Avanços de IA, inverno das criptomoedas e dispositivos vestíveis são alguns fatores que serão incontornáveis no próximo ano, segundo ela
Por Rafael Faustino – Época Negócios – 20/12/2023
Difícil discordar da afirmação de que a inteligência artificial generativa foi a tecnologia que marcou 2023. Ainda que o ChatGPT tenha inaugurado esse mercado junto ao público ainda em 2022, foi durante este ano que ele se popularizou, ganhou concorrentes, e a corrida pelos avanços nesse campo geraram uma série de melhorias – e também de preocupações éticas.
Mas e em 2024, em quais inovações devemos ficar de olho? Em sua carta anual de tendências da tecnologia, Amy Webb, famosa futurista norte-americana e fundadora e CEO do Future Today Institute, não responde exatamente a essa pergunta, já que não tem bola de cristal — e a própria IA ainda não faz previsões tão ambiciosas. Mas Webb traz as ferramentas necessárias para imaginarmos o próximo ano: 10 importantes tendências que indicam caminhos para áreas como IA, criptomoedas, biotecnologia e outras, ajudando a entender o que está em alta e o que pode enfrentar dificuldades. Confira a seguir.
1. IA do conceito ao concreto desencadeia uma onda de inovação
Embora tenha avançado e se tornando popular por meio de chatbots em 2023, a inteligência artificial ainda tem poucas manifestações concretas no nosso dia a dia. Isso deve mudar em 2024, com mais tecnologias que transformam comandos humanos em soluções concretas diversas.
Um exemplo dado por Amy Webb é da Pika, ferramenta de IA que transforma textos em vídeos. A plataforma utiliza modelos como ChatGPT e Midjourney para criar cenas inteiras de vídeos com base no texto inserido pelo usuário, incluindo animações 3D, sequências cinematográficas e até animes relacionados ao que foi pedido.
Webb acredita que mais ferramentas como esta deverão surgir no próximo ano para trazer soluções concretas a partir da IA, na medida em que evolui a interação entre humanos e máquinas.
“Imagine que você tenha uma ideia vaga de como transformar os watts gerados pelos aparelhos em uma academia em eletricidade que possa ser vendida de volta à rede elétrica. Usando um sistema do conceito ao concreto, você começaria com essa ideia e trabalharia com a IA para descobrir quais outros inputs seriam necessários, como gerar essa eletricidade de volta para a rede elétrica e a viabilidade de vender energia com base na sua localização geográfica”, exemplifica.
2. Começa o inverno cripto
O ano de 2023 teve episódios embaraçosos para os criptoativos, como a condenação do CEO da corretora FTX, por fraude, e a multa de R$ 13 bilhões à Binance por lavagem de dinheiro. Ainda que tenha havido destaques positivos também, como a alta do Bitcoin, que levou à criptomoeda ao maior valor desde abril de 2022, Webb prevê um 2024 difícil para esses ativos digitais.
“Especialistas em segurança, banqueiros e legisladores afirmam que as criptomoedas são difíceis de rastrear, não possuem regulamentação uniforme e já causaram mais de uma mania financeira. Para que as criptomoedas sobrevivam a longo prazo, será necessário tanto o apoio institucional quanto uma massa crítica de adotantes. É por isso que continuo a acreditar que a mania dará lugar à desilusão e, em última instância, ao desinteresse”, afirma.
Para ela, mais importante do que as criptomoedas em si, será investir na infraestrutura que as sustenta, incluindo o blockchain.
3. Tornar a sustentabilidade sustentável
Promessas ambiciosas de transição energética foram feitas aos montes. Agora é hora de garantir que elas sejam factíveis, diz Amy Webb. Mais do que reduzir as emissões de carbono, é preciso fazer isso com tecnologias que sejam efetivas e também financeiramente viáveis.
“No próximo ano, muito pode ser feito: transformar a rede elétrica para acomodar fontes de energia não despacháveis; buscar materiais alternativos para baterias, células solares e turbinas eólicas; capturar e armazenar carbono; e tornar transparentes e válidos os mercados de carbono são apenas alguns dos gargalos que precisam urgentemente de inovação”, aponta a CEO do Future Today Institute.
Segundo ela, a IA será aliada nesses processos, ajudando a desenvolver fluxos de trabalho, design para novas soluções, planejamento financeiro e gerenciamento de projetos.
4. Algoritmos são nossa força de trabalho e podem precisar de licenças profissionais
Configurem ou não uma inteligência artificial, algoritmos já fazem muito por nós. E, conforme substituem secretárias e centrais de atendimento, entre outras funções operacionais, não é loucura imaginar que eles precisem de registros profissionais, diz Webb.
Quer dizer: uma IA especializada em aconselhamento financeiro precisaria provar que está gabaritada para dar bons conselhos sobre o assunto – assim como é exigido de humanos; um algoritmo que analise decisões judiciais pode precisar passar num exame de ordem de advocacia para que seja usado por profissionais da área; e daí em diante.
Ela justifica a ideia: “Há algumas semanas, um bot de IA treinado no GPT-4 da OpenAI tentou realizar negociações financeiras ilegais e, em seguida, mentiu sobre suas ações. Podemos enviar um corretor humano para a prisão, mas os algoritmos continuam a funcionar.”
