Aumento do uso de EPIs gera epidemia de lixo plástico pelo mundo


Aumento do uso de equipamentos de proteção contra o coronavírus gerou uma epidemia de lixo médico-hospitalar, que os governos não sabem como tratar

24/07/2020 Por Anna Gross — Financial Times, de Londres

Carmen Barrera pesca nas águas das Ilhas Canárias há quase uma década. Mas só nos últimos meses ela notou um grande número de luvas de borracha e outros itens de equipamentos de proteção individual (EPIs) que flutuam na água ou ficam presos em suas redes.

“Isso me preocupa muito”, disse Barrera ao “Financial Times”, de sua casa em Tenerife. “Desde que as pessoas começaram a usar luvas e máscaras, nós também começamos a vê-las no mar. O problema está em como as pessoas usam e descartam seu lixo.”

A produção de EPIs deu um salto nos últimos meses, pois prestadores de serviços de saúde têm comprado milhões de unidades para evitar a disseminação do coronavírus entre seus funcionários, e as pessoas passaram a usar máscaras e outros tipos de proteção para se resguardar melhor.

Mas, à medida que a emergência de saúde mundial passou a ocupar o centro das atenções, muitos acreditam que a luta para reduzir o lixo plástico foi deixada de lado por governos e consumidores.

“Os EPIs são a ponta de uma montanha de lixo plástico tóxico que ignoramos há anos”, disse Sian Sutherland, cofundador do A Plastic Planet, organização sem fins lucrativos que busca reduzir a dependência das pessoas do plástico.

Grande parte dos EPIs usados no mundo não é reutilizável e pode conter uma variedade de plásticos, de polipropileno e polietileno nas máscaras faciais e aventais até nitrilas, vinil e látex em luvas.

No entanto, há apenas algumas décadas quase todos os EPIs eram reutilizáveis, segundo Jodi Sherman, professora de Anestesiologia e Epidemiologia na Universidade de Yale. Ela explica que isso só mudou nos anos 1980, quando a indústria de equipamentos médicos descobriu o potencial lucrativo dos produtos descartáveis.

“Quanto mais coisas você joga fora, mais precisa comprar. Por isso, o fato de que as coisas não sejam duráveis é um modelo de negócios vantajoso”, disse Sherman.

Hoje, a vasta maioria dos EPIs é descartável, fabricada longe dos seus locais de uso e entregue no sistema “just in time”, para reduzir a necessidade de armazenamento e garantir que os suprimentos não passem da data de validade.

Pelas projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suprimento de EPIs precisaria aumentar em 40% ao mês para atender à demanda durante a pandemia, o que inclui uma estimativa de 89 milhões de máscaras, 76 milhões de pares de luvas e 1,6 milhão de óculos. A empresa de consultoria Frost & Sullivan previu que os Estados Unidos poderiam gerar o equivalente a um ano inteiro de resíduos médicos em apenas dois meses.

Mas só agora os governos começam a refletir sobre onde esses milhões de produtos vão acabar.

O Ministério da Saúde do Reino Unido admitiu que não é capaz de dizer como os 2 bilhões de unidades de EPIs que adquiriu serão descartados, mas informou que estava à procura de alternativas eficazes para os modelos não reutilizáveis.

Boa parte do lixo produzido na Europa é enviado para países como Indonésia e Turquia. Sutherland, do A Plastic Planet, chama isso de “o imperialismo do lixo”.

Em muitos países ocidentais os resíduos médicos perigosos costumam ser incinerados no local, para prevenir a transmissão de doenças infecciosas, num processo que pode liberar poluentes tóxicos.

“Fora queimá-los, não há nada que realmente possamos fazer. Eles foram projetado para serem descartados”, disse Sander Defruyt, chefe da equipe de plásticos da Ellen MacArthur Foundation, uma instituição de caridade.

Mas, conforme um número cada vez maior de pessoas comuns segue as orientações governamentais e usa equipamentos de proteção descartáveis, os EPIs também acabam nos fluxos de resíduos convencionais ou em centros de descarte a céu aberto.

De acordo com um relatório do World Wildlife Fund (WWF), mesmo que apenas 1% das máscaras seja descartado incorretamente, cerca de 10 milhões de unidades por mês acabarão no ambiente natural e poluirão rios e oceanos.

Para agravar o problema, as quarentenas por causa da covid-19 interromperam os sistemas de gestão de resíduos em todo o mundo e levaram a reduções drásticas no preço dos plásticos.

Mesmo antes da queda dos preços do petróleo neste ano, os preços dos plásticos mais comuns estavam nos seus níveis mais baixos em vários anos, em grande parte por causa do excesso de oferta. Os preços do polietileno de alta densidade despencaram quase pela metade desde o início de 2018, segundo a S&P Global Platts. Já os do polipropileno caíram em mais de um terço. E desde meados de 2019, o PET reciclado é mais caro do que seu equivalente bruto.

Nesse meio tempo, as políticas para restringir o uso de plásticos foram postas em compasso de espera. Vários governos adiaram a entrada em vigor de proibições de produtos descartáveis de plástico em meio aos temores em torno do contágio da covid-19, entre eles Reino Unido e Portugal.

Para especialistas, encontrar uma solução para o boom dos plásticos durante e após a pandemia exigirá um esforço conjunto de fabricantes e governos, para repensar e regular todo o ciclo de vida de produtos.

A Plastic Planet produz 1 milhão de máscaras protetoras sem plástico por semana, feitas de peças recicláveis e biodegradáveis, e as distribui por todo o mundo, inclusive em salões de beleza e restaurantes. 

Reutilizar os EPIs é outra opção. A professora Sherman, de Yale, diz que, no caso da maioria dos equipamentos médicos, não há evidências de que os pacientes estejam mais seguros com itens de uso único do que com reutilizáveis.

Como as ações dos governos e das empresas para cortar resíduos de EPIs foram limitadas nos últimos meses, ambientalistas afirmam que a busca por equipamentos recicláveis ou reutilizáveis é a melhor opção disponível para os consumidores que querem reduzir a sua pegada plástica.

Barrera, a pescadora, acredita que todos devem trabalhar juntos para que o mundo vire a maré do lixo plástico. “Populações e governos são os únicos que podem parar isso”, disse ela. “Precisamos optar por produtos mais ecológicos e sustentáveis e proibir o uso de plásticos descartáveis.”

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/07/24/aumento-do-uso-de-epis-gera-epidemia-de-lixo-plastico-pelo-mundo.ghtml

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Um comentário em “Aumento do uso de EPIs gera epidemia de lixo plástico pelo mundo

  1. Excelente artigo, amigo.
    Aqui em Brasília, existe um sistema de coleta seletiva, no Plano Piloto e nós Lagoa Norte e Sul. É uma ótima iniciativa, que ajuda o meio ambiente.

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