A inteligência artificial vai transformar economias e setores inteiros, mas ela deixará de diferenciar empresas quando todos a dominarem. A diferenciação duradoura continuará tendo, como base, o elemento de sempre: a criatividade humana
David Wingate, Barclay L. Burns e Jay B. Barney – MIT Sloan Review – 31 de agosto de 2025
Não há dúvida de que a inteligência artificial transformará o cenário competitivo dos negócios. Ela vai simplificar processos, aumentar a produtividade do trabalhador, redefinir conjuntos de habilidades valorizadas e liberar o potencial dos dados.
Mas a IA também se tornará mais onipresente. Algoritmos e dados de treinamento estão virando commodities. A competição de hardware é acirrada, o talento é abundante e os modelos de código aberto atropelam as ofertas corporativas – e são confiáveis.
A IA se tornará cada vez mais barata de implantar, e a concorrência exigirá que as empresas a adotem. Embora seja impossível prever exatamente como ela vai transformar nossa economia, uma coisa é clara: todas as organizações vão querer isso, e não há nenhuma razão para que não consigam.
É tentador para uma empresa acreditar que, de alguma forma, ela se beneficiará da IA enquanto outras não. Mas a história ensina uma lição diferente: qualquer avanço tecnológico sério acaba se tornando igualmente acessível a todos. Computadores pessoais, internet, sequenciamento genético e semicondutores, por exemplo, não são mais vantagens competitivas para ninguém.
A IA é semelhante, e seu caminho rumo à onipresença deve nos levar a repensar nossas suposições sobre como ela mudará – ou não – a dinâmica competitiva. É fácil pintar um quadro de um futuro brilhante e orientado por IA, com riquezas incalculáveis prontas para serem aproveitadas. É igualmente fácil acreditar que as empresas que investem pesado nessa tecnologia ou que são as primeiras a acreditar nela colherão a maior parte dos lucros potenciais.
Tais narrativas obscurecem um ponto crítico. Sem dúvida há vantagens competitivas transitórias na adoção da IA, mas isso não muda os fundamentos do que gera uma vantagem competitiva sustentável.
Afinal, como algo pode ser vantajoso em relação à concorrência quando todo mundo tem acesso àquilo? Não dá.
O valor que a IA desbloqueia para uns será desbloqueado para todos. As vantagens que ela traz serão conferidas a todo mundo. Por definição, se todos tiverem acesso à mesma tecnologia – mesmo que seja nova e valiosa –, ela pode trazer mudanças para o mercado como um todo, mas não beneficiará ninguém de maneira exclusiva.
Longe de ser uma fonte de diferenciação, a inteligência artificial será uma fonte de homogeneização. Ela poderá desbloquear novas possibilidades criativas, ajudando a gerar novas ideias de produtos, por exemplo? Sim, e todos que a usam poderão impulsionar seus processos criativos da mesma forma.
A IA poderá desbloquear novos ganhos de produtividade, transformando o desenvolvimento de software tradicional? Sim, e todos que desenvolvem software terão acesso a esses mesmos ganhos.
A IA poderá desbloquear possibilidades analíticas, trazendo à tona novos padrões nos dados, por exemplo? Sim, e todos com dados semelhantes chegarão a conclusões semelhantes baseadas em IA.
Parte do valor da IA é que ela é digital. Portanto, é fundamentalmente copiável, escalável, replicável, previsível e uniforme.
O pensamento realista sobre essa homogeneização mostra onde uma empresa deve buscar vantagens estrategicamente. O efeito nivelador da IA ampliará a importância do que chamamos de heterogeneidade residual – a capacidade de uma empresa de ir além do que é acessível a todas as outras e criar algo único. Não basta apenas ter IA, é preciso ir além disso.
Portanto, a chave para desbloquear a vantagem sustentável é a mesma de sempre: as empresas devem cultivar a criatividade, a motivação e a paixão. Essa criatividade deve ser técnica, envolvendo pesquisa e desenvolvimento. Deve incluir novas maneiras de usar a IA.
Mas também conceber novas parcerias e encontrar maneiras de se conectar com os clientes. Esses são os mesmos pilares de inovação que sempre distinguiram as grandes empresas. A IA não muda nada disso.
