China, uma viagem ao futuro


Meta do governo é tornar a China líder mundial em IA até 2030

Por Dora Kaufman – Valor – 23/12/2024

É impressionante o progresso da China nas últimas quatro décadas. Xangai, a maior cidade do país, é um símbolo de modernidade, com seus imponentes arranha-céus, carros top de montadoras chinesas e ocidentais, além de lojas-conceito das marcas de luxo internacionais. O ritmo da cidade rivaliza com o das grandes metrópoles ocidentais. O Shanghai Toweer, com 632 metros de altura e 128 andares, é o segundo maior edifício do mundo, ficando atrás apenas do Burj Khalifa, em Dubai. Shenzhen, conhecida como o “Vale do Silício da China”, era uma pequena vila de pescadores nos anos 1980 e hoje abriga 25 milhões de pessoas. Já Pequim, com seus sete milhões de carros em circulação, enfrenta desafios como a escassez de placas de veículos, cujo custo é altíssimo – cerca de € 20 mil euros, com quase um milhão de pessoas disputando as 150 novas placas leiloadas mensalmente. A cidade possui o maior sistema de metrô do mundo, com 800 quilômetros de linhas distribuídas por 25 rotas.

Essas constatações foram feitas durante uma expedição realizada na segunda quinzena de novembro, quando uma delegação de 40 “tripulantes” visitou quatro cidades chinesas – Xangai, Pequim, Shenzhen e Hong Kong – além de Seul, na Coreia do Sul. Com o tema “Uma Viagem ao Futuro”, a “Missão Ásia” foi organizada pela Fundação Itaú, sob a liderança de seu presidente Eduardo Saron, em parceria com a InvestSP, e contou com a presença de 18 instituições do terceiro setor, secretários de Educação e Cultura dos Estados de São Paulo e Espírito Santo, além de quatro especialistas convidados. O objetivo da missão foi investigar como esses países estão utilizando a inteligência artificial (IA) na educação e na cultura.

O crescimento do setor privado chinês deve-se em parte à política de incentivo ao empreendedorismo, que promove uma mentalidade de inovação e dinamismo. A abordagem voltada para a experimentação e adoção das melhores práticas tem sido um motor importante das reformas econômicas, assim como o modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado, calcado nos Planos Quinquenais. O governo chinês exerce uma influência significativa sobre as decisões tanto no setor público quanto no privado, com seus representantes participando de comitês de ética em empresas de tecnologia, como a Apollo, divisão de carros autônomos da Baidu. É evidente o alinhamento do setor privado com o modelo de sociedade definido pelo Partido Comunista Chinês.

As empresas de tecnologia chinesas, em sua maioria fundadas neste século, possuem equipes predominantemente jovens, com idades entre 25 e 30 anos. A educação é uma prioridade nacional, e tanto escolas públicas quanto privadas contam com um vasto conjunto de soluções tecnológicas, como lousas interativas com IA embarcada. Essas tecnologias são capazes de criar planos de aula a partir de pesquisas na internet, revisar e digitalizar provas e criar modelos tridimensionais a partir de desenhos geométricos. A inteligência artificial visa personalizar o aprendizado, o que é considerado uma de suas maiores contribuições na educação. No entanto, contraditoriamente, os modelos avaliativos chineses tendem a gerar homogeneização.

Chama a atenção: a) a adoção intensiva de IA sem metodologias inovadoras, resultando apenas em melhorias incrementais em modelos educacionais que já não funcionam; b) o controle excessivo dos professores sobre os alunos, com sistemas que comparam o desempenho entre estudantes, turmas e anos, com acesso total pelos gestores escolares; c) o controle rigoroso dos dirigentes das escolas sobre os professores, com visibilidade total do que acontece nas salas de aula. O propósito da adoção da IA está diretamente ligado a um modelo de sociedade que define, inclusive, o que é eficiência e desempenho (eficiência para quê? Desempenho para quem?).

