Peças mais baratas, rápidas inovações e financiamento estatal chinês permitem que robôs parecidos a humanos possam espelhar sucesso dos carros elétricos
Por Ryan McMorrow, Eleanor Olcott e William Langley — Valor/Financial Times – 10/04/2025
Na sede da Unitree, uma fabricante de robôs pioneira na China, os visitantes são convidados a empurrar e chutar o G1 – um robô humanoide prateado de 1,3 metro de altura – para testar seu equilíbrio.
É como a empresa, com sede em Hangzhou, demonstra o avanço de seus esforços para transformar o nascente setor de construção de máquinas parecidas a humanos. Os robôs são alimentados por softwares de código aberto, de forma que os compradores podem programá-los para correr, dançar ou dar chutes giratórios de kung fu.
A Unitree encabeça um grupo de startups chinesas no setor – com nomes como AgiBot, Engine AI, Fourier e UBTech – que têm atraído atenção nos últimos meses com demonstrações em vídeo feitas nas plataformas de relacionamento social on-line. Durante o grande evento de gala do festival de primavera transmitido pela TV na China, 16 robôs H1 da Unitree realizaram uma dança folclórica sincronizada em um show ao vivo transmitido para milhões de espectadores.
Foi uma exibição impressionante das capacidades da China em construir hardwares humanoides, que podem se tornar a nova fronteira na competição tecnológica entre Estados Unidos e China. Analistas de bancos de investimento acreditam que o setor pode produzir o dispositivo que será a próxima bola da vez entre os consumidores, após os smartphones e veículos elétricos (VEs), enquanto o fundador e executivo-chefe (CEO) da Unitree, Wang Xingxing, prevê que o setor terá um “momento iPhone”, de inovações revolucionárias, dentro de cinco anos.
O Goldman Sachs calcula que o mercado mundial de robôs humanoides valerá até US$ 205 bilhões em 2035. Analistas da Bernstein estimam vendas anuais de até 50 milhões robôs em 2050. O Citibank prevê 648 milhões de robôs humanoides até 2040, enquanto o Bank of America projeta 3 bilhões em 2060.
Entre os concorrentes americanos estão a montadora Tesla, grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, e startups de robótica, como Boston Dynamics, Figure e Agility Robotics. Por enquanto, as quatro grandes fabricantes de robôs industriais do Japão e da Europa têm se concentrado em construir robôs colaborativos para trabalhar ao lado de humanos, em vez de humanoides.
Tesla, Google e Meta estão entre os concorrentes americanos que apostam na inovação
A profundidade da cadeia de suprimentos de eletrônicos e VEs da China deu ao país uma vantagem inicial, segundo pesquisadores, com muitos dos componentes para robôs humanoides já sendo fabricados no país e incluídos em VEs.
Isso inclui dispositivos como os atuadores, que convertem energia em movimento, além baterias e sistemas de visão, como o da tecnologia Lidar [Light Detection and Ranging, um sensor que usa luz]. Ainda assim, os EUA contam com tecnologias líderes na área de partes móveis, além dos processadores de inteligência artificial (IA) da Nvidia, que continuam sendo o cérebro da maioria dos humanoides, segundo analistas.
“A China é muito boa em hardware, mas [em] inovação e software, os EUA ainda têm uma vantagem”, disse Johnson Wan, analista industrial do banco de investimentos Jefferies.
No entanto, os componentes são tão mais baratos na China que analistas do Bank of America estimam que o conteúdo do robô Optimus de segunda geração, da Tesla, custaria cerca de um terço a menos se tivesse componentes chineses, em vez dos fornecidos por empresas não chinesas. No caso das mãos articuladas, por exemplo, há 25 empresas chinesas fornecedoras de componentes, em comparação com apenas 7 nos EUA.
O baixo preço do hardware chinês começou a abrir o campo a experimentações, que antes estavam concentradas em alguns poucos laboratórios selecionados e em startups como a Boston Dynamics, uma cria do Massachusetts Institute of Technology.
“Há um boom na pesquisa de humanoides em andamento”, disse Bruno Adorno, professor de robótica da Universidade de Manchester. “Isso não era possível antes da Unitree.”
Analistas da Bernstein dizem que o progresso da China pode ser comparado à forma como ela veio a dominar o mercado de VEs. “A China age extremamente rápido na multiplicação de produtos e das situações de uso, enquanto os concorrentes dos EUA parecem apostar em encontrar uma solução que seja o Santo Graal; a China adota a abordagem de ‘seleção natural’ com modelos de produtos imensamente diversos”, disseram os analistas, em relatório recente.
Durante a reunião anual do Parlamento em março, Pequim considerou a robótica humanoide uma indústria estratégica a ser apoiada e começou a oferecer grandes financiamentos para startups. Wang, o fundador da Unitree, recentemente teve uma audiência com o presidente da China, Xi Jinping. Forças de segurança chinesas já experimentaram o uso de robocães da startup em exercícios, embora a Unitree tenha enfatizado que não vende para os militares.
