A saída é adicionar complexidade a produção nacional
Por Fabricio Missio e Wallace Pereira – Valor – 01/06/2022
A desindustrialização não é um fenômeno essencialmente brasileiro. Ao contrário, é um movimento observado no mundo inteiro. Esse processo não seria um problema per si caso ele não carregasse diferenças importantes entre os países.
Em países desenvolvidos, a desindustrialização vem acompanhada da ascensão do setor de serviços modernos ou sofisticados. Estes serviços são competitivos, contribuem para a melhoria da produtividade e para geração de inovação. São atividades de TI, design, pesquisa, engenharia e processamento de dados. São subsetores que pagam salários mais elevados e contribuem para a melhoria do desempenho econômico geral destes países.
No caso dos países latino-americanos, a desindustrialização tem levado ao crescimento acentuado do setor de serviços tradicionais, cuja produtividade e os salários são baixos. São atividades, por exemplo, desempenhadas por cabeleireiros, garçons, vendedores do comércio, atividades de limpeza, entregadores e motoristas de aplicativos. Isso tem implicações sérias para o crescimento econômico de longo prazo porque essas atividades não agregam valor e não melhoram a competitividade nacional.
É impossível absorver 10 milhões de desempregados em startups ou nas atividades agrícolas
A figura ilustra essa situação. Entre 1996 e 2017, em média, os países com maior participação de serviços modernos no valor adicionado total foram aqueles com maior produtividade econômica. Países desenvolvidos (círculo superior a direita) possuem mais de 21% do valor adicionado total proveniente do setor de serviços sofisticados. Os países sul-americanos (retângulo tracejado) têm participação reduzida comparativamente aos países centrais.
Em resumo, a estrutura produtiva global tem se alterado significativamente nas últimas décadas e caminha para a integração entre indústria e serviços modernos. Mas isso não ocorre de forma homogênea ao redor do mundo.
Ao mesmo tempo, sabemos que para crescer precisamos ser competitivos. Para tanto, é preciso que a produção incorpore um grau adequado de sofisticação tecnológica. E isso requer o desenvolvimento e a incorporação de serviços modernos.
Atualmente, automóveis incorporam computador de bordo e uma série de funcionalidades eletrônicas; já tratores modernos incorporam softwares que coletam informações durante o trabalho e geram dados tratáveis dentro de uma estrutura de Big Data. Por outro lado, celulares perdem boa parte da sua funcionalidade sem os diversos aplicativos neles instalados e assim por diante.
A baixa complexidade dos países sul-americanos, resultado da desindustrialização e da especialização em serviços tradicionais, se reflete na fraca competitividade no mercado internacional. A pauta de exportação (importação) torna-se cada vez mais especializada em commodities (produtos industriais).
Já os EUA e as maiores economias europeias são mais complexas, lideram o progresso tecnológico e, quase que exclusivamente, determinam as inovações no setor de serviços. Isso permite a esses países ampliar a sua participação no comércio exterior e acessar fatias crescentes dos mercados consumidores dos países menos desenvolvidos.
Em outras palavras, os países desenvolvidos dominam a exportação de bens manufaturados de alta intensidade tecnológica. Isso só é possível dado a integração entre uma indústria avançada tecnologicamente e um setor de serviços modernos dinâmico.
A integração entre indústria e serviços modernos é a chave para o crescimento econômico do século XXI. Ou seja, indústria e os serviços modernos configuram um novo setor que funciona simbioticamente.
Fica claro, portanto, que o crescimento da economia brasileira terá que enfrentar um duplo desafio nos próximos anos: o primeiro está associado a recuperação da indústria nacional com foco na incorporação do progresso técnico e no crescimento da produtividade; e o segundo passa pela criação e pelo desenvolvimento de um setor de serviços que agregue valor à produção.
Considerando a atual situação brasileira, com a participação da indústria no PIB em queda, próxima a 10%, chamamos atenção para a atualidade da reflexão de Celso Furtado: “Nunca estivemos tão longe do que sonhamos”.
Adicionalmente, para retomarmos a perspectiva do desenvolvimento brasileiro, precisamos superar um desafio adicional, qual seja, a dimensão política. Essa dimensão está assentada em dogmas econômicos ultrapassados e é incapaz de assimilar que mudanças nas formas de produção corroboram novos processos do desenvolvimento econômico.
Um primeiro passo para vencer esse desafio passa pelo entendimento de que indústria e agricultura são imprescindíveis e indissociáveis em uma estratégia de crescimento sustentável. Os ganhos de produtividade e a expansão da fronteira agrícola são fundamentais e o setor tem sidoporta de entrada para o desenvolvimento do setor de serviços modernos. Serviços modernos que aumentem a produtividade e que reduzam o impacto da produção sobre o meio ambiente são simplesmente essenciais em qualquer estratégia de desenvolvimento.
Por outro lado, o crescimento dessas atividades é incapaz de incorporar o contingente de pessoas atualmente sem trabalho. É impossível absorver 10 milhões de desempregados em startups ou no agro. Assim, também por isso a retomada da indústria é fundamental, porque ela gera emprego. Ademais, como está claro na literatura (modelo centro-periferia), a especialização na produção agrícola determina taxas de crescimentos menores no longo prazo. A saída é adicionar complexidade a produção nacional.
Em resumo, ser pop é bom ao passo que ter simbiose é fundamental.
Fabricio J. Missio é professor da UFMG
Wallace M. Pereira é professor da UFPA
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/por-mais-producao-industrial-e-por-servicos-modernos.ghtml
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Como são ótimos os artigos !!
Inteligentes e nos faz refletir muito sobre este Brasil que pensa pequeno. .Parabéns!!
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