5. Os wearables estão de volta. Eles abrirão caminho para uma nova era de respostas visuais e por voz
Estamos no período de trocar os smartphones por dispositivos vestíveis inteligentes, diz Webb. Ela vê mercados maduros, como EUA e Europa, transicionando de um único dispositivo que faz tudo para um ecossistema de aparelhos inteligentes. De forma parecida com o passado recente, quando carregamos, além do telefone, relógios, câmeras digitais e CD players, porém agora com uma experiência muito mais personalizada e guiada por comandos mais rápidos.
“Imagine olhar para um objeto, como uma xícara de chá, e descobrir se ele é livre de cafeína”, cita. Outros exemplos mais concretos são óculos inteligentes que passam informações visual e auditivamente; ou um broche com IA que é comandado por voz e tem uma câmera e um projetor acoplados, para que você leia mensagens nas próprias mãos, como o criado pela Humane.ai.
6. “Inteligência organoide” moldará tanto a computação quanto a geopolítica
Esta é uma das previsões mais ousadas de Amy Webb: o desenvolvimento de uma “inteligência organoide” que ela considera a próxima fronteira da computação – ou computação a partir de comandos humanos biológicos.
O conceito foi criado por cientistas da Universidade Johns Hopkins, utilizando materiais biológicos, como células cerebrais humanas, para o processamento de informações em computadores. Testes iniciais conseguiram que um biocomputador identificasse a voz de uma pessoa específica a partir de 240 clipes de áudio com oito pessoas pronunciando sons de vogais japonesas. Já na Austrália, pesquisadores ensinaram células cerebrais a jogar Pong.
Tal tecnologia seria ferozmente disputada pelas potências internacionais, se tornando um importante ativo geopolítico, diz Webb.
7. Desafios legais estão surgindo novamente para as grandes empresas de tecnologia
Até hoje, as big techs conseguiram permanecer imunes à responsabilidade legal quando se trata do conteúdo gerado pelos usuários. Mas isso pode mudar, alerta a especialista. A Suprema Corte dos EUA está revisitando decisões passadas e se leis estaduais que visam regular as empresas de tecnologia ferem a Constituição norte-americana. Conforme a IA generativa avança, fica mais difícil para as plataformas afirmar que são apenas espaços onde as pessoas se manifestam como querem.
“Diferentemente do conteúdo gerado tradicionalmente pelos usuários, a IA generativa está produzindo resultados de busca, postagens em redes sociais e outros tipos de conteúdo sem a necessidade de autores ou criadores externos, eliminando o papel intermediário [que as plataformas dizem exercer]”, aponta.
8. Biotecnologia cria acidentalmente um novo sistema genético de castas
Vários avanços em biotecnologia foram comemorados recentemente, como a primeira terapia de edição genética aprovada nos EUA. Medicações como o Ozempic explodiram em vendas e estão sendo usadas em testes diversos para o combate à obesidade. Mas o que parecem ser boas notícias podem representar algo mais sombrio se não forem democratizadas, diz a CEO do Future Today Institute.
“Sem uma visão estratégica, essas inovações de ponta em biotecnologia provavelmente aumentarão as desigualdades existentes na área da saúde. Os altos custos associados a esses novos tratamentos e tecnologias podem torná-los inacessíveis para uma parte significativa da população”, afirma.
Nesse cenário, aqueles que podem pagar por esses tratamentos avançados terão acesso aos cuidados de saúde mais eficazes e modernos, enquanto aqueles que não podem ficariam sem. “Para evitar isso, devemos fazer perguntas sobre a ética e a equidade da distribuição de cuidados de saúde diante do rápido progresso da tecnologia”, aponta ela.
9. Um mundo de novos materiais
Um lançamento pouco comentado deste ano foi feito pela DeepMind: uma ferramenta chamada Redes Gráficas para Exploração de Materiais (Gnome, na sigla em inglês), que usa deep learning para acelerar a descoberta de materiais que poderiam aprimorar células solares, baterias, chips de computador e muito mais.
A tecnologia já sugeriu estruturas para 2,2 milhões de novos materiais, e 700 deles já vêm sendo testados, com variáveis níveis de sucesso. Avanços nessa área poderiam trazer inúmeros benefícios para o mundo físico, diz Amy Webb.
“Já se perguntou por que podemos enviar pessoas ao espaço, mas parece que não conseguimos fazer a bateria de um iPhone durar mais do que um dia? A ciência dos materiais é realmente muito difícil, e é caro e perigoso projetar, testar e construir coisas com materiais inovadores”, explica.
Com o Gnome podendo simular a criação de materiais para oferecer os resultados mais certeiros para testes, boa parte desses custos poderia ser reduzida.
10. Eleições e desinformação não intencional
2024 terá mais de 70 eleições, com 4,2 bilhões de pessoas votando ao redor do mundo, lembra Webb. Isso inclui as eleições presidenciais dos EUA e as municipais brasileiras, por exemplo.
Com esses importantes pleitos, a desinformação e as fake news voltam a ser assunto urgente. Enquanto deepfakes e manipulação intencional já estão na mira das autoridades, outro tipo de desinformação pode não ter esse objetivo, mas também deve gerar preocupação.
Os modelos de IA generativa, por exemplo, emitem informações falsas por falhas no seu treinamento. Com a demanda crescente por informações, empresas de tecnologia estão recorrendo a profissionais autônomos para atividades como rotulagem de dados, e essas pessoas podem simplesmente não ter o contexto necessário para lidar com temas políticos.
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