Ficar parado custa caro, mas é preciso previsibilidade fiscal para aproveitar essa rotação
Por Marcello Estevão – Valor – 18/12/2025
À primeira vista, o cenário global parece calmo. O crescimento mundial deve ficar perto de 3,1% em 2026, praticamente igual ao dos últimos anos. Mas essa estabilidade engana. A economia internacional está se reorganizando por dentro – silenciosamente, mas de forma decisiva – e países como o Brasil podem ganhar ou perder espaço dependendo de como respondam a esse movimento.
O novo Capital Flows Report do IIF mostra que a estabilidade global não decorre de inércia, mas de um revezamento entre motores regionais. Os Estados Unidos desaceleram sem colapsar. Europa e Japão, antes fontes de fragilidade crônica, mostram recuperação moderada porém mais firme. A China vive uma perda estrutural de dinamismo, pressionada por excesso de capacidade, demografia e um ajuste imobiliário prolongado. Em compensação, Índia, Indonésia, Vietnã, Malásia e Filipinas ganham força, movidas por serviços digitais, investimentos industriais e realocação de cadeias produtivas. O mundo cresce porque suas peças internas se movem – e não porque seguem juntas no mesmo ritmo.
Os fluxos de capitais reforçam esse quadro. Em 2025, os emergentes receberam US$ 1,18 trilhão em investimentos não residentes. Mas boa parte desse número veio de fatores pontuais no Leste Europeu e na Ásia que perdem força em 2026. O ponto central é que a queda quase total dos fluxos para a China distorce o agregado global. Quando se exclui a China, os demais emergentes continuam recebendo capital em intensidade semelhante à dos anos pré-pandemia. Ou seja, o dinheiro não sumiu – ele mudou de direção.
E a nova direção favorece países com previsibilidade macroeconômica e capacidade de absorver investimento. O México se destaca pelo nearshoring. Chile e Peru sofrem mais com a desaceleração chinesa, mas mantêm fundamentos externos sólidos. A Colômbia enfrenta pressões fiscais, mas não perdeu totalmente a confiança dos mercados. A Argentina tenta reconstruir credibilidade após anos de instabilidade. A região como um todo é heterogênea, mas menos vulnerável que no passado, quando choques globais se traduziam automaticamente em crises sincronizadas.
Para o Brasil, esse mundo em transição abre oportunidades reais, mas também evidencia fragilidades conhecidas. O país preserva fundamentos externos robustos, com exportações diversificadas, reservas amplas e um sistema financeiro sofisticado. Mas essas fortalezas convivem com incerteza fiscal persistente que amplia o prêmio de risco. Revisões sucessivas de metas e a dificuldade de traçar um caminho convincente para estabilizar a dívida limitam a conversão de condições externas favoráveis em investimento interno. Em um ambiente em que o capital se tornou mais seletivo, previsibilidade fiscal virou ativo estratégico – e diferencial competitivo.
A transformação do papel da China ajuda a explicar por que isso importa tanto. O país ainda gera grandes superávits externos, mas não os recicla mais como reservas internacionais. Agora, empresas e famílias chinesas investem diretamente no exterior. Isso reduz uma das forças silenciosas que comprimiam juros de longo prazo e torna os fluxos mais sensíveis a retornos e confiança. Para o Brasil, isso significa que oportunidades existirão – mas serão capturadas apenas por economias que ofereçam clareza regulatória, estabilidade institucional e projetos de investimento bem estruturados. A competição por esses fluxos será cada vez mais intensa à medida que as restrições fiscais e energéticas se tornam determinantes para a decisão dos investidores.
Ao mesmo tempo, a Ásia amplia sua vantagem competitiva. O Vietnã captura partes cada vez maiores das cadeias industriais. A Índia avança com uma economia digital pulsante e crescente integração financeira. Coreia e Malásia se beneficiam do ciclo tecnológico e constroem capacidades em semicondutores e infraestrutura digital. Essa movimentação redefine o mapa global de produção e tecnologia – e também o de capitais.
Outro elemento crucial do relatório é o papel das condições financeiras globais. Apesar de juros ainda restritivos nas economias avançadas, a queda da volatilidade em 2024-25 facilitou emissões de dívida de países emergentes e reduziu a aversão ao risco. Vários países latino-americanos retornaram ao mercado internacional com relativa facilidade, inclusive aqueles em processos de reforma mais incipientes. Isso reforça a ideia de que credibilidade macroeconômica básica continua sendo o melhor amortecedor contra choques internacionais e a chave para captar o capital que hoje circula de maneira mais seletiva e estratégica.
A fronteira tecnológica é outro eixo determinante dessa rotação. O investimento americano em infraestrutura de IA – data centers, chips avançados e expansão de redes – está no início, mas já reorganiza cadeias produtivas. Apenas poucos emergentes têm energia confiável, mão de obra qualificada e regulação estável para atrair esse tipo de investimento. A América Latina, salvo exceções, ainda não se posicionou. O Brasil, no entanto, tem potencial: capital humano, base científica e escala de mercado. Falta alinhar política energética, digitalização e segurança jurídica para disputar essa nova etapa global antes que ela se consolide em outros centros.
Mesmo diante de tantas mudanças simultâneas, o sistema financeiro internacional tem mostrado resiliência. A incerteza fiscal nos EUA persiste. A crise imobiliária chinesa continua. Tensões no Oriente Médio encarecem transporte e seguros. Ainda assim, não houve fuga generalizada dos emergentes. Os ajustes ocorreram pelo câmbio, pelos spreads e pelo custo do hedge – não por interrupções bruscas de financiamento. Isso indica que a economia global hoje depende menos de um único motor e conta com mais pontos de apoio regionais, uma mudança profunda em relação ao padrão das décadas anteriores.
Para o Brasil, a lição é direta: o mundo está mudando de eixo. Capitais, tecnologia e cadeias produtivas estão se reorganizando. Aproveitar essa rotação não exige um cenário externo perfeito; exige previsibilidade fiscal, uma agenda clara de produtividade e um plano realista para inserir o país nas novas cadeias digitais e energéticas. Em um mundo que gira, ficar parado custa caro. Entrar no ritmo pode valer muito mais do que imaginamos – e o tempo para decidir como participar desse novo ciclo global está se encurtando.
Marcello Estevão, PhD no MIT, é diretor-gerente e economista-chefe do Institute of International Finance e professor da Universidade de Georgetown em Washington, DC. Foi Secretário para Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda
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