, e todos os seus rituais haviam desaparecido. Novas rotinas vieram substituir as antigas, mas elas estavam dispersas, e havia um caos em torno da melhor maneira de sair de uma conversa no Zoom, receber um estagiário ou terminar uma semana de trabalho.
Aqueles à deriva ainda podem encontrar um propósito, pois um novo clero corporativo surgiu para formalizar a vida profissional remota. Eles têm nomes diferentes: consultores de rituais, designers do sagrado, anunciantes centrados na alma. Têm diplomas de escolas de divindade. Seus negócios tomam emprestado da tradição religiosa para trazer riqueza espiritual ao mundo corporativo americano.
Em tempos mais simples, as escolas de divindade enviavam seus graduados para liderar congregações ou realizar pesquisas acadêmicas. Agora, há um chamado mais vinculado aos escritórios: o consultor espiritual.
Aqueles que escolheram esse caminho fundaram agências – algumas com fins lucrativos, outras não – com nomes semelhantes: Sacred Design Lab, Ritual Design Lab, Ritualist. Eles misturam a linguagem obscura do sagrado com a linguagem também obscura da consultoria de gestão para fornecer aos clientes uma gama de serviços tendendo ao espiritual, desde a arquitetura até o treinamento de funcionários e o design.
Seu objetivo maior é suavizar o capitalismo cruel, abrir espaço para a alma e encorajar os funcionários a perguntar se o que estão fazendo é bom em um sentido mais amplo. Tendo visto a justiça social ser prontamente absorvida pela cultura corporativa, eles querem saber se mais empresas americanas estão prontas para a fé.
“Vimos marcas entrarem no espaço político”, disse Casper ter Kuile, cofundador do Sacred Design Lab. Citando um relatório da Vice, ele acrescentou: “O próximo espaço a ser preenchido em publicidade e marcas é a espiritualidade.”
Antes da pandemia, essas agências se estabeleceram ajudando empresas com design – refinando seus produtos, espaços físicos e branding. Também deram consultoria em estratégia, fluxo de trabalho e gestão de pessoal. Com os trabalhadores digitais presos em casa desde março, uma nova oportunidade surgiu.
Os empregadores perceberam que seus funcionários estão distantes uns dos outros e agitados, e buscam orientação para que possam se unir novamente. Agora, os consultores sagrados estão ajudando a inaugurar novos rituais para dias de trabalho disformes e tentando dar aos trabalhadores uma rotina que esteja imbuída de significado.
Ezra Bookman fundou a Ritualist, que se descreve como “uma consultoria butique que transforma empresas e comunidades por meio da arte do ritual”, no ano passado no bairro do Brooklyn, em Nova York. Para pequenas empresas, ele criou rituais para eventos, como a conclusão bem-sucedida de um projeto – ou, se houver fracasso, para um funeral. “Como ajudamos as pessoas a processar o luto quando um projeto fracassa, para que possam continuar?”, observou Bookman.
A tendência do consultor sagrado pode ser liderada pelos cofundadores do Sacred Design Lab – ter Kuile, Angie Thurston e Sue Phillips. Eles se conheceram na Escola de Divindade de Harvard, onde permanecem afiliados como bolsistas inaugurais do Ministry Innovation Fellows, e fundaram sua organização sem fins lucrativos em 2019.
Suas origens variam. Ter Kuile, que vive no Brooklyn e é um dos apresentadores de um popular podcast de Harry Potter, escreveu um livro sobre como “transformar práticas comuns e cotidianas – ioga, leitura, passeios com o cachorro – em rituais sagrados”.
Thurston, que vive em Alexandria, na Virgínia, já tinha trabalhado para encontrar conexão espiritual entre pessoas de diferentes crenças. Phillips, de Tacoma, em Washington, é ministra ordenada na tradição Unitária Universalista.
O que eles têm em comum é o fato de concordarem que as instituições religiosas tradicionais não estão funcionando e que a cultura corporativa é basicamente desalmada.
Na Escola de Divindade de Harvard, os estudiosos têm se dedicado à tendência do afastamento da religião organizada há décadas. Seu consenso é que, enquanto o comparecimento a serviços formais está em um nível histórico baixo, as pessoas ainda procuram significado e espiritualidade.
Dudley Rose, reitor associado de estudos ministeriais, observou que os espaços seculares estavam fazendo um trabalho surpreendentemente bom para que seja possível alcançar esse desejo.