A empresa levantou dinheiro de investidores de prestígio, como o antigo braço de investimentos de capital de risco da Sequoia Capital na China, o HongShan, e a firma de entregas Meituan. Fundos governamentais, como o China Internet Investment Fund, alinhado com a agência reguladora da área no país, e um fundo especializado em robôs financiado pelo Estado também investiram na empresa, segundo registros comerciais chineses.
“Robôs alimentados por IA podem não representar apenas o rumo futuro do desenvolvimento da China, mas possivelmente do mundo inteiro”, disse Shen Zhengchang, um delegado legislativo chinês. “A China está se empenhando em dominar a indústria”, disse ele ao “Financial Times”.
As empresas chinesas também são auxiliadas por uma política industrial bem afinada. O Ministério da Indústria e da Tecnologia da Informação da China divulgou um ambicioso roteiro para o setor, definindo um caminho para superar os principais obstáculos tecnológicos. Um novo fundo de capital de risco, de 1 trilhão de yuans (US$ 137 bilhões), liderado pelo Estado, aumentará ainda mais o poder financeiro.
Governos locais também vêm se juntando à corrida para atrair empresas, oferecendo subsídios para a construção da cadeia de suprimentos industrial. Fundos governamentais em Hangzhou vêm injetando dinheiro no setor, enquanto autoridades de Shenzhen dizem estar trabalhando em um pacote de políticas e já oferecem subsídios e concessões.
Xangai criou uma fazenda de treinamento para os robôs, financiada pelo Estado, onde humanoides realizam repetidamente certas tarefas para coletar os dados necessários para executarem as manobras por conta própria. Segundo a Shanghai Electric, estatal que apoia o projeto, a instalação abriga 100 humanoides e planeja expandir para treinamento simultâneo de 1.000 robôs de uso geral até 2027.
O objetivo é estabelecer as bases para que os humanoides se equiparem aos robôs industriais, que são construídos para se especializar em executar uma tarefa repetidamente e já tornaram possível a crescente automação de fábricas. Isso forneceria um modelo de negócios comercial para os robôs humanoides, que em seu atual nível tecnológico carecem de casos de uso.
Chen Guishun, chefe de robótica da Inovance, uma potência de automação industrial com sede em Shenzhen, disse que os robôs semelhantes a humanos são uma grande promessa, mas não no caso do tipo de humanoide de duas pernas chamativo, que viraliza em vídeos.
“O movimento bípede é a solução menos eficiente em energia e a mais cara”, disse ele. “Estruturas com esteiras ou rodas podem alcançar mobilidade da mesma forma.”
Algumas unidades policiais locais chinesas começaram a usar robocães e, ocasionalmente, humanoides em patrulhas de bairro, enquanto lojas começaram a empregar humanoides, por seu valor de entretenimento. Fábricas estão nas fases iniciais de uso de robôs humanoides nas linhas de produção.
Por enquanto, a Unitree está enviando a maioria de seus robôs para universidades e laboratórios de pesquisa.
De acordo com Adorno, da Universidade de Manchester, a empresa reduziu o custo de aquisição de um robô humanoide, o seu modelo programável H1, que chegava a US$ 1 milhão, para cerca de US$ 100 mil. A Unitree oferece o código responsável por manipular e controlar motores e sensores disponível gratuitamente, o que permitiu à sua equipe trabalhar em cima da plataforma.
“Estamos desenvolvendo novas técnicas que melhoram o comportamento do robô e destravando capacidades, conectando-nos à [interface de programação de aplicativos] da Unitree”, disse Adorno.
Markus Fischer, especialista em robótica da firma de consultoria tecnológica alemã Exxeta, disse que o trabalho de programação necessário para controlar humanoides ainda é enorme. Ele disse que levou cerca de dez dias para programar um G1 para andar livremente pelo seu escritório, com a tecnologia Lidar em sua cabeça, sem precisar guiá-lo pelo controle remoto.
Embora tarefas como abrir portas continuem sendo um problema, Fischer disse que há demanda de clientes interessados no valor dos humanoides como entretenimento e novidade, por exemplo, ao cumprimentar clientes em lojas de varejo.
Mais à frente, Fischer espera que seja possível que façam o inventário ou abasteçam prateleiras de supermercados com comida, embora ressalte que ainda há desafios.
“Agarrar coisas é muito fácil para humanos”, disse Fischer. “Vemos um copo e o pegamos, e sabemos que se colocarmos muita força, podemos quebrá-lo, mas o robô precisa ser ensinado a fazer isso.”
Desafios técnicos complicados como esse tornam alguns especialistas céticos quanto à viabilidade de comercialização dos humanoides. O chinês Allen Zhu, um importante investidor de capital de risco, disse recentemente à imprensa local que sua empresa está saindo da área e se desfazendo de seus investimentos em humanoides.
Em meio à badalação, ele ressaltou que apenas um novo tipo de cliente surgiu: “Empresas estatais comprando-os para exibir na recepção”, disse. “Mas esse não é o tipo de cliente que estamos procurando.” (Colaboraram Gloria Li, Nian Liu e Wenjie Ding) (Tradução de Sabino Ahumada)
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