Vício da China em manufatura ameaça retomada do crescimento econômico


Projetos de novos parques industriais colocam em xeque modelo chinês de crescimento e podem provocar nova onda deflacionária

Por Joe Leahy e Wenjie Ding, William Langley e Haohsiang Ko — Valor/Financial Times – 05/08/2025 

O novo parque industrial nos arredores de Tangshan, uma cidade industrial e siderúrgica perto de Pequim, tem grandes ambições de atrair as empresas de alta tecnologia mais avançadas do país.

Mas o complexo, em grande parte vazio e cercado por campos verdes de milho, atraiu apenas algumas produtoras de autopeças, um fabricante de estojos de munição e uma empresa de equipamentos para cobrança eletrônica de pedágio. A recepção, revestida de mármore, estava às escuras quando o Financial Times chegou, sugerindo que visitantes são raros.

Isso, porém, não desanima as autoridades locais. Ao acender as luzes do saguão e revelar uma maquete arquitetônica detalhada do parque industrial, um representante do governo local que se identifica apenas como Zhao diz que o objetivo é atrair indústrias que representem o que o presidente da China, Xi Jinping, chama de “novas forças produtivas de qualidade”, como fabricantes de veículos elétricos e baterias. Tangshan, acrescenta, “está buscando uma transição da manufatura tradicional para indústrias de alta tecnologia”.

Complexos semelhantes se multiplicam em centenas de cidades de menor porte em toda a China. Autoridades locais, desesperadas para cumprir metas de crescimento do PIB após um forte declínio do setor imobiliário, impulsionam investimentos em setores favorecidos como veículos elétricos, inteligência artificial, robótica, baterias e painéis solares.

O país está ficando tão saturado com esses projetos que o normalmente imperturbável Xi demonstrou recentemente um raro tom de exasperação com o que Pequim chama de concorrência excessiva de preços.

“Inteligência artificial, poder computacional e veículos de novas energias. Será que todas as províncias do país precisam desenvolver indústrias nessas áreas?”, questionou Xi durante a Conferência Central de Trabalho Urbano, uma reunião de alto nível do Partido Comunista sobre desenvolvimento urbano, segundo a mídia estatal.

Economistas alertam há tempos que o modelo chinês, centrado em investimentos financiados por dívidas pelo Estado, corre o risco de alocar recursos de forma ineficaz e sufocar o consumo, afetando o crescimento de longo prazo.

A China, porém, após o estouro da bolha imobiliária em 2021, passou a depender ainda mais de investimentos, manufatura e exportações para sustentar seu crescimento, já que as famílias – cuja riqueza está em grande parte atrelada ao mercado imobiliário – reduziram seus gastos.

A dependência excessiva da China em investimentos na manufatura tornou-se ainda mais urgente à medida que sua capacidade excedente e a demanda doméstica fraca empurram o país para um dos períodos mais longos de pressão deflacionária desde os anos 90. A queda nos preços prejudica a lucratividade das empresas e os balanços dos bancos, além de desestimular novos investimentos.

O excesso de capacidade também se tornou um desafio global para os parceiros comerciais, que temem outro “choque da China” semelhante ao aumento das exportações chinesas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000.

Os EUA e a UE, além de grandes países em desenvolvimento como Brasil e Índia, estão rapidamente erguendo barreiras comerciais para proteger suas indústrias avançadas de uma enxurrada de produtos chineses de baixo custo.

Depois de anteriormente negar a existência de capacidade excedente – Xi, durante uma viagem à França no ano passado, afirmou que isso não existia -, a revista Qiushi, do Partido Comunista, não apenas usou o termo no mês passado, como também apresentou uma análise minuciosa de suas causas. Uma série de medidas para tentar sustentar os preços foi implementada em seguida.

Mas, com os investimentos em manufatura ainda crescendo em ritmo acelerado – alta de 7,5% neste ano, após um aumento de 9,5% em 2024 -, não há fim à vista. Yan Se, professor assistente do departamento de economia aplicada da Escola de Administração Guanghua da Universidade de Pequim, afirmou em um seminário recente que a participação da China no valor agregado da manufatura global pode subir para 40% nos próximos cinco anos, ante cerca de 27% atualmente.

“Acho encorajador ver Pequim reconhecer essa [involução] como uma questão importante, algo que não é apenas um problema para os parceiros comerciais da China, mas também representa desafios para sua própria economia”, diz Frederic Neumann, economista-chefe para a Ásia do HSBC.

“A questão é: o quanto realmente pode ser feito no curto prazo?”, acrescenta. “Porque, para aliviar as consequências da involução, é necessária uma maior disciplina nos investimentos e, ao mesmo tempo, mais demanda doméstica.”

“É preciso aumentar a demanda e reduzir a oferta. E isso é mais fácil falar do que fazer”, completou.

A poucos metros do complexo de Zhao, outro novo parque industrial, que se autodenomina um “centro de tecnologia de manufatura avançada” com investimento de 1 bilhão de yuans, também está praticamente vazio.

