Cerco às universidades de Trump incentiva fuga de cérebros e cria novo fenômeno nos EUA


Segundo pesquisa, 75% dos acadêmicos consideram deixar o país após medidas recentes, que incluem cortes de bolsas, caça a estudantes envolvidos em protestos e termos proibidos; movimento já mobiliza governos e instituições em outros países

Por Emanuelle Bordallo – O Globo – 06/04/2025 

Em menos de três meses, o cerco do presidente Donald Trump às universidades americanas acende o alerta para um fenômeno que, até pouco tempo, tinha os Estados Unidos como o maior beneficiário: a fuga de cérebros. Lar de algumas das mais prestigiosas instituições de ensino do planeta, a capacidade dos EUA de atrair estudantes do mundo todo sempre foi vista como um importante soft power. No entanto, diante de uma série de medidas do governo — que incluem cortes em financiamentos, veto a iniciativas de diversidade, caça a estudantes envolvidos em protestos e até proibição do uso de determinadas palavras —, os ventos parecem mudar de direção.

Com apenas dois meses e meio da nova administração, ainda não há números, mas as discussões sobre uma possível fuga de cérebros entraram na pauta do dia. Em uma pesquisa da revista Nature feita com 1,6 mil acadêmicos, 75% disseram considerar sair dos EUA devido à instabilidade causada pelo governo Trump. A tendência é ainda mais forte entre estudantes de mestrado (79%), uns dos mais afetados pelos cortes de bolsas e pesquisas. Se por um lado a fuga de cérebros representa um desafio aos EUA, por outro, já há países aproveitando a oportunidade para oferecer “asilo científico”. Para analistas ouvidos pelo GLOBO, Donald Trump põe em risco não só a atratividade das universidades para estrangeiros — uma fonte de receita para o país — como também a competitividade dos EUA em setores-chave na sua guerra comercial com a China.

Negócio em risco

A caça a cérebros em fuga dos EUA já mobiliza governos e instituições em outros países. Uma das primeiras foi a Universidade Aix-Marseille, na França, que no início de março lançou o programa “Espaço Seguro para a Ciência” para atrair 15 cientistas americanos das áreas de meio ambiente, saúde e astrofísica dispostos a trabalhar por três anos no seu campus. Segundo a instituição, mais de 60 candidatos se inscreveram, 30 deles nas primeiras 24 horas. Duas universidades da Bélgica e o governo da Holanda anunciaram planos semelhantes. Por sua vez, o governo da Catalunha apresentou na segunda-feira um programa trienal de € 30 milhões para atrair cientistas americanos, com 78 vagas em 12 universidades públicas.

Em carta à comissária de Pesquisa da União Europeia, Ekaterina Zaharieva, ministros do setor de 13 países-membros — incluindo de potências da área como Alemanha e França — exortaram o bloco a aproveitar o momento para “dar as boas-vindas a talentos brilhantes do exterior que podem estar sofrendo interferência nas pesquisas e cortes de financiamento brutais e mal motivados”. A arquirrival China, que disputa fortemente com os EUA os avanços na área de tecnologia, também já começou a buscar atrair “os refugiados com PhD dos EUA”, segundo o jornal South China Morning Post, de Hong Kong, oferecendo “novos caminhos acadêmicos”.

Em fevereiro, a Sociedade Max Planck, um dos maiores institutos de pesquisa no mundo, registrou um aumento no número de candidaturas de cientistas americanos, noticiou a revista alemã Der Spiegel. Ironicamente, a instituição, sediada em Munique, foi uma das mais prejudicadas com a fuga de cérebros durante a Alemanha nazista, perdendo alguns dos seus nomes mais proeminentes para os EUA, incluindo Albert Einstein.

Há uma semana, o professor de Yale Jason Stanley se tornou o rosto do movimento ao anunciar que estava deixando a prestigiosa universidade da Ivy League para assumir um cargo na Universidade de Toronto. Ao site Daily Nous, o autor do livro “Como o fascismo funciona” justificou a decisão afirmando que gostaria de “criar meus filhos em um país que não está se inclinando para uma ditadura fascista”.

— O perigo que os EUA correm é começar a perder pessoal qualificado no médio e longo prazo. Na área de STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) isso não deixa de ser curioso, pois há um esforço para trazer mão de obra de fora devido a um tradicional déficit de profissionais do setor. São eles que abastecem muitas big techs que apoiam Trump — analisa Gustavo Nicolau, advogado de imigração nos EUA, acrescentando que o cerco “pode levar estudantes para outros destinos, como Europa, ou mesmo inimigos americanos, como China e Rússia”.

De acordo com o último censo, 62% dos americanos não têm ensino superior completo. Segundo o advogado, tal cenário criou uma dependência das universidades em relação a estrangeiros, que, em alguns cursos, chegam a ocupar até 80% das vagas. Ao mesmo tempo, eles também contribuem para a economia americana, afirma.

