IA escancara a criatividade automatizada e adaptada às demandas do mercado


Por Paulo Silvestre – Estadão – 09/10/2025 

Tilly Norwood, “atriz” criada totalmente por inteligência artificial – Foto: reprodução

Como costumo dizer, uma das coisas mais interessantes de pesquisar a inteligência artificial é que ela me leva a analisar as sutilezas e complexidades do ser humano. E à medida que novas aplicações dessa tecnologia são lançadas, surgem questionamentos sobre, por exemplo, até onde ela pode substituir nossas habilidades com vantagens, e quando isso pode se tornar um risco.

Por exemplo, no dia 27 de setembro, o estúdio inglês Particle6 anunciou Tilly Norwood, uma “atriz” totalmente digital, durante o Festival de Cinema de Zurique. A novidade esquentou o debate sobre a troca de profissionais humanos por robôs e até onde essa tecnologia pode ser efetivamente criativa.

O sindicato dos atores de Hollywood condenou a iniciativa, afirmando que “a criatividade é e deve permanecer centrada no humano”. A crítica é ética, porque o modelo que gerou Tilly foi treinado com performances de atores reais, sem consentimento ou remuneração, e existencial, porque ela representa a substituição simbólica e econômica de artistas por simulacros digitais, capazes de encenar emoções sem jamais tê-las vivido.

A criadora de Tilly, a produtora holandesa Eline Van der Velden, explicou que a personagem foi concebida para provocar reflexão. Ainda assim, a reação de Hollywood mostra o incômodo com a fronteira da própria noção de criatividade, que a tecnologia parece disposta a atravessar.

O historiador americano Samuel Franklin, pesquisador da Universidade de Tecnologia de Delft (Holanda) e autor de “The Cult of Creativity” (2023, ainda não lançado em português), observa que, a partir do século XX, a criatividade foi sendo moldada como valor dentro das corporações modernas. De dom raro, tornou-se um ativo estratégico, mensurável e explorável.

Surgiu o mito do “gênio empreendedor”, aquele indivíduo que, com intuição e ousadia, muda o mundo de dentro de uma startup. O Vale do Silício tornou-se o altar desse culto, onde o sucesso econômico se confunde com inovação criativa e onde algoritmos se tornam instrumentos da imaginação.

Paradoxalmente, ao transformar a criatividade em mantra corporativo e cultural, ela perde substância. O discurso de “pensar fora da caixa” serve para manter as pessoas dentro dela, produtivas e previsíveis. Criatividade virou produto, e assim passou a ser otimizada e, agora com a IA, automatizada.

A própria educação reflete esse esvaziamento quando propõe formar pessoas criativas sem ensinar fundamentos, estimular reflexão estética, pensamento crítico ou cultura. O resultado disso são bons executores de ideias alheias.

É aí que o debate em torno da IA esquenta. Franklin propõe que não se deve questionar se a IA é criativa, mas se ela pode ser sábia e honesta. Uma máquina pode simular originalidade, mas não discernimento. A sabedoria envolve julgamento, empatia e consciência, qualidades intrinsecamente humanas.

Tilly Norwood não ameaça, portanto, apenas atores, mas o próprio sentido de criação. Ela põe à prova nossa tolerância com o simulacro e representa o ápice do culto à eficiência estética, sem imperfeições tipicamente nossas.

A forte oposição à “atriz” denuncia como o fascínio tecnológico pode ignorar direitos de artistas reais, reproduzindo um modelo excludente e explorador. No limite, o culto ao progresso ameaça a experiência humana que o torna possível.

Esse caso vai muito além de uma curiosidade tecnológica, escancarando as contradições do culto à criatividade. Ela representa o estágio final da criatividade automatizada, sem autoria, sem subjetividade, mas perfeitamente adaptada às demandas de entretenimento, eficiência e lucro. É a vitória do conceito de criatividade como produto replicável, não como experiência singular

Opinião por Paulo Silvestre

É doutorando em inteligência artificial e mestre em reputação digital pela PUC-SP. Articulista do Estadão, atua como consultor e palestrante de IA, experiência do cliente e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP. Foi executivo do Estadão, Samsung, AOL, Saraiva e Editora Abril, e é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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