“As pessoas estavam satisfazendo aquilo que identificaram como necessidades espirituais, mas em organizações que não tinham nenhuma conexão espiritual aparente. Como a SoulCycle (rede de academias de ginástica dos Estados Unidos). Elas citavam a SoulCycle”, disse Rose.
Ter Kuile, Thurston e Phillips viram o seguinte: se parte do trabalho religioso é encontrar pessoas necessitadas onde quer que estejam, então os inovadores espirituais devem ir ao local de trabalho.
“Independentemente do que você e eu possamos pensar sobre isso, o fato é que as pessoas participam do local de trabalho com um grande déficit em si mesmas no tocante ao pertencimento e à conexão com o além”, afirmou Thurston.
O trio do Sacred Design Lab usa a linguagem da fé e da igreja para falar sobre seu trabalho. Eles fazem referência à religião organizada como uma tecnologia para fornecer significado.
“A pergunta que fazemos é: ‘Como você traduz as tradições antigas que deram às pessoas acesso a práticas de significado, mas em um contexto que não está centrado na congregação?’”, contou ter Kuile.
A organização sem fins lucrativos diz que tem pensado em projetos sagrados para empresas como Pinterest, Ideo e Obama Foundation.
“Hoje, prestamos atenção aos lucros de uma empresa; a questão mais profunda é se o negócio enobrece ou degrada a existência humana. Encorajamos os funcionários a trazer preocupações morais para a conversa de negócios”
Phillips não vê corporações substituindo a religião organizada – mas, segundo ela, há uma oportunidade para as empresas trazerem às pessoas um pouco do significado que costumava derivar de igrejas, templos, mesquitas e afins.
As empresas que contratam consultores rituais podem pensar que estão oferecendo aos trabalhadores uma pequena vantagem. Aqueles por trás do movimento, porém, esperam uma revolução maior.
Os trabalhadores foram bem-sucedidos recentemente ao pressionar os empregadores a enfrentar o racismo sistêmico – algumas empresas estão investindo em empreendimentos que incluem negros e minorias – e os consultores de design do sagrado estão se perguntando se os funcionários também podem começar a exigir bondade espiritual.
Essa possibilidade foi o que atraiu Bob Boisture para os consultores de divindade. Ele é o executivo-chefe do Fetzer Institute, uma fundação sem fins lucrativos do Michigan que afirma que sua missão é “ajudar a construir a base espiritual para um mundo amoroso”, e que ajuda a financiar o Sacred Design Lab.
Boisture contou que espera que o trabalho do grupo possa permitir que funcionários corporativos articulem reclamações e interrompam projetos ou práticas que veem como imorais, mesmo que lucrativos.
“Hoje, prestamos atenção aos lucros de uma empresa; a questão mais profunda é se o negócio enobrece ou degrada a existência humana. Encorajamos os funcionários a trazer preocupações morais para a conversa de negócios”, disse Boisture.
Kursat Ozenc é um designer de produtos da gigante de software SAP. Ele escreveu “Rituals for Work” no ano passado, e em janeiro publicará uma espécie de continuação, “Rituals for Virtual Meetings”.
Ozenc aconselha incorporar interrupções reflexivas nas reuniões pelo Zoom. Ele sugeriu começar as conferências com um momento de silêncio. Recentemente, ficou sabendo de um ritual olfativo, no qual todos em uma reunião pegam um tempero comum da cozinha, como a canela, e o cheiram ao mesmo tempo para obter uma experiência sensorial em conjunto.
Phillips, a ministra, sugeriu o uso de uma estrutura repetitiva de reunião que pode ser calmante para os participantes. Uma ideia seria começar cada reunião de equipe com as mesmas palavras, uma espécie de encantamento corporativo.
Outros sugeriram que cada um dos trabalhadores acendesse uma vela no início de uma reunião, ou pegasse um objeto comum que todos provavelmente teriam em casa.
Jeffrey Lee, o bispo da Diocese Episcopal de Chicago, ajudou a organizar um retiro de três dias no ano passado com ter Kuile e outros. O objetivo deste era permitir que empreendedores espirituais pensassem com líderes religiosos tradicionais. Ele descreveu um participante como “um designer de experiência criando rituais potentes para executivos”.
Lee afirmou estar feliz por ver o impulso religioso em voga, mesmo em lugares em que a meta final é o lucro. “Estamos realmente cientes de que há um afastamento da observância religiosa, um declínio verdadeiramente histórico, por isso é uma coisa boa ver as pessoas com fome de rituais”, disse ele.
https://exame.com/carreira/a-busca-da-espiritualidade-e-proposito-nas-empresas-cresceu-na-pandemia/
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