Planejamento estratégico e investimento em pessoal tornaram o gigante asiático o segundo país mais poderoso na área. Nós tentamos fazer o mesmo, mas ainda encontramos dificuldades pelo caminho
Por João Paulo Vicente – Estadão – 07/06/2025
De longe, o DeepSeek parece ter aparecido do nada. Em termos de capacidade, o novo modelo de inteligência artificial (IA) lançado pela empresa chinesa homônima estava ombro a ombro com o ChatGPT e outras ferramentas do tipo. A diferença é que ele foi treinado por uma pequena fração do investimento e com muito menos poder computacional do que competidores ocidentais. O mundo e o mercado ficaram chocados. Em poucos dias, empresas de tecnologia dos EUA perderam quase US$ 1 trilhão de valor de mercado.
Mas para quem acompanhava de perto, foi só mais um resultado de um planejamento estratégico bem-sucedido por parte da China. Um plano cujo objetivo é fazer do gigante asiático o líder global em IA até 2030. E que pode mostrar ao Brasil o que é necessário para seguir um caminho semelhante — é difícil precisar o quanto estamos atrás da potência asiática, mas especialistas estimam em pelo menos uma década. Considerando que os primeiros planos chineses com relação à IA são de 2015, a estimativa não soa absurda.
Na prática, os EUA ainda são líderes na área. Mas em 2023, quase 70% das patentes registradas e 86% das pesquisas científicas publicadas sobre IA foram chinesas, um domínio em pesquisa e inovação que aconteceu ao longo da década de 2010.
Para tornar feitos como o DeepSeek possíveis, a China estabeleceu há pelo menos dez anos políticas de desenvolvimento focadas na base tecnológica necessária para alavancar a IA. Além disso, investiu na formação de um volume gigantesco de pesquisadores e desenvolvedores. E tudo isso aconteceu em um cenário em que o país ainda está muito longe dos EUA em acesso aos equipamentos mais sofisticados para produção de tecnologia na área.

É a mesma dificuldade de acesso a chips e semicondutores de que sofre o Brasil. Por aqui, no entanto, ainda há um déficit grande de pessoal, e a primeira medida estrutural do governo para desenvolvimento de IA, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), começou a ser executada na prática apenas neste ano. “O sucesso que a China tem hoje em dia é o resultado de mais de dez anos de política industrial muito focada e muito bem acertada”, diz Luca Belli, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Rio.
“Uma inspiração que podemos tirar do exemplo chinês é que eles estudam muito. Analisam todas as experiências estrangeiras para entender o que está dando certo, por que e como replicar com características chinesas”, continua Belli. Eles começam copiando e depois tomam a ponta.
Planejamento sistêmico
O Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial de Nova Geração da China, que prevê liderança global até 2030, foi lançado em 2017. Mas antes disso, iniciativas como Internet Plus e Made in China 2025, ambas de 2015, já colocavam como prioridade do governo chinês o desenvolvimento de capacidades industriais que serviram de base para a digitalização do país e implementação da IA em larga escala.
“São planos suplementares que visam o aumento do investimento e direcionamento estratégico em setores fundamentais para ter uma IA na vanguarda global”, explica Alcides Peron, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esses setores dizem respeito a telefonia móvel e conectividade, cabeamento de fibra óptica submarina, servidores e data centers, robótica, desenvolvimento de software e redes neurais, entre outros.
Não há dados precisos sobre o volume total de investimento estatal da China neste campo, mas um levantamento da Universidade Stanford sobre a economia chinesa indica que entre os anos de 2000 e 2023 fundos ligados aos governos central e regionais chineses aplicaram US$ 912 bilhões em indústrias estratégicas como IA.
“Mas não é só um plano topdown, você tem o governo estabelecendo prioridades e dando estímulos financeiros para que essas prioridades sejam alcançadas, e também empresas que competem entre si por inovação em um ecossistema que é brutal”, diz Claudia Trevisan, diretora executiva do Conselho Empresarial Brasil-China. Neste sentido, o investimento privado chinês em IA somou US$ 119 bilhões entre 2013 e 2023, segundo o The AI Index Report de 2025, de Stanford. No mesmo período, o Brasil somou US$ 2 bilhões em investimento privado em IA, montante semelhante ao de Áustria, Argentina e Irlanda.
Luca Belli define o planejamento e execução dessas ações por parte da China como uma “visão sistêmica”. “O que falta no Brasil é essa visão sistêmica”, afirma. Isso seria a capacidade de, a partir do momento que se compreende as complexidades envolvidas em alcançar determinado objetivo, traçar uma estratégia e segui-la para ter sucesso. “Falta claramente ao Brasil, mas na verdade falta à maioria dos países do mundo. Somente China e EUA conseguem fazer isso.”
Mesmo que nos EUA isso seja feito em grande parte pelo setor privado, o professor da FGV ressalta que o governo tem papel indispensável no apoio da política industrial financiando pesquisas de base. É um argumento reforçado por Alcides Peron. “Não se desenvolve IA sem o Estado. Não existe essa fantasia, esquece”, diz.
O PBIA, apresentado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2024, prevê o investimento de R$ 23 bilhões até 2028, além de uma série de ações distribuídas em cinco eixos: infraestrutura e desenvolvimento, educação e formação, inovação empresarial, serviços públicos, regulação e governança. Além disso, há diversas outras iniciativas governamentais ligadas a digitalização e avanço industrial. A coordenação de tudo isso está a cargo do Comitê Interministerial para a Transformação Digital (CITDigital), reativado pela Casa Civil em abril, com participação de diversos órgãos e empresas públicas.
Ainda que visto como um marco importante por pesquisadores e profissionais do setor, o PBIA também desperta desconfianças em relação a como será implementado — a já citada falta de visão sistêmica. Dentro do MCTI, a perspectiva é diferente. “A nossa expectativa é de que seja um plano de Estado, não um plano de governo”, diz Hugo Valadares, diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do Ministério. “Como há metas muito bem determinadas e recursos que são aplicáveis nessas diversas áreas, temos tranquilidade para falar que veio para ficar.”