A chave para a vantagem sustentável é a mesma de sempre: criatividade, motivação e paixão
Obstáculos à diferenciação competitiva
A IA pode estar no centro de um produto, de uma estratégia ou até mesmo de uma empresa. Mas ela não pode estar no centro de uma vantagem competitiva sustentável.
Testá-la em relação aos três aspectos definidores revela por quê:
- Para ser sustentável, uma vantagem deve ser valiosa, exclusiva de uma organização e inimitável por outras empresas. Se uma tecnologia é valiosa, mas não única, então isso não é vantagem.
- Da mesma forma, se uma tecnologia é exclusiva de uma empresa, mas não é valiosa, não se trata de uma vantagem.
- Se uma tecnologia é valiosa e exclusiva de uma empresa, mas pode ser imitada por outras, ela não confere uma vantagem sustentável.
Não temos dúvidas de que a IA é valiosa. Mas ela falha nos outros dois testes: não é exclusiva de nenhuma empresa e não é inimitável.
Por que uma organização pode acreditar que os benefícios da IA de alguma forma se revelarão para ela, mas não para seus concorrentes? Alguns motivos incluem acesso a capital ou hardware, novos algoritmos, modelos avançados, talento superior em engenharia ou dados proprietários.
Dissecar cada uma dessas razões revela que nenhuma se sustenta no longo prazo. É verdade que as empresas com acesso a mais capital e às maiores bases de unidades de processamento gráfico (GPU, na sigla em inglês) estão treinando os maiores e mais capazes modelos de IA.
Mas as leis de dimensionamento garantem retornos decrescentes e, portanto, modelos de linguagem cada vez maiores serão necessários. Novos modelos, como GPT-4 e Gemini, são apenas um pouco melhores do que seus antecessores, mas exigiram investimentos maciços em data centers e equipes de engenharia.
Poucos setores progridem de maneira tão confiável quanto o de semicondutores. É apenas questão de tempo até que o hardware necessário para treinar até mesmo modelos de última geração se torne mais acessível.
Mas também não está claro se precisamos esperar: modelos menores, mais baratos e que podem ser treinados com relativa facilidade estão cada vez melhores. Os modelos de hoje, com apenas 7 bilhões de parâmetros, funcionam tão bem quanto os de ontem com 70 bilhões de parâmetros.
Outros fatores estão mostrando convergência e comoditização semelhantes. É o caso dos modelos matemáticos e dos algoritmos de treinamento no centro da IA. A comunidade de pesquisa dessa tecnologia tem um forte histórico de compartilhamento de inovações e publicação de resultados, arquiteturas e estruturas de software importantes. Essa cultura de abertura, combinada com um forte interesse acadêmico na IA, garante que todos os interessados tenham acesso rapidamente às novidades.
O mercado de trabalho também está extraordinariamente fluido. Entre os programas de ciência da computação, há mais doutores em IA surgindo do que em qualquer outra especialização. A ciência da computação e a IA também são únicas entre as disciplinas em termos do grande volume de materiais online disponíveis gratuitamente. Não haverá escassez nem de talentos de ponta nem de iniciantes.
Talvez a arma mais forte que protege a vantagem da IA de uma empresa sejam os dados proprietários, mas, mesmo aqui, pressões exclusivas estão demolindo sua condição de inimitáveis. Os mesmos conjuntos de dados (abertos ou licenciados) servem de base para se treinar quase todos os modelos. Os dados sintéticos estão em ascensão e, embora ainda não sejam um verdadeiro substituto para os dados reais, já estão melhorando os modelos e reduzindo seus custos.
Todos concordam que os modelos de IA são estatisticamente ineficientes e exigem mais dados do que deveriam. A comunidade de pesquisa está trabalhando para corrigir isso, sugerindo que apenas ter big data não será proteção suficiente por muito tempo.
Os modelos de IA também estão se tornando generalistas e mesmo assim podem ser adaptados para tarefas proprietárias. A interseção dessas tendências sugere que apenas uma pequena quantidade de dados proprietários será necessária para adaptar os modelos para executar novas funções.
A redução dos custos de implementação da IA, combinada com uma convergência geral dos recursos de tecnologia, é um sinal claro. As empresas precisam procurar vantagens sustentáveis em outro lugar.