— Há um interesse dos EUA em continuar recebendo estudantes estrangeiros, porque o americano percebeu que não precisa de faculdade para ter uma vida boa — explica. — Também há circulação de capital em solo americano, porque ele vai pagar impostos, alimentação, moradia, consumir em outras áreas. É um baita negócio para os EUA.

Ensino superior nos EUA — Foto: Editoria de Arte/O GloboEnsino superior nos EUA — Foto: Editoria de Arte/O Globo

Os EUA são o principal destino de estudantes internacionais do planeta, com 800 mil estrangeiros no ensino superior. Com sete universidades entre as 20 melhores do mundo no ranking QS World University, o país é o sonho de muitos estudantes que desejam estudar fora. Mas para alguns, a experiência se transformou num pesadelo em questão de meses.

— Eu com certeza estou cogitando outros países quando terminar o doutorado ou até mesmo voltar para o Brasil — contou ao GLOBO a farmacêutica Juliana (nome fictício), que estuda em uma universidade estadual nos EUA.

Segundo a brasileira, que falou sob anonimato por temer represálias, o cenário já reflete no seu comportamento:

— Eu já não postava nada político em rede social, mas ultimamente até em mensagens eu estou tentando evitar.

A estudante de pós-doutorado Flávia (nome fictício), que também falou sob anonimato, contou estar evitando tratar do tema Israel-Palestina, “que parece ser o principal foco da perseguição digital, e criticar o governo diretamente”.

— Recebi sugestões de ‘trancar as redes sociais’, ‘usar um segundo telefone’, mas me recuso. Se for para viver assim, volto para o Brasil logo.

Autocensura

Lucas Martins, professor de história dos EUA na Universidade Temple, classifica o clima como “o mais temeroso possível”. A sua instituição está entre as 60 de ensino superior que receberam uma carta do governo no mês passado exigindo ações para conter o antissemitismo, tema central na cruzada da Casa Branca — especialmente contra universidades que se engajaram nos protestos contra a guerra em Gaza, que tomaram os campi no ano passado.

A Universidade Columbia — palco de algumas das manifestações mais emblemáticas — virou alvo de uma investigação por supostamente ter permitido assédio contra judeus e teve US$ 400 milhões (R$ 2,27 bilhões) em verbas suspensas. Mahmoud Khalil, estudante palestino que liderou os protestos na instituição nova-iorquina, chegou a ser detido por agentes da polícia migratória (ICE) e corre risco de deportação, apesar de ter visto de residência permanente.

— Não é um recado a respeito do antissemitismo, mas um presságio mais amplo de que tudo aquilo que for expressado em um campus universitário será monitorado — pontua. — A autocensura já existe. Agora, há um temor de se engajar em manifestações não só envolvendo o Oriente Médio, mas a vida americana.

É o caso da estudante Clarissa (nome fictício):

— Estão ocorrendo várias manifestações na minha faculdade porque há um mês fecharam o Escritório de Diversidade e Inclusão e várias pessoas perderam o emprego. Eu fui no primeiro protesto, mas agora eu não tenho coragem mais de ir a nenhum.

Entre as orientações da universidade, Clarissa conta ter sido aconselhada a andar sempre com uma cópia do visto e evitar viagens ao exterior. Por medo, Flávia também disse ter cancelado viagens ao México, previstas no seu projeto de pesquisa. Juliana, por sua vez, preferiu adiar a visita que faria ao Brasil no meio do ano apesar da saudade da família, que não vê há dois anos.

Asfixia financeira

As ameaças de suspensão de verbas forçaram departamentos financiados pelo governo federal a se adaptar.

— Trabalho em um laboratório sobre doenças que afetam o sistema reprodutivo feminino e estamos preocupados com a renovação do nosso financiamento, pois termos como ‘women’ (mulheres) e ‘female’ (fêmea) agora estão vetados — conta Juliana.

Flávia, que faz parte de um laboratório que pesquisa meio ambiente, disse que “uma parte significativa do financiamento foi afetada pelos cortes” e temas climáticos estão sob pressão. A revista onde Clarissa trabalha agora precisa ser revisada e aprovada pelo departamento de comunicação da universidade antes de ser publicada.

Segundo Martins, a estratégia da Casa Branca tem sido efetiva em fazer as universidades cederem para evitar a asfixia financeira. No final de março, Columbia concordou em atender às exigências para reverter o corte, anunciando medidas como a presença de agentes dentro do campus e uma supervisão externa do Departamento de Estudos do Oriente Médio.

— Sem recursos para desenvolver pesquisa de qualidade e sem liberdade acadêmica, um acadêmico com poder de escolha não vai querer estar em um ambiente hostil assim — destaca. — A fuga de cérebros é real e o impacto dela no longo prazo é que os EUA vão deixar de ser a referência dos últimos 70 anos e se tornarão um país comum em termos de produção acadêmica.

Cerco às universidades de Trump incentiva fuga de cérebros e cria novo fenômeno nos EUA

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