Também planejado para abrigar indústrias das “novas forças produtivas de qualidade”, o parque vendeu cerca de 75% de suas propriedades para empresas que fabricam equipamentos agrícolas, de combate a incêndios e outros, segundo um gerente.

Investimentos mal alocados e capacidade duplicada estão prejudicando a eficiência”

— Yuhan Zhang

A maioria ainda não se instalou. Muitas das fábricas parecem ser usadas temporariamente para armazenar materiais de construção. Mato brota nos pequenos canteiros em frente às recepções.

“Pode ser porque a situação econômica nos últimos dois anos não tem sido muito boa e a demanda não foi tão alta quanto se esperava quando o terreno foi adquirido”, afirma uma vendedora do complexo. “Então agora [os compradores] querem alugar novamente.”

As fábricas vazias apontam para outro problema: o investimento improdutivo. Mesmo sem maquinário instalado, os edifícios ainda podem ser contabilizados como investimento em ativos fixos na manufatura, dizem economistas.

Tangshan é uma das 40 cidades chinesas analisadas em novo relatório de Yuhan Zhang, economista-chefe para a China do centro de estudos Conference Board, que constatou que muitas metrópoles de menor porte dependem fortemente desses investimentos para gerar crescimento econômico.

Essas cidades apresentaram uma média de 58% na relação investimento/PIB no ano passado, em comparação com a já elevada média nacional da China, de 40%. Nos países membros da OCDE, esse índice gira em torno de 22%.

“Mesmo com capacidade excedente considerável, os governos locais estão ampliando investimentos industriais e em infraestrutura para compensar a fraqueza do setor imobiliário”, diz Zhang.

O estudo também revelou que, em cidades de menor porte, alta intensidade de investimento normalmente coincide com baixa produtividade do trabalho e menor produtividade total dos fatores – uma medida da produção gerada por cada unidade de capital e trabalho. Para os formuladores de políticas em Pequim, a ideia original das novas forças produtivas de qualidade era não apenas elevar a indústria chinesa na cadeia de valor, mas também melhorar a produtividade total.

“Investimentos mal alocados e capacidade duplicada estão prejudicando a eficiência”, escreveu Zhang no relatório, destacando que “os ganhos de longo prazo com as ‘novas forças produtivas de qualidade’ exigem desenvolvimento de capital humano, inovação e uma alocação de recursos mais orientada pelo mercado”.

Cidades de ponta como Pequim, Xangai, Guangzhou e Shenzhen, além de algumas metrópoles de segundo nível, “já fizeram a transição para economias centradas em indústrias intensivas em conhecimento, serviços avançados e comércio global”, afirmou Zhang.

“Gastos elevados com ativos fixos parecem reduzir a eficiência em vez de aumentá-la, mesmo quando os governos locais despejam dinheiro nas ‘novas forças produtivas de qualidade’”, concluiu Zhang.

Nas linhas de produção das fábricas chinesas, a vida é uma batalha diária por sobrevivência diante de margens de lucro extremamente baixas ou até negativas, com a demanda em retração e as exportações enfrentando incertezas tarifárias.

Zhao Fen é proprietária de quatro fábricas de brinquedos que produzem mercadorias com base em propriedade intelectual específica, seja própria ou licenciada de outras marcas.

Fumando cigarro atrás de cigarro em seu escritório em Dongguan, província industrial de Guangdong, no sul da China, cercada por brinquedos do Ursinho Pooh e bonecos de anime, ela diz que a maior mudança em seu negócio na última década foi o aumento de juan – competição excessiva -, que reduziu os preços de venda de seus produtos pela metade nesse período.

Mesmo nesses setores mais tradicionais, a competição tem sido parcialmente impulsionada pelas ideias por trás das novas forças produtivas de qualidade, que incluem a modernização das indústrias antigas com equipamentos novos, segundo acadêmicos.

Pequim tem operado programas de subsídio para que os fabricantes adquiram novas máquinas, acelerando a produção num momento de menor demanda do consumidor.

“No passado, coisas boas precisavam de pessoas para produzi-las, mas agora são feitas por máquinas, e a capacidade de produção como um todo também aumentou, então o preço unitário também caiu”, afirma ela.

A indústria está tão saturada de produtores que o lucro se tornou escasso. “Ganhar dinheiro é só a cereja do bolo”, reflete Zhao, acrescentando que suas fábricas às vezes aceitam pedidos não lucrativos apenas para manter a equipe empregada.

Ela também reclama do roubo de propriedade intelectual, ecoando queixas antigas de fabricantes ocidentais. “O mercado é bom demais em copiar não é que o controle e a prevenção da cópia de produtos com propriedade intelectual não sejam rígidos na China mas há muitas pessoas que se aproveitam das brechas.”

“É por isso que todo o setor foi espremido a ponto de ninguém mais ter lucro. Acho muito difícil que o país consiga controlar isso. Não há como controlar.”

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