Chama a atenção a adoção intensiva de Inteligência Artificial sem metodologias inovadoras, resultando apenas em melhorias incrementais em modelos educacionais que já não funcionam e o controle rigoroso dos dirigentes das escolas sobre os professores

A IA entrou oficialmente no radar do governo chinês em março de 2016, quando o sistema AlphaGo, desenvolvido pela Google DeepMind, derrotou o campeão mundial sul-coreano Lee Sedol no jogo de Go, feito acompanhado por mais de 280 milhões de chineses. Em julho de 2017, o Conselho de Estado da China divulgou o “Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial da Nova Geração” (AIDP), com a meta de tornar a China líder mundial em IA até 2030. Grandes empresas chinesas como Baidu, Alibaba e Tencent foram designadas para liderar áreas específicas, como direção autônoma, cidades inteligentes e diagnósticos médicos por visão computacional, respectivamente. Em contrapartida, o governo chinês ofereceu incentivos como preferência em contratos públicos, financiamento facilitado e proteção no mercado. Além disso, startups de tecnologia receberam apoio e subsídios estatais.

Em 2015, por exemplo, o governo fundou a Cheung Kong Graduate School of Business (CKGSB) com o objetivo de promover a próxima geração de unicórnios – empresas avaliadas em mais de um bilhão de dólares. A partir de 2016, a CKGSB expandiu suas operações para a Europa, Oriente Médio e África, oferecendo programas que ajudaram mais de 200 empreendedores de 30 setores e 37 países. Em 2023, a escola lançou o programa EMBA, voltado para fundadores e CEOs de unicórnios, em parceria com gigantes como Tencent, Baidu, JD.com e Microsoft China. No entanto, em 2024, a China ainda detém apenas 13,14% dos unicórnios globais (164 empresas), enquanto os Estados Unidos possuem 54,17% (676 empresas).

A MiniMax, uma das empresas visitadas, é pioneira na Ásia no desenvolvimento de modelos de linguagem em larga escala (LLMs), com suporte para os principais idiomas asiáticos, além de modelos avançados para música, imagem e vídeo. Considerada um dos novos “tigres da IA” da China, a MiniMax conta com 40% de seus funcionários oriundos de grandes empresas de tecnologia americanas. Entre as outras empresas visitadas, destacam-se a iFlytek, Fosun Foundation, Whalesbot, Alibaba Group, Tianyuan Gongxue, UBTech Education, Artron Art Group, Sensetime, CVTE, Baidu/Apollo, Xueke Wang, Visang Education (Coreia), Naver (Coreia) e KEFA & i-Screen Media (Coreia).

O depoimento de um dos guias ilustra o sentimento predominante entre os chineses, desafiando a visão comumente difundida no Ocidente: “Nasci em 1976 e cresci em um quarto de 16 metros quadrados, compartilhado com meus pais e dois irmãos. Todos dormíamos na mesma cama de 120 x 90 cm. Hoje, minha mãe tem um apartamento de 90 m² e eu tenho um de 100 m², um carro e uma bicicleta elétrica. Não sou comunista, mas sou grato ao meu governo pelas oportunidades que ele me deu. Somos a segunda maior potência econômica do mundo e temos orgulho de ser chineses. Antes, quando viajávamos para o exterior, fingíamos ser japoneses. Dizem que estamos isolados, mas todos os jovens têm acesso a plataformas estrangeiras, existem muitos dispositivos que rompem os bloqueios impostos pelo governo. Falam que não temos liberdade, mas não é fácil governar um país com 1,5 bilhão de habitantes. Não nos importamos com eleições, o importante é que o país funcione bem. Quanto à desigualdade e à ostentação dos novos bilionários – em 2024, são 800 em dólares – isso tem gerado desconforto, e o governo está atento, mas ainda não sabe como agir”.

Dora Kaufman é professora do TIDD PUC-SP, autora do livro “Desmistificando a Inteligência Artificial” e colunista da Época Negócios.

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