Para ser sustentável, uma vantagem (ainda) deve ser valiosa, única e inimitável
O valor da heterogeneidade residual
Onde uma empresa deve buscar vantagem competitiva? A chave é lembrar a natureza fundamental da inovação, que permanece a mesma, independentemente de como qualquer tecnologia remodela a sociedade: a criatividade no limite do que é possível.
À medida que a IA homogeneíza produtos e serviços, o maior valor estará na heterogeneidade residual. Vejamos um exemplo: atualmente, várias startups estão correndo para usar IA generativa para criar terapeutas digitais de saúde mental de baixo custo.
Essas empresas serão inovadoras disruptivas clássicas, dominando facilmente a parte inferior do mercado, preenchendo a demanda não atendida por terapia. A natureza dos modelos de linguagem garante que esses produtos sejam baratos e escaláveis e competirão bem com terapeutas humanos em ambientes de baixo risco.
Mas todas essas empresas se basearão em plataformas de IA fornecidas por gigantes da tecnologia (ou modelos de código aberto mais baratos). Essas plataformas são mais semelhantes do que diferentes e, como resultado, todos esses terapeutas de silício terão o mesmo desempenho.
Qual provedor vai se destacar no mercado? Inicialmente, pode ser a empresa que desenvolve o melhor prompt, testa mais minuciosamente seu sistema para erradicar comportamentos prejudiciais ou ajusta as melhores transcrições de terapia do mundo real.
Mas, em última análise, a vantagem sustentável irá para as empresas que investirem em fatores além da tecnologia de IA. Pode ser aquela que cultiva novos relacionamentos comerciais que forneçam acesso a pacientes-alvo. Ou a que constrói uma rede de clientes por meio de referências baseadas em relacionamentos. Pode até ser aquela que fornece serviços mais acessíveis por meio das redes sociais.
Seja o que for, seu diferencial não será um avanço na própria IA. Essa vantagem vai evaporar rapidamente.
Análises semelhantes se aplicam a empresas que usam IA para gerar automaticamente materiais de marketing, impulsionar a descoberta de medicamentos ou revolucionar a criação de conteúdo artístico. O valor a longo prazo sempre estará naqueles que estão se diferenciando no limite do possível.
Isso ocorre porque, embora a IA seja excelente na interpolação, ela ainda fica atrás dos humanos na extrapolação. Os algoritmos de IA são hábeis em encontrar padrões em seus dados de treinamento e em combinar e recombinar esses padrões de maneiras novas e interessantes.
Por exemplo, as ferramentas de arte de IA generativa se destacam em copiar o estilo de artistas reais, podendo até misturar vários estilos existentes. Mas elas sofrem para definir estilos novos e originais. Da mesma forma, os modelos de linguagem podem produzir fatos aritméticos, mas não podem resolver problemas arbitrários, porque não constroem um modelo de mundo capaz de extrapolação.
Em contraste, as características fundamentais da inteligência humana – a capacidade de ver novas possibilidades, forjar conexões inesperadas e dar saltos de lógica – ainda são incomparáveis. A criatividade será a maior fonte de vantagem sustentável com a qual as empresas podem contar em um mundo incerto, e as empresas não devem perder de vista as pessoas e os relacionamentos que movem essa criatividade.
INVESTIR NO POTENCIAL INDIVIDUAL INEXPLORADO, PROMOVER TREINAMENTO e qualificação e recompensar a inovação resultará em capital humano que pode sustentar as empresas. Isso independe de como será o cenário tecnológico. As grandes empresas que foram construídas antes da era da IA precisam se lembrar do que – e de quem – as levou até lá. Motivação, paixão e engenhosidade ainda são exclusivamente humanas, e desenvolver e concentrar essa energia onde ela mais importa deve ser um elemento-chave de qualquer estratégia de negócios de longo prazo.
David Wingate, Barclay L. Burns e Jay B. Barney
David Wingate é professor de machine learning e IA na Brigham Young University (Estados Unidos). Barclay L. Burns é subdiretor de IA aplicada na Smith School of Engineering and Technology da Utah Valley University (EUA) e membro da University of Cambridge Judge Business School (Reino Unido). Jay B. Barney é professor de gestão estratégica e empreendedorismo na Eccles School of Business da University of Utah (EUA).
No futuro próximo, IA não dará vantagem a ninguém – MIT Sloan Management Review Brasil
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