Recursos escassos, pessoal competente
“O DeepSeek não foi novidade, quem acompanhava já via a avalanche de publicações da China”, diz Anderson Amaral, fundador da empresa de IA Scoras, que em 2024 já previa a dominância do país asiático na área. E não é só o DeepSeek. Empresas chinesas ganham destaque tanto com IAs conversacionais, como o Qwen, da Alibaba, quanto em aplicações da tecnologia em outros setores, como cidades inteligentes, robótica e carros autônomos.
“A China, no entanto, ainda não conseguiu atingir suas metas de desenvolvimento de semicondutores mais avançados”, conta Claudia Trevisan, do Conselho Empresarial Brasil-China. Um reflexo disso é que o país importa mais semicondutores do que petróleo em termos financeiros. Para complicar, ainda há restrições de acesso aos equipamentos de ponta.
“O DeepSeek não foi novidade, quem acompanhava (o setor) já via a avalanche de publicações da China”
Anderson Amaral
fundador da IA Scoras
O caminho para compensar essa deficiência em infraestrutura de computação é inventividade e excelência matemática, computacional e física, explica Anderson Amaral. “Se você vir o artigo do DeepSeek, aquilo é uma obra de arte”, afirma ele. Não há provas de que os números anunciados pela empresa chinesa sejam verdadeiros, mas na indústria comenta-se que foi treinado com US$ 6 milhões, contra US$ 100 milhões gastos pela OpenAI na última versão do ChatGPT — e com um terço do poder computacional usado pela Meta em um dos modelos da sua IA, o Llama.
O Brasil tem ainda menos acesso a infraestrutura computacional em relação à China, mas este exemplo deixa claro como é possível alcançar resultados significativos com inventividade e pessoal competente. “O DeepSeek mostrou para o mundo que a IA não tem dono ainda, que você consegue fazer com muito menos recursos computacionais, mas não recursos humanos”, fala Teresa Ludermir, professora titular de inteligência artificial do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Nos últimos anos, a China tem aberto inúmeros cursos superiores em IA e há até aulas sobre o tema para o ensino fundamental. O Brasil, por outro lado, abriu neste ano a quinta graduação pública ligada à área, justamente no CIn da UFPE.

O reflexo desse investimento em educação pode ser visto no DeepSeek, cuja equipe de desenvolvimento é toda formada no país asiático. Por outro lado, especialistas citam o intercâmbio constante e universidades europeias e norte-americanas como essenciais para a ampliação de conhecimento.
Pesquisadora e depois professora no King’s College de Londres entre o final dos anos 1980 e o começo dos anos 1990, Teresa Ludermir, da UFPE, conta que já naquela época havia muitos chineses estudando IA e áreas conexas na universidade. Anos depois, conforme a China acelerava sua estratégia para liderança no setor, ela viu um movimento no sentido oposto.
“Nos últimos 10, 15 anos, eu acompanhei a volta dos grandes pesquisadores chineses para a China”, conta ela. “E a eles não era dado um laboratório de pesquisa. Eram dadas quase cidades inteiras para atrair outros chineses que estivessem mundo afora. A China conseguiu virar porque tinha gente. Gente capacitada para correr atrás.”
Desenvolvimento seguro
Um dos pilares dos planos de IA da China está ligado a governança e regulação. São diretrizes que reconhecem determinados riscos envolvidos no desenvolvimento e aplicação de IA, ou seja, equilibram a necessidade de investir com preocupações relativas à expansão do setor e a eventuais necessidades de controle para certos usos.
De novo, uma visão sistêmica de como impactar o desenvolvimento de tecnologia por meio de políticas públicas, que se estende inclusive para além das fronteiras chinesas. “Eles estão ocupando espaços-chave em diversos setores globais de governança da IA”, explica Alcides Peron, da Unicamp.
“Acompanhei a volta dos grandes pesquisadores chineses para a China. E a eles não era dado um laboratório. Eram dadas quase cidades inteiras (…) A China conseguiu virar porque tinha gente capacitada para correr atrás”
Teresa Ludermir
professora de IA na UFPE
É uma forma de expandir o modelo local de desenvolvimento de IA para um cenário global. E, conforme isso acontece, o país amplia a capacidade de influenciar a maneira pela qual as infraestruturas mundiais continuam a ser criadas e geridas.
“O que deveria ser feito (no Brasil) é replicar a estratégia chinesa com características democráticas brasileiras, esse deveria ser o objetivo”, diz Luca Belli, da FGV. “O problema é que não é fácil. E já aí encontramos o primeiro obstáculo. Os resultados desse tipo de planejamento demoram pelo menos uma década para serem alcançados.”
A China caminha para dominar a IA; veja o que o Brasil pode aprender com eles – Estadão
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