Como ficam as finanças digitais no pós pandemia


Os governos precisam investir em infraestrutura digital, ampliar o acesso, proteger cidadãos e seus dados

Por Maria Ramos e Achim Steiner

08/09/2020 Valor Econômico

A crise atual e sem precedentes da covid-19 tem forçado bilhões de pessoas a trabalhar, se relacionar e consumir digitalmente. Esta mudança cria uma oportunidade histórica de revelar o potencial da digitalização para financiar um desenvolvimento inclusivo e sustentável.

A digitalização está transformando todos os aspectos das finanças. Mais de um bilhão de pessoas no mundo usam hoje plataformas móveis de pagamento, que estão transformando telefones móveis em ferramentas financeiras. As finanças digitais têm alavancado o big data e a inteligência artificial para apoiar avanços em criptomoedas e criptoativos, empréstimos de ponto a ponto, financiamento coletivo e mercados eletrônicos. Algoritmos vêm silenciando os barulhentos pregões, com muitas vendas de ações hoje feitas sem qualquer envolvimento humano.

O investimento na tecnologia financeira (fintech) vem alimentando esta transformação. Em 2018, o setor atraiu um valor recorde de US$ 120 bilhões em financiamento de capital de risco, ou um terço do total global. Além disso, investidores financeiros despejam anualmente dezenas de bilhões de dólares para estimular a tecnologia digital.

A pandemia vem se provando um enorme incentivo a estes avanços. Transferências digitais de recursos têm permitido aos governos oferecer apoio financeiro imediato a seus cidadãos. Plataformas de financiamento coletivo mobilizam recursos para a compra de equipamentos médicos e socorro emergencial. O empréstimo baseado em algoritmos acelera os recursos que salvam a vida de pequenas empresas. De modo semelhante, plataformas de e-commerce têm facilitado às pessoas comprar hoje e consumir depois como forma de apoiar o comércio local e preservar empregos.

Contudo, tais exemplos inspiradores mal arranham a superfície do que é ao mesmo tempo urgentemente necessário e possível. O mundo está literalmente inundado em trilhões de dólares. Em última análise, é dinheiro do povo, ganho e emprestado para depois ser gasto, poupado, investido e entregue a governos para que o usem em seu proveito. Em geral, porém, estes fundos não vão para o que a população quer e precisa. A desigualdade já vinha aumentando antes da crise, e agora está acelerando. Não só isso, o setor financeiro não está canalizando dinheiro e economias de modo eficiente para cuidar de desafios de desenvolvimento de longo prazo, como o aquecimento global e a destruição da biodiversidade.

A transformação digital pode alinhar melhor as finanças às necessidades das pessoas, o que se reflete nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em novembro de 2018, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, estabeleceu uma força-tarefa formada por líderes das comunidades financeiras, de políticas econômicas e de desenvolvimento para identificar maneiras de cultivar a digitalização para financiar os ODS. O painel já está concluindo suas considerações e apresentou seu relatório final ao secretário-geral, após ter mobilizado milhares de pessoas e instituições em diversos países.

A conclusão central da força-tarefa é que o potencial da transformação digital oferece uma oportunidade extraordinária de reiniciar as finanças públicas e privadas de modos que podem ajudar a cumprir os ODS. O chamado à ação do grupo busca envolver atores do mercado e tomadores de decisão, inclusive bancos central e instituições voltadas ao financiamento do desenvolvimento, para implantar a pauta de recomendações práticas da força-tarefa.

Esta pauta identifica cinco oportunidades sistêmicas para as tecnologias digitais melhorarem o impacto social e ambiental dos fluxos financeiros, e recomendam modos de avançar em cada um deles.

Para começar, a digitalização pode ter um papel crítico em garantir que os mercados globais de capital, que hoje têm uma avaliação de cerca de US$ 185 trilhões, tenham muito mais responsabilidade pelos riscos e resultados socioambientais. Segundo, o big data e as análises algorítmicas podem acelerar a liberação dos US$ 5,2 trilhões de financiamento anual exigidos pelas pequenas e médias empresas de países em desenvolvimento.

Terceiro, novos rumos digitais, dos dispositivos móveis à supervisão controlada por blockchain do investimento em infraestrutura, podem permitir aos cidadãos canalizar suas economias anuais – que triplicaram nas últimas duas décadas para mais de US$ 23 trilhões globalmente – para investimentos em energia limpa, transportes e saúde pública. Além disso, os países em desenvolvimento, que somados gastaram quase 20% do PIB global em nome de seus cidadãos, poderiam economizar de US$ 220 bilhões a US$ 320 bilhões por ano se digitalizarem seus pagamentos. Finalmente, o crescimento acelerado dos gastos do consumidor online estimula um uso maior de dados para incentivar o alinhamento com outros objetivos sociais e ambientais.

A força-tarefa também reconhece as barreiras e riscos envolvidos, sendo os mais óbvios os vãos excludentes na infraestrutura digital e uma distribuição desigual das capacidades. A digitalização corre o risco de perpetuar a discriminação contra mulheres e outros grupos. As finanças digitais, além disso, apresentam novas possibilidades de violações de dados, desvios e fraudes, e poderiam intensificar operações de curto prazo e concentração de mercado.

A pauta que propomos recomenda passos para lidar com vários destes problemas. Nacionalmente, os governos precisam investir em infraestrutura digital, ampliar o acesso, proteger cidadãos e seus dados, e alinhar ecossistemas de finanças digitais em evolução com um planejamento mais amplo de desenvolvimento sustentável. Além disso, os governos precisam colaborar internacionalmente para garantir que a governança global da tecnologia financeira seja inclusiva e responda a imperativos mais abrangentes de desenvolvimento.

As recomendações ambiciosas e práticas da força-tarefa chegam na hora certa. Ao permitir que as finanças digitais cresçam, o mundo pode lidar com os desafios e oportunidades decorrentes da crise atual e abordar necessidades de desenvolvimento no longo prazo. (Tradução de Fabrício Calado Moreira).

Maria Ramos, ex-executiva-chefe do Absa Group Limited, é copresidente da força-tarefa do Secretário-Geral da ONU para o Financiamento Digital dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis.

Achim Steiner, gestor do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, é copresidente da Força-Tarefa do Secretário-Geral da ONU para o Financiamento Digital dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis. Project Syndicate, 2020.

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https://valor.globo.com/opiniao/coluna/financas-digitais-no-pos-pandemia.